Festa do Jazz - São Luiz
2012 - 10.ª Festa do Jazz do São Luiz
Parece que foi ontem, mas já se passaram dez anos! A verdade é que muitos dos jovens que ao longo dos anos vimos subir ao palco, nervosos, são hoje líderes e autores; os nomes que compõem a agitada cena Jazz nacional. E não só, porque muitos deles espalham a sua actividade por - e enriquecem - outros géneros musicais.
Os jovens são desde sempre a mais-valia da Festa do Jazz do São Luiz: o desfile das escolas e o encontro dos professores e dos músicos consagrados, mais o bulício dos pais dos estudantes embevecidos a olhar a arte dos filhos. Espectáculo único, que acontece entre o palco e a plateia do Jardim de Inverno, e que se prolonga pelo sempre abafado Teatro Estúdio, o Spot e a Sala Principal, num corrupio que faz da Festa «a Festa»!
Claro que há a programação «nobre», a programação da Sala principal, por onde passam os grandes nomes da cena nacional, o Spot com os seus concertos intimistas, e os projectos mais experimentais do Teatro Estúdio, mas a verdadeira festa é dos jovens.
A Festa do Jazz do São Luiz é, apesar da sua aparente modéstia - e ressalvados alguns convidados, a programação é inteiramente nacional -, não apenas o festival de Jazz da capital, mas também um dos grandes acontecimentos jazzísticos nacionais.
Dou conta de seguida dos concertos «seniors» a que assisti.
Filipe Raposo
Filipe Raposo apresentou a sua música como concebida de acordo com três matrizes: uma primeira que seria a música tradicional, uma segunda a música clássica e uma terceira que seria a música improvisada.
À parte o facto de «música improvisada» ser uma designação infeliz, já que nela se podem incluir territórios tão vastos quanto as músicas folclóricas de todo o mundo, entrando pela música clássica de Mozart ou Bach ou até o Jazz (!!!), dificilmente podendo ser considerada matriz de qualquer coisa, a componente improvisada revelou-se como uma espécie de cola que permitiu ao pianista combinar elementos folclóricos e clássicos, que não tardaram a revelar-se (estes últimos) a matriz do piano de Raposo.
Bica acrescenta o seu quê de dramatismo mingusiano à música do pianista, acolitado pela bateria sem mácula de Carlos Miguel.
Música excessivamente contida, releva o trabalho de investigação que se concretiza na escrita de Filipe Raposo, a merecer toda a atenção.
Óscar Marcelino da Graça
Óscar Graça tem-se feito notar nos últimos tempos, tendo editado um primeiro disco no final do ano passado. Jazz inequívoco, o pianista evidencia-se pela fluência e segurança, pouco comuns num jovem.
A minha única observação (diria antes desabafo), vai para o discurso do piano, a revelar a (sólida, reconheçamos) formação académica clássica. Mas eu já perdi as esperanças de ver surgir um pianista stride em Portugal, e os boppers já foram.
Sem equívocos se revelaram enfim a dupla Marcos cavaleiro – Demian Cabaud, confirmando-se como uma das mais seguras e criativas secções rítmicas do panorama Jazz nacional.
Elisa Rodrigues
Esta foi a única vez a que assisti a um concerto de Elisa Rodrigues, mas alguns dos meus leitores talvez estejam recordados do entusiasmo com que acolhi o seu disco de estreia, Heart Mouth Dialogues (****).
Elisa começou o espectáculo bem, apesar do notório nervosismo, que resolveu com alguns truques de palco, descalçando-se ou sentando-se no chão. O concerto acusou alguma imaturidade; nada que não tivéssemos já observado no disco, encobertos pela garra com que se apossa das palavras, ou no desespero e emoção que comunica. Algo rápido demais em Sonhos, a capella, ou atropelando as palavras em Dumb e a abusar de alguns tiques vocais.
Ainda assim tudo parecia correr razoavelmente, quando Elisa arriscou a salada de frutas que remataria o concerto: um fado – Estranha forma de vida – e um samba de que não fixei o nome.
Talvez se recordem da minha crítica do disco, onde concluía com o meu receio de ver Elisa Rodrigues cantar sambas ou modinhas… Como fui premonitório! Não vale a pena alargar-me: como fadista, Elisa tropeçou, e o samba, até onde ouvi, foi de uma vulgaridade confrangedora. Não saberá Elisa Rodrigues, ou quem a aconselha, que todos os dias nascem tias a cantar fado debaixo das pedras? Não saberão como florescem cantoras de sambas neste cantinho à beira-mar plantado? Até brasileiras as há!!! Como pode querer Elisa Rodrigues competir com elas? E para quê? O fado é um género menor, e se uma cantora escolhe utilizá-lo, então tem de o transformar, de fazer dele qualquer coisa de novo.
Elisa Rodrigues pode seguir este caminho da polivalência, sei lá, mas temo que tenhamos assistido à «ascensão e queda de uma cantora de Jazz». Esperemos que não. Esperemos que não enverede pelo caminho da vulgaridade e se afirme como a cantora de Jazz que eu creio que ela é capaz de ser.
Carlos Bica & Azul
O regresso do trio de Carlos Bica aos palcos nacionais veio demonstrar que eles estão longe de acabados. Azul é o mais internacional dos «nossos» grupos, um dos mais longevos e provavelmente e mais reconhecido dentro e fora de portas.
O disco que vieram apresentar ao São Luiz - Things About - não traz consigo nada de propriamente novo: a mesma atracção pela pop music, as velhas canções que assomam, como fantasmas, pequenas frases enunciadas pela guitarra deslizante de Mobus ou o contrabaixo com arco de Bica, imediatamente reconhecíveis. Escrevi que Things About era o álbum mais contemplativo de Carlos Bica; todo ele atravessado por uma melancolia que parece emergir cada vez mais nas suas composições; mas sugeri também que este seria o fim de um ciclo.
Ora o que aconteceu no São Luiz pareceu desmentir tudo o que eu tinha afirmado: nenhuma melancolia e a mesma (ou mais) energia dos primeiros tempos. Impulsionado pela bateria de Jim Black, o grupo fez o que foi inequivocamente o grande concerto da Festa do Jazz, numa das suas mais impressionantes apresentações de sempre. Jim Black combina a fúria de uma bateria de heavy metal com o engenho de um mestre joalheiro. Frank Mobus, o outro lado do trio, esteve bastante menos exuberante que Black, mas igualmente inventivo e tecnicamente insuperável: corrosivo e doce, ora desenhando ora questionando a melodia, ora apenas pairando etéreo sobre ela. E no centro de tudo, a invisível batuta, a bonomia, o suor e a convicção de Carlos Bica.
O trio Azul de Carlos Bica não é um mero trio composto por três músicos fabulosos que ocasionalmente se encontram para tocar: Azul é um trio equilátero onde nenhum dos lados é substituível. Genuíno trio de Jazz, também, onde a todo o momento se sente a amizade e comunhão de gostos e princípios estéticos. Isto é Jazz, onde as personalidades se distinguem e se diluem: música igualmente individualista e colectiva.
Susana Santos Silva
O concerto de Susana Santos Silva constou basicamente do repertório do seu disco de estreia, Devil's Dress, sobre o qual escrevi em Jazz 6/4 #13 (***1/2), mas ele foi afectado pelo excelente concerto do Carlos Bica Azul que o antecedeu. Na comparação, o concerto de Susana ficou claramente a perder, revelando imaturidade, pouca ousadia