AMADORA JAZZ 2022
Depois de anos com uma programação que diríamos algo descêntrica, o Amadora Jazz parece começar a encontrar o seu caminho. A viragem aconteceu no ano passado com a programação dos LUME, os TGB e o Marc Copland Trio, confirmou-se este ano e esperemos que assim prossiga.
Para 2022 o Amadora Jazz programou o Bill Frisell Trio e Craig Taborn como concertos internacionais e ainda Tcheka convida Mário Laginha, Diogo Alexandre e Tomás Marques c/ Nelson Cascais e Beatriz Nunes, Paula Sousa & Mário Franco «À espera do futuro». Apenas assisti aos concertos internacionais, que foram para mim, sem rodeios, dois dos melhores concertos do ano.
Bill Frisell Trio
Bill Frisell trouxe ao Recreios da Amadora um dos seus trios mais regulares, dois velhos amigos, Tony Scherr e Kenny Wollensen, com quem toca há muitos anos.
Bill Frisell é um músico superlativo, a que assistimos sempre com enorme prazer, e ele tem tocado em diversos palcos nacionais, entre Guimarães, Seixal, Angra do Heroísmo ou Funchal, e constou até das programações do Jazz ao Centro do ano passado.
Do ponto de vista da estrutura do concerto ele até não foi diferente do que vem fazendo, mas dizer isto é muito pouco, porque é sempre diferente: ele começa por introduzir pequenas frases, experimentando, por vezes parece-nos reconhecer alguns trechos, depois ele desfaz e refaz como um deus alucinado, apocalíptico e generoso, os pedais distorcem os motivos, pequenas frases levam-no a dimensões insuspeitadas, constrói e desconstrói, divaga, sugere, em duas ou três notas ele evoca uma qualquer melodia, a guitarra parece comandar os destinos ou ele e a guitarra são apenas uma unidade, ele sorri para os companheiros ou embrenha-se autista na guitarra, e nada nos faz suspeitar dos caminhos que levam enfim a um apoteótico final onde o mundo nos surge afinal perfeito numa complexa e maravilhosa harmonia.
Bill Frisell é um improvisador notável – mercê também dos seus recursos infinitos, técnicos, musicais e históricos; mas o que ele tem de maravilhoso é a forma como manuseia o caos (como um deus, eu disse), como joga com os elementos, os mistura e conjuga, como brinca (como um deus brincalhão), para afinal construir a melodia (a harmonia).
E já tudo se disse sobre a sonoridade peculiar da guitarra de Bill Frisell, country – folk – blues – jazz, numa síntese que alguns definem como a sonoridade perfeita da forma Americana.
Sobre Tony Scherr e Kenny Wollensen, dois velhos companheiros do guitarrista, eles são os dois outros lados do mesmo triângulo, duas entidades que com ele formam aquela santíssima trindade, indistintos na verve, simbióticos.
Sorvemos as notas e rendemo-nos.
Craig Taborn
Foi no longínquo 1995 que vi pela primeira vez tocar o, na altura jovem Craig Taborn; integrava ele o quinteto do portentoso James Carter, e ele fez-se notar, no registo mainstream voluptuoso do saxofonista.
Depois disso foram muitos os caminhos que o pianista trilhou, na procura de uma modernidade e de uma personalidade que ele granjeou, e nós vimo-lo tocar em Portugal nos mais diversos contextos e formações, integrando grupos de outros, a solo ou em duo; e nesta última fórmula como oponente de Vijay Iyer, num concerto com tanto de arrasador como de sublime.
O que Craig Taborn fez na Amadora foi esclarecer que o inventor do piano não foi Bach mas Art Tatum. Stride: todo a História do piano Jazz entre Art Tatum, Thelonious Monk e Cecil Taylor pelos dedos e todo o corpo de Craig Taborn, num sofrimento e volúpia que contaminou e arrebatou o plateia da sala do Recreios. Dir-se-ia o piano total, o piano definitivo, ora vertiginoso ora subtil, engenhoso nas construções e desconstruções harmónicas e rítmicas.
Fico-me por aqui: um concerto memorável!
Antecipação
Chegado à décima edição, o Amadora Jazz parece ambicionar um lugar no patamar seguinte dos festival de Jazz nacionais, como o sugere a convocação de Bill Frisell e Craig Taborn.
