2010
A insularidade nunca foi desculpa para o grupo de homens que fazem o Angra Jazz e uma vez mais o festival se confirmou como um dos mais importantes festivais de Jazz nacionais, na ambição e na teimosia, na programação, na escolha criteriosa dos grupos, nos eventos paralelos e na organização. Eficaz mesmo nos detalhes, nada é deixado ao acaso na organização do melhor festival de Jazz do Atlântico. Em destaque estará sempre a Orquestra Angra Jazz, a menina dos olhos do festival. A sua existência ao fim de tantos anos é ela própria uma razão do seu triunfo e da necessidade da sua continuação. A sua importância revela-se até nos eventos paralelos, como por exemplo a organização de conferências e debates: inserido na programação do 12º Angra Jazz decorreu ainda um colóquio subordinado ao tema “O jazz e a música étnica”. Os conferencistas convidados foram o italiano Libero Farnè da Musica Jazz e Jazz.it, Paulo Barbosa (Jazz XXI) e Leonel Santos (JazzLogical). O colóquio decorreu no domingo à tarde, dia 03 de Outubro no Centro de Congressos e foi seguido de um debate moderado por José Ribeiro Pinto. O título da conferência do Libero Farnè foi “To Jazz or not to Jazz? The origin of Ethno-Jazz”.
Orquestra
AngraJazz + Luís Cunha
O orquestra esteve sempre
bem, mas não «voou». A ausência de solistas trouxe a nu o que já se
vem fazendo notar: a falta de contacto com outros músicos tende a estrangulá -la.
Eu creio que a direcção de Pedro Moreira
e Claus Nymark não está a fazer o seu trabalho: essa ausência
corresponde a uma regressão,
e a sua substituição pelos directores Moreira - Nymark, é apenas
a face mais evidente deste facto. A orquestra precisa de mais trabalho, de
trocar experiências com outros músicos rompendo a insularidade,
mais agilidade; mas precisa também de uma direcção renovada
e mais atenta. Creio que Pedro Moreira e Claus Nymark deveriam ceder o lugar
a outros: cumpriram uma função e cumpriram-na bem. Mas agora
eles parecem não ser capazes de fazer melhor. Por outro lado, tenho
vindo a dizer, a orquestra deveria encarar com seriedade a possibilidade
da troca de experiências mais prolongadas com outros músicos.
As modalidades são muitas e o dinheiro é escasso, mas é necessário
encontrar uma solução. Levar alguns músicos a outras
escolas no continente, organizar workshops regulares na ilha com músicos
do continente (mais do que um fim-de-semana) ou mesmo estrangeiros; é necessário.
Enfim, ainda assim e apesar das minhas observações, a orquestra
comportou-se - no reportório clássico - com correcção
no serviço aos solistas Luís Cunha (em evidência), Pedro
Moreira e Claus Nymark.
Mingus Dinasty Septet
O
Mingus Dinasty Septet é uma
forma condensada da Mingus Dinasty Big Band que desde há anos, impulsionada
pela viúva de Charlie Mingus, Sue Mingus, tem revolteado o espólio
do contrabaixista e percorrido o mundo na sua divulgação. A
formação que actuou em Angra era constituída por quatro
sopros mais secção rítmica.
O repertório do concerto baseou-se em clássicos, sem grandes novidades.
Frank Lacy tocou e cantou, sem – felizmente – os excessos que se
lhe conhecem, e esteve até bastante bem (contido) na interpretação
do célebre (Mingus/ Joni Mitchell) Good Bye Pork Pie Hat. A dupla Sipiagin/
Kozlov, que se vêm fazendo notar como os verdadeiros motores da orquestra,
com responsabilidade também nos arranjos e na direcção,
voltou a confirmar-se em Angra, com um Sipiagin tremendo no controle do instrumento,
mesmo se até mais discreto que outros sopradores. O solo da noite coube
a Escovery em Good Bye…, superando um menos interessante Abraham Burton
(que parece confirmar a sua desadequação no tenor). Secção
rítmica eficaz.
Música apelativa, de elevado nível como estamos habituados, com
equivalente aceitação do público, em especial nos temas
mais angulosos do tipo do hit Fables of Faubus, ou nas vocalizações
de Frank Lacy.
Stefano Bollani Trio
O
trio dinamarquês é o mais
conservador dos projectos de Stephano Bollani, mas nem por isso O menos exigente.
O pianista revela em palco um sentido melódico apurado, que se esconde
por detrás de um humor por vezes excessivo.
