Cascais Jazz
1971-1984
1971 - 1º Cascais Jazz/1971
Quarenta Anos!
Fará no próximo
dia 20 quarenta anos: foi em 20 e 21 de Novembro de 1971!
Estava-se em plena primavera marcelista, era Outono e por todo o lado não
se falava de outra coisa! Os jornais, rádio e mesmo a televisão
interrompiam a verborreia institucional para antecipar o I
Festival de Jazz de Cascais!
De fora tinham já chegado os ecos da revolução hippie e
este era o segundo grande evento musical-cultural não enquadrado pelo
regime em quatro meses. Que o Agosto anterior tinha já visto reunir
mais de uma dezena de milhar de jovens em Vilar de Mouros, para um festival
de música pop onde os cabeças de cartaz eram os Manfred Mann
e o então jovem Elton John! Apesar do sucesso, o Vilar de Mouros teria
segunda edição apenas onze anos depois.
Mas Vilar de Mouros era lá longe, no Norte, ao pé de Caminha,
e Cascais era mesmo aqui ao lado da Capital do Império e a coisa auspiciava-se
incómoda.
O Programa.
A
organização
estava a cabo de um trio composto por Luis Vilas-Boas, João Braga
e Hugo Mendes Lourenço, mas inquestionavelmente
Vilas-Boas, o sócio n.º 1 do Hot Club de Portugal, era a figura
do Festival.
Vale a pena notar como
a escolha de Luis Vilas-Boas era bastante audaciosa e o festival espelhava
as diversas tendências do Jazz que se fazia na altura. Por outro lado,
uma relação próxima com George Wein, o patrão
do Newport em digressão, facilitava-lhe a tarefa da programação.
A primeira noite foi dedicada ao Jazz moderno, enquanto a segunda alinhava
mais pelo mainstream.
O programa era de tal forma ambicioso que fez dele o mais importante dos
festivais de Jazz de sempre, até hoje: o Jazz eléctrico
de Miles Davis (em septeto com Keith Jarrett e Gary Bartz), o quarteto
de Ornette Coleman (com Charlie Haden, Ed Blackwell e Dewey Redman),
Dexter Gordon, Phil Woods And
His European Rhythm Machine (Gordon Beck, Ron Mathewson e Daniel Humair),
os Giants Of Jazz (com Dizzy Gillespie, Thelonious Monk, Sonny Stitt,
Kai Winding,
Al Mckibbon e Art Blakey) e ainda um quarteto nacional, “The Bridge”,
composto da vedeta Kevin Hoidale nos teclados, o contrabaixista Jean
Sarbib, um tal de Adrien Ransy na bateria e um saxofonista que dava pelo
nome de
João
Ramos Jorge, que mais tarde adoptaria o nome por que ainda hoje é conhecido,
Rão Kyao.
Para o público, aquela era uma festa de música
mas, tão
importante quanto isso, era uma oportunidade única de contestação
ao regime decrépito que acabaria por cair dois anos e meio depois.
A música e o Jazz apareciam na sua aparente total liberdade formal
como expressão dessa contestação aos valores culturais
instituídos,
o fado – a desgraça do ser português – o folclore
purulento ou as touradas à portuguesa.
E só nesta necessidade de contestação primária
se poderá compreender um pouco algum mau comportamento do público,
a desatenção, ou as enormes vaias com que Luis Vilas-Boas
era brindado sempre que aparecia em palco e que muito o desgostavam.
As
histórias
Os organizadores (e o público, cada
um de nós) poderiam contar inúmeras histórias, as peripécias
rocambolescas do que significou realizar um Festival de Jazz em 1971.
Umas histórias contarão como os sponsors retiraram o apoio
em cima da hora, deixando o festival inteiramente a descoberto (apenas
tendo sido salvo
pelo sucesso de bilheteira), ou como aparecia o fadista João Braga
ao lado de Luis Vilas-Boas na organização do Cascais Jazz.
