Estoril Jazz 2015
Longe vão os tempos em que o Estoril Jazz nasceu como «Jazz num dia de Verão» no luxuriante Parque Palmela, quando era o único festival de Jazz em Portugal (mantendo-se durante algum tempo em simultâneo com o Cascais Jazz). Fiel a uma concepção de Jazz tradicional, Duarte Mendonça, o desde sempre director do festival, trouxe alguns dos nomes mais relevantes do Jazz norte-americano, entre Wayne Shorter, Kurt Elling ou Charles Lloyd, e centenas de outros, que realizaram, entre o Parque Palmela, o Centro de Congressos do Estoril e o Casino Estoril alguns concertos inesquecíveis. Por razões de público, de meteorologia, ou outras, o Estoril Jazz realiza-se hoje no Auditório do Casino Estoril, com uma programação de quatro concertos em dois fins de semana.
E se a sala não é a minha preferida, a programação excessivamente clássica penaliza o Estoril Jazz. É bom e normal trazer Jazz mainstream; faz parte da personalidade do Estoril Jazz e não tem de mudar. Mas eu creio que Duarte Mendonça joga excessivamente pelo seguro e a programação parece ser tão incapaz de trazer novos públicos como sequer entusiasmar o «seu» público. O Estoril Jazz perdeu muita da importância que já teve, e é pena. Algo deveria mudar.
Programação clássica, pois então, Roseanna Vitro e Kenny Werner, dois repetentes, piano e voz em confronto; Sean Jones, um trompetista da nova geração com uma linguagem mainstream, o quinteto de estrelas Opus 5, apresentado como «The Mingus Alumni», e ainda o grupo sensação do novo Jazz nacional, o Quarteto de Ricardo Toscano. Nem tudo correu bem este ano, como veremos, e o Jazz português salvou o festival!
Roseanna Vitro e Kenny Werner
Contrariando as expectativas, o concerto de Roseanna Vitro e Kenny Werner decorreu em tom morno. Desinspirada, a voz de Roseanna Vitro nunca soube soltar-se, enquanto Kenny Werner, de quem já ouvimos grandes concertos, pareceu mais interessado em tocar a sua música que acompanhar ou desafiar a voz.
Sem história.
Sean Jones Quartet
Apesar da ausência do pianista inicialmente previsto, Orrin Evans, o grupo que Sean Jones trouxe ao Estoril realizou um bom concerto. Alternando entre a violência de McCoy Tyner e o veludo de Hank Jones, o piano esteve sempre bem no papel de direcção da secção rítmica, que valeu sempre por si mesma, com um contrabaixo eficaz e um baterista que se revelou – apesar da juventude - o verdadeiro motor da banda. Pleno de energia, Mark Whitfield Jr. trouxe à evidência a superioridade dos bateristas negros do sul («born in Baton Rouge»), com uma drive verdadeiramente espectacular que o público não deixou de assinalar.
Mas nem só de hard-bop constou o concerto, com algumas baladas tocantes - «How High The Moon» com o trompete nos limites do audível, muito contido, ou «We’ll Meet Under The Stars», o contrabaixo lento e sólido e uma bateria a flutuar, apenas em escovas e feltros, e um piano muito melódico. Ainda «Stardust», com um início do trompete a solo, pungente, seguido do trio em força e de novo o trompete, agora a rasgar.
Menos milesiano que o tínhamos ouvido noutras circunstâncias, Sean Jones confirmou-se o bom contador de histórias que conhecíamos dos discos, num concerto descontraído com momentos altos.
Ricardo Toscano Quarteto
Outro vencedor, o quarteto de Ricardo Toscano trouxe à plateia entusiasmada do Estoril a generosidade do Jazz clássico, num concerto integralmente composto de standards.
Magníficos representantes da nova geração de músicos portugueses, este grupo tem vindo a tocar em todo o país, com enorme sucesso. A sua presença no Estoril Jazz – até pelo repertório clássico que cultiva – foi por isso natural. Como atractivo suplementar, o concerto contou com a presença de um convidado, o jovem Diogo Duque (trompete), com quem Ricardo Toscano tem tocado ocasionalmente noutras formações.
Os quarteto tem vindo a alargar o leque de contribuintes para o repertório, o que foi notório no concerto: Ornette Coleman e John Coltrane - «The Blessing» e «When Will The Blues Leave», (creio que) «Crescent», «Blue Train» -, também Herbie Hancock - «The Sorcerer» e «One Finger Snap», «Stardust» de Hoagy Carmichael, finalizando com Ray Noble/ Clifford Brown: «Cherokee»; o segundo dos dois encores.
Inquestionavelmente o momento mais alto do festival, com os músicos a revelar-se sempre à vontade na execução, o concerto teve apontamentos sublimes como o solo de Diogo Duque, pungente, em «Stardust», ou o despique dos dois sopros em «When Will The Blues Leave», ou nos encores, o belíssimo «Blue Train», em quarteto, ou no final, em «Cherokee», com Diogo Duque regressado ao palco.
Dizer que nunca ninguém tocou assim em Portugal dirá quase tudo, mas mesmo nos momentos em que a banda revelou a sua juventude, o entusiasmo e a alegria de tocar Jazz tudo superaram.
Opus 5
Apresentados com algum oportunismo como «The Mingus Alumni» devido ao facto de todos eles terem tocado em diversas formações que exploram a música do grande Charles Mingus, os Opus 5 foram uma desilusão. Não porque tenham tocado má música, e isso era praticamente impossível - afinal estamos a falar de monstros como Alex Sipiagin ou Seamus Blake (ou David Kikoski ou Boris Kozlov ou Donald Edwards) - os Opus 5 tocaram um repertório de originais de todos os membros da banda - «We are a democratic band, we all contribute» - (com excepção, creio, para o tema de arranque, «Silver Pocket», de Horace Silver), onde as formas angulosas de Mingus estiveram sempre ausentes, substituídas por uma música de arestas buriladas, arrendondada, excessivamente melódica e sem chama.
Concerto «correcto», com poucos momentos altos, com um Sipiagin apagado (ele que possui um dos mais poderosos ataques do Jazz) e um Boris Koslov remetido à competência, e onde estranhamente o melhor solo acabaria por ser de Kikoski, já no encore, em «Nostalgia in Time» (referência ao clássico de Mingus «Nostalgia in Times Square») de Boris Koslov.
Sáb 9 Maio | Estoril | Casino - Auditório | 21.30 | Estoril Jazz | Roseanna Vitro/ Kenny Werner | Roseanna Vitro (voz), Kenny Werner (p) |
Dom 10 Maio | Estoril | Casino - Auditório | 19.00 | Estoril Jazz | Sean Jones Quartet | Sean Jones (t), Victor Gould (p), Joe Sanders (ctb), Mark Whitfield Jr (bat) |
Sáb 16 Maio | Estoril | Casino - Auditório | 21.30 | Estoril Jazz | Ricardo Toscano Quarteto + Diogo Duque | Ricardo Toscano (sa), João Pedro Coelho (p), Romeu Tristão (ctb), João Pereira (bat) + Diogo Duque (t) |
Dom 17 Maio | Estoril | Casino - Auditório | 19.00 | Estoril Jazz | Opus 5 «The Mingus Alumni» |
Seamus Blake (st), Alex Sipiagin (t), David Kikoski (p), Boris Kozlov (ctb), Donald Edwards (bat) |