Stephano Bollani tocou Stone In The Water, um disco onde explora uma faceta
melódica
que o próprio alinhamento proporciona, e onde não faltam o recurso
ao Brasil de Jobim e Caetano Veloso, a par de outros temas mais intrigantes como
Joker In The Village ou Il Cervello del Pavone. Mais contido do que no concerto
de Lisboa (Janeiro, Culturgest), Bollani não consegue resistir a algumas
chalaças, que contêm a virtude e o defeito de camuflar alguma da
melancolia que a audição do disco nos tinha revelado, mas encobre
da mesma forma a complexidade das peças.
Apesar da origem diferente dos músicos – dois dinamarqueses e um
italiano -, o trio funcionou sempre como uma máquina bem oleada, com acerto
e eficácia.
Paula Oliveira + Lisbones
Paula
Oliveira é um ícone
do Angra Jazz e não será surpresa pois que ela tenha escolhido
o festival para apresentar Raça, o seu novo disco para a Universal.
A expectativa era grande, dado o invulgar acompanhamento - o quarteto de
saxofones Lisbones mais secção rítmica, com direcção
e arranjos de Lars Arens, mas ela foi defraudada.
Começo por dizer que não gosto dos temas e da forma como a Paula
Oliveira canta em português, excessivamente contaminada pelo fado com traços
pesados da música ligeira portuguesa. Prefiro-a a cantar Jazz, onde é indiscutivelmente
a melhor.
Mas se o reportório me colocou interrogações, a verdade é que
o que à partida parecia uma brilhante ideia se gorou em arranjos destemperados:
Lars Aren, de quem conhecemos excelentes trabalhos para orquestra, nunca ousou
levantar voo, incapaz de resolver o problema (por si mesmo colocado) de quatro
instrumentos solistas de timbres iguais (ou próximos), cuja missão
era suposto ser em primeiro lugar desenhar a tela onde a voz se espraia e não
a teia onde se emaranha. Concerto morno, com a cantora a comunicar o seu evidente
desconforto numa roupa que lhe não pertencia.
Para o encore a cantora escolheu Gloomy Sunday, um dos estandartes de Billie
Holiday, que acabou por ser o melhor da noite, pela voz da cantora e pelo engenho
de Arens. Contou Paula Olivereira que Gloomy Sunday não foi incluído
no disco devido aos arranjos muito ousados. Esclarecedor! Faltou realmente ousadia
a Lars Arens e Paula Oliveira.
Orchestre National de Jazz de France
A
ONJ é uma grande formação
francesa suportada financeiramente pelo Estado, e que tem, de acordo com
os seus próprios estatutos, direcções temporárias,
inteiramente responsáveis pelas formações e pelos reportórios.
Por ela passaram no passado Laurent Cugny, Claude Barthélemy, Franck
Tortiller, entre outros directores, e dela saíram grandes discos e
grandes projectos. O director actual é Daniel Yvinec, que apresentou
em Angra o espectáculo Broadway in Satin - Billie Holiday Revisited.
O resultado foi bastante interessante, se bem que desigual.
Creio que terá causado alguma estranheza a abordagem irreverente do universo
de Billie Holiday, a que a ONJ procurou esvaziar da carga dramática mais
pesada. O estranho reside na forma como Billie cantava, sempre carregada de emoção,
que no fim da vida acabou por quase se substituir à voz. Imaginar Billie
sem emoção é quase inconcebível, e foi este o desafio
que Yvinec e a ONJ tomaram em mãos. A verdade é que abordar a temática
de Billie Holiday é sempre um risco e, ou se procura copiar, e o melhor
que é possível fazer, fá-lo Madeleine Peyroux, ou se reinventa
tudo (há uma terceira hipótese que é Abbey Lincoln, mas
isso é outra história).
O risco era enorme: a ONJ envolveu as canções de Billie Holiday
de rebuscados arranjos onde não faltou electricidade e energia, mas eu
diria que apesar de tudo com carinho e respeito, num movimentado palco onde a
orquestra e dois cantores recriaram tudo ou quase tudo no universo Billie. Mesmo
as vozes estavam nos antípodas de Bille Holiday: Karen Lano possui a frieza
do cristal de Judy Collins, enquanto Ian Siegal cultiva a voz rouca (e também
algo da pose) de Tom Waits!
O concerto valeu também pela ousadia e o risco colocado, com um resultado
final a superar confortavelmente a linha de água.