Mas talvez que a mais contada da histórias seja a de Charlie Haden;
curiosamente o único músico branco do quarteto de Ornette
Coleman. Quando o contrabaixista dedicou uma das composições
- "Song
for Che" (mais tarde registado em disco) - aos movimentos de libertação
de Angola, Moçambique e Guiné, gerou-se um enorme pandemónio:
era o momento por que aguardavam os militantes da extrema esquerda para
espalhar panfletos contra a guerra colonial, enquanto os dez mil assistentes
se manifestavam
ruidosamente. A polícia de choque que estava estrategicamente
colocada na rua ao lado do pavilhão achou da mesma forma que esta
era a sua deixa “para
molhar a sopa” e resolveu invadir o recinto. Mas não foi
possível:
felizmente o pavilhão estava cheio que nem um ovo e àquela
hora já ninguém conseguiria entrar nem que tivesse bilhete!
No fim da noite, a PIDE aguardava Charlie Haden e Luis Vilas-Boas que
se revolvia
a explicar que não tinha tido nenhuma culpa no sucedido e que
tal se não voltaria a repetir. Várias horas se passaram
até o “Vilas” conseguir
autorização para a segunda noite do festival, com a promessa
de ser este o último festival de Jazz em Portugal (as coisas não
se passaram assim e em 1972 ocorreria a segunda edição).
Entre os vários argumentos, prevaleceu o bom senso: estavam em
Cascais, literalmente acampados, vários milhares de jovens, e iria ser
muito complicado desmobilizá-los
da sua intenção de assistir ao concerto dos “Giants
of Jazz”!
Quanto a Charlie Haden, depois de umas horas no calabouço, valeu-lhe
a sua qualidade de cidadão norte-americano e a intervenção
da embaixada dos EUA que convenceram a PIDE a oferecer a viagem grátis,
com direito a escolta VIP, até ao Aeroporto da Portela. Charlie Haden
não mais entrou em Portugal antes do 25 de Abril de 1974 mas, de qualquer
forma, não seria o Vilas que o contrataria, que por pouco lhe tinha
acabado o festival, logo no seu primeiro dia. Luis Vilas-Boas nunca mais quis
ouvir falar de Charlie Haden, mas o contrabaixista tornou-se um dos músicos
de Jazz mais populares em Portugal.
Miles Davis
Para a maior
parte da assistência, maioritariamente jovem, estes dois
dias foram o seu baptismo no Jazz. O que ali se passou marcaria de
certa forma os gostos de toda uma geração. Entre Ornette, Miles
Davis, Dexter Gordon, os Giants of Jazz e Pilll Woods, a música de
Miles levava claramente vantagem pela aura de misticismo e modernidade que
a envolvia, embora seja
de admitir que poucos terão percebido verdadeiramente o que
ali se tinha passado. Este não era claramente público
do Jazz, mas o Jazz colheu aqui a simpatia de muitos milhares de
jovens.
Miles apercebeu-se da importância do festival e exigiu da
organização ser oprimeiro a tocar, o que incomodou Vilas Boas. As
suas exigências de vedeta pop também não cairam bem, mas ele era
por essa altura, já uma vedeta.
O
Jazz eléctrico de Miles Davis tinha surgido apenas dois anos antes
- “Bitches
Brew” tinha sido editado no ano anterior -, e a formação
que tocou em Cascais contava com Keith Jarrett nas teclas, Gary Bartz
no saxofone, Michael Henderson no baixo eléctrico e continha
ainda uma componente “africana”,
com dois percussionistas - Don Alias e James Foreman - além
do baterista Leon Chandler.
Keith Jarrett foi fantástico: tocou rodeado de teclados e muitos dos
sons que retirava confundiam-se com o trompete de Miles, servindo-lhe ora de
continuidade ora de contraponto. Mas também, e mesmo para quem já alguma
vez tinha ouvido o som de um trompete, o som de Miles era muito estranho! A
figura de Jarrett, de cabeleira enorme e de movimentos corporais excessivos,
como a de Miles, que se passeava lentamente pelo palco vestido de reflexos
prateados e suor, eram as de verdadeiras estrelas pop! Miles era a personificação
da modernidade do Jazz e o público assim o entendeu. A forte componente
rítmica e os sons misteriosos que os solistas arrancavam agarravam o
público jovem decididamente. Enfim, ao contrário
do que tem sido escrito, este foi um grande concerto de Jazz.