. Bill Frisell tem vindo a Portugal com alguma regularidade, mas é sempre um imenso prazer assistir a um concerto dele. Este trio, em particular, pratica uma música de rara beleza, como o público poderá confirmar. Frisell é um original e um virtuoso, mas nada nele é exibicionismo, nada nele é excessivo: a música flui natural, e toca-nos, pungente.
Sobre o concerto dele em Outubro passado no Angra Jazz, escrevi:
«...maravilhoso! Ela foi o que de mais perto eu encontro para expressar o meu conceito de belo, pura magia em palco! ... Os temas sucederam-se ininterruptamente, entre clássicos, temas populares ou insuspeitas canções, de onde Frisell extrai apenas algumas notas, frases, melodias que evoca ou modifica, improvisa. E como sempre acontece (com Frisell), incauto, eu deixo-me surpreender; a partir de um momento eu deixo de tentar explicar a música e sinto um nó na garganta e apenas sinto e maravilho-me.»
Quarta, 4, Recreios da Amadora.
. Craig Taborn é outro caso. Taborn é um dos grandes pianistas da actualidade, mas a sua música não acolhe, como a de Frisell, os benefícios do público, em grande medida pelas formas mais temerárias, nos novos conceitos harmónicos que vem perseguindo.
Um outro grande concerto em expectativa.
Quinta 5, Recreios da Amadora.
. Outros concertos do Amadora Jazz são o encontro do cantor cabo-verdiano Tcheca com o experiente e versátil Mário Laginha dirigido a um público mais alargado (Sexta, 6, Recreios da Amadora);
.
mas o trio de Diogo Alexandre e Tomás Marques com Nelson Cascais deverá fazer regressar o festival ao Jazz mais mainstream, mas estamos a falar de dois jovens excepcionais, mais que promessas, com o veterano Nelson Cascais; e nada sugere a vulgaridade neste trio de saxofone, bateria e contrabaixo. (Sábado, 7, Auditório de Alfornelos, 18.00)
. Finalmente, Beatriz Nunes, Paula Sousa & Mário Franco apresentam «À espera do futuro» no Recreios da Amadora, sábado 7 às 21.00.
Qua 4 | Amadora | Recreios da Amadora | 21.00 | Bill Frisell Trio | Bill Frisell (g), Tony Scherr (ctb, b-el), Kenny Wollensen (bat) |
Qui 5 | Amadora | Recreios da Amadora | 21.00 | Craig Taborn | Craig Taborn (p) |
Sex 6 | Amadora | Recreios da Amadora | 21.00 | Tcheka convida Mário Laginha | Mário Laginha (p), Tcheka (g, voz) |
Sáb 7 | Amadora | Auditório de Alfornelos | 18.00 | Diogo Alexandre e Tomás Marques c/ Nelson Cascais | Diogo Alexandre (bat), Tomás Marques (sa), Nelson Cascais (ctb) |
Recreios da Amadora | 21.00 | Beatriz Nunes, Paula Sousa & Mário Franco «À espera do futuro» |
Beatriz Nunes (voz), Paula Sousa (p), Mário Franco (ctb) |
Qui 7 | Amadora | Recreios da Amadora |
21.30 |
TGB | Sérgio Carolino (tu), Mário Delgado (g), Alexandre Frazão (bat) |
Sex 8 | Amadora | Recreios da Amadora |
21.30 |
LUME Big Band | Marco Barroso (comp, dir, p), Manuel Luís Cochofel (f), Paulo Gaspar (cls), João Pedro Silva (ss), Ricardo Toscano (sa), José Menezes (st), Elmano Coelho (sb), Rui Chainho (t), Gonçalo Marques (t), Pedro Monteiro (t), Ruben Santos (trb), Eduardo Lála (trb), Pedro Canhoto (trb), Miguel Amado (b-el), Vicky Marques (bat) |
Sáb 9 | Amadora | Cineteatro D. João V |
16.00 |
GeraJazz | |
Amadora | Recreios da Amadora |
21.30 |
Marc Copland Trio | Marc Copland (p), Drew Gress (ctb), Joey Baron (bat) |