Henri Texier Transatlantik Quartet
Quando
no meio dos anos 90 me chegaram às
mãos três discos de Henry Texier, fiquei tão entusiasmado
que propus ao meu editor dedicar-lhes duas páginas no suplemento musical
do Diário de Notícias onde na altura escrevia. Acontecia que
por esse tempo a distribuição dos discos da Label Bleu era
bastante irregular e poucos ouvidos os conheceriam. Um dos discos era Izlaz,
onde se estreava o Transatlantik Quartet, e recordo que nele me excitou especialmente
a contribuição de Steve Swallow no baixo a competir com Texier.
Aconteceu que, apesar das diversas passagens do contrabaixista por território
nacional, nunca tinha assistido à actuação do quarteto ao
vivo e foi pois com entusiasmo que me dispus a assistir ao concerto de encerramento
do Angra Jazz 2010.
Tratava-se em primeiro lugar de um encontro de verdadeiras estrelas do universo
Jazz, quatro veteranos com provas dadas ao longo de décadas e prémios
em todos os círculos da crítica especializada em todo o mundo.
Mas nestas coisas, nada como assistir para comprovar, até porque a experiência
nos diz que o resultado de um encontro de estrelas nem sempre corresponde à soma
das parcelas. Creio que este quarteto não terá tido muitas oportunidades
de tocar ao longo dos seus mais de vinte anos, mas as minhas preocupações
foram vãs: à alegria da aventura (desses idos dias dos finais dos
anos 80), os quatro músicos ajuntavam agora muitos anos de amizade e uma
longa experiência.
De forma algo diferente do que recordava dos discos, um exuberante Joe Lovano
esteve em evidência, mesmo se a peculiaridade na formação
do grupo (refiro-me obviamente aos dois baixos) foi sempre um dos motivos de
interesse do concerto, com Swallow que é obrigado a subir para os agudos
e a funcionar como uma guitarra, não perde oportunidade de se intrometer
na área do contrabaixo, mais grave, mas mais lento que o ágil baixo
eléctrico. Mas talvez que a nota dominante em todo o concerto tenha sido
a bonomia, a cumplicidade entre os músicos e a alegria de tocar (Jazz).
(JazzLogical esteve em Angra do Heroísmo a convite do Angra Jazz)
Sex
1-Out
|
Angra
do Heroísmo
|
Centro
Cultural e de Congressos
|
21.30 |
Orquestra
AngraJazz + Luís Cunha
|
Pedro Moreira (dir), Claus Nymark (dir), Luis Cunha (trb), Rui Borba (sa), Rui Melo (st), Davide Corvelo (st), Telmo Aguiar (st), José Pedro Pires (clb), Rodrigo Lima (f), Márcio Cota (t), Paulo Borges (t), Anthony Barcelos (t), Bráulio Brito (t), Roberto Rosa (t), Manuel Almeida (trb), Paulo Aguiar (trb), Evandro Machado (trb), Adriano Ormonde (trb), Edgar Marques (trom), Antonella Barletta (p), Paulo Cunha (g), Eduardo Ornelas (ctb), Nuno Pinheiro (bat) |
Mingus
Dinasty Septeto
|
Abraham Burton (sa), Wayne Escoffery (st), Alex Sipiagin (t), Ku-umba Frank Lacy (trb), Boris Kozlov (ctb), Orrin Evans (p), Donald Edwards (bat) | ||||
Sáb 2-Out | Stefano Bollani
Trio
|
Stefano Bollani (p), Jesper Bodilsen (ctb), Morten Lund (bat) | |||
Paula
Oliveira + Lisbonnes
|
Paula Oliveira (voz), Leo Tardin (p), Bernardo Moreira (ctb), Bruno Pedroso (bat), Lars Arens (trb), Claus Nymark (trb), Luis Cunha (trb), Rui Bandeira (trb) | ||||
Seg
4-Out
|
Orchestre
National de Jazz de France
|
Daniel Yvinec (dir), Eve Risser (p, f), Vincent Lafont (sint, elec), Antonin-Tri Hoang (sa, cl), Matthieu Metzger (s, elec), Joce Mienniel (f, elec), Rémi Dumoulin (s, cl), Guillaume Poncelet (t, p, elec), Pierre Perchaud (g, bjo), Sylvain Daniel (b-el), Yoann Serra (bat), Karen Lano (voz), Ian Siegal (voz) |
|||
Henri
Texier Transatlantik Quartet
|
Henri Texier (ctb), Joe Lovano (s), Steve Swallow (b-el), Aldo Romano (bat) |