Ornette Coleman
Depois
de Miles tocou Ornette Coleman. Ornette era o profeta do Free
Jazz e a intervenção de Haden estava de acordo com os ideólogos
que ligavam intimamente o advento do Free Jazz e a Revolução
iminente (“Free Jazz/ Black Power”, Philippe Carles, e Jean-Louis
Comolli). Provavelmente pouco da assistência terá compreendido
o que se passou (de música falando) no palco da intervenção
do quarteto de Ornette Coleman, mas isso também não era muito
importante. Ornette foi caótico, demolidor, free! E liberdade era o
que todos ansiávamos!
Dexter Gordon
Depois de
Ornette tocou o The Bridge e mais tarde ainda, já altas horas
da madrugada, Dexter Gordon, que tocou acompanhado por
uma secção
rítmica portuguesa composto por Marcos Resende
no piano, Jean Sarbib e Manuel Jorge Veloso na bateria.
O jovem
Manuel
Jorge Veloso (cuja paixão
pelo Jazz continuaria até hoje, na televisão
e na rádio, pela escrita e pelo debate,
na Internet ou mesmo na organização de
concertos) que recorda ainda hoje a euforia que viveu
nos poucos dias
que teve para ensaiar e a feliz prestação
que teve ao lado de um dos maiores músicos
de Jazz de todos os tempos. Dexter Gordon voltaria a
Cascais em 1978.
Phil Woods e os The Giants of Jazz
O festival prosseguiu com o hard-bop avassalador
da “European
Rhythm Machine” de Phil Woods que contaminou o pavilhão.
Em 1971 a Machine era composta por Gordon Beck, Ron Mathewson
e Daniel Humair
e Woods estava
auge da sua energia.
Poucos se terão apercebido de que pelo palco do segundo dia do festival
passavam verdadeiras lendas do Jazz. E se o bop tinha já 30 anos, Dizzy
Gillespie continuaria a fazer bons discos e os Messengers de Art Blakey seriam
ainda por muito tempo a fábrica de talentos que haveria de gerar, por
exemplo, os irmãos Marsalis. Mas Monk retirar-se-ia das lides pouco
depois e o bebop pertencia, de facto, já por essa altura, à história.
Os “Giants of Jazz” eram de certa forma o canto do cisne do bop.
Kai Winding e Al Mckibbon foram ignorados pelo público e até Sonny
Stitt era um ilustre desconhecido.
Devo confessar que, também no que me respeitava, este era o meu baptismo
do Jazz, mas era uma verdadeira overdose. Da noite de Domingo, dos “Giants
Of Jazz”, recordo as bochechas e a alegria de Dizzy
Gillespie e a energia contagiante de Art Blakey, mas
ignorei quase inteiramente
Thelonious
Monk ou
Sonny Stitt.
A ajudar a impaciência do público, os concertos começavam
sempre tardíssimo e entre cada grupo mediava com frequência uma
hora, que a organização aproveitava para fazer passar alguma
publicidade. As mudanças de equipamento eram um desastre e o público
não poupava nos assobios. Comparado com a velocidade com que hoje qualquer
anónima banda muda todo um palco, aquilo era mesmo o paleolítico...
Cascais Jazz 1971: O primeiro
encontro
Do lado da plateia e das bancadas imperavam os coloridos,
as barbas, as jeans, as calças à boca de sino e os sapatos de tacão alto, os
charros e o álcool, os panfletos, ruído, irreverência,
amor, juventude e uma alegria muito grande. As bancadas de cimento eram duras
e frias e o fumo coabitava com o barulho. Nas duas noites passaram pelo Pavilhão
do Dramático Cascais mais de quinze mil pessoas! O pavilhão,
esse, era um mastodonte frio e surdo, de acústica deficiente. E a acrescer às
condições acústicas, havia a impossível situação
visual de uma boa parte da assistência que estava colocada numa das bancadas
por detrás do palco. Se se souber que a parafernália do septeto
do Miles Davis tinha vários metros de altura de colunas e aparelhagem
de toda a espécie, poderá perceber-se o que (não) viu
essa fatia da assistência...
Com tudo isto, quatro grupos por noite, confusão, entusiasmo, histórias
rocambolescas e atrasos intermináveis, a hora de acabar o festival era
muito próxima das cinco da manhã... Mas a organização – previdente – tinha
providenciado um comboio especial de regresso à capital. E acreditem
que era mesmo muito estranho, em 1971, passear por Lisboa às 6 da manhã!
Fará no próximo dia 20 quarenta anos! Irrepetível e inesquecível,
ele foi o mais importante festival de Jazz de sempre em Portugal! E se é verdade
que o Hot Club de Portugal tinha já por essa altura 20 anos de idade
e que a rádio passava até, desde 1966, cinco minutos de Jazz
por dia, o I Festival Internacional de Jazz de Cascais foi verdadeiramente
o primeiro encontro do público português com o Jazz.
A seguir, alguns links de videos youtube, alguns deles de muito má qualidade, mas que talvez permitam entrever um pouco do que foi o Cascais Jazz de 1971. Também o link para a minha recensão do disco dos The Giants of Jazz gravado nesse mesmo período.
http://www.youtube.com/watch?v=3iS3i4SIt-s
http://www.youtube.com/watch?v=sfZVxthD-4s
http://videos.sapo.cv/ZpJ9tz7YjPPBOTFa4rp7
http://www.youtube.com/watch?v=wi_hRsAL8AY
http://www.youtube.com/watch?v=T0c9Yh0k_DQ
http://www.youtube.com/watch?v=xKhFFupk05s
http://www.youtube.com/watch?v=BXhqDkvke2s
(fotos: Nuno Calvet)
1972 - 2º Cascais Jazz/1972
- “Status” (Marcos Resende), Phil Woods, Cannonball Adderley, Dave
Brubeck, Jean-Luc Ponty, Elvin Jones, Jimmy Smith
1973 - 3º Cascais Jazz/1973
- Wolfgang Dauner, Woody Herman, Duke Ellington, Sarah Vaughan, Young Giants
Of Jazz (Freddie Hubbard, Joe Henderson, Roy Haynes, Etc), Roland Kirk, B.
B. King
1974 - 4º Cascais Jazz/1974
Phil Woods, Red Rodney, Sony Stitt, Charles Mcpherson, Eddie “Lockjaw” Davis,
Dizzy Gillespie, Gato Barbieri, Charles Tolliver e outros
1975 -5º Cascais Jazz/1975
Joe Newmans, Dick Hyman, George Duvivier, Earl Hines, Benny Carter, Gary Bartz,
Roy Haynes, Charlie Mingus e outros
1976 - 6º Cascais Jazz/1976
Gil Evans, Betty Carter, Sonny Rollins, Jon Faddis, Muddy Waters e outros
1977 – 7º Cascais Jazz/1977
Johnny Griffin, George Duke, Art Blakey, Odetta/Sammy Price, Freddie Hubbard
e outros
1978 - 8º Cascais Jazz/1978
Toots Thielemans, Dexter Gordon, Nancy Wilson, Orq.Thad Jones,/Mel Lewis.
1979 - 9º Cascais Jazz/1979
Milt Jackson/Sonny Stitt, Tete Montolieu,/Billy Higgins, Kai Winding,, Sam
Rivers, Betty Carter, Buddy Guy,/Junior Wells, Freddie Hubbard
1980 - 10º Cascais Jazz/80
Didier Lockwood, Dizzy Gillespie, James Moody, Billy Harper, Cedar Walton,
John Abercrombie, Phil Woods e outros.
1981 - 11º Cascais Jazz/1981 (Salesianos)
Mccoy Tyner, Martial Solal, George Adams,/Don Pullen, Chet Baker, Bud Shank/Ray
Brown/Jeff Hamilto/Laurindo De Almeida(L.A.Four) e outros
1982 - 12º Cascais Jazz/82 (Salesianos)
Richie Cole, Mingus Dinasty (Jimmy Knepper, Sir Roland Hanna, Ricky Ford, Johnny
Coles, Reggie Johnson, Joe Chambers), Arthur Blythe, Magic Slim e outros
1983 - 13º Cascais Jazz/83 (Salesianos)
Wynton Marsalis, Tribute To Louis Armstrong (Peanuts Hucko, Billy Butterfield,
Trummy Young, Marty Napoleon, Jack Lesberg, Gus Johnson, Louise Tobin) e
outros
1984 - 14º Cascais Jazz/84 (Salesianos)
Joanne Brackeen/Joe Henderson, Pharoah Sanders e outros
Programador:
Luis Villas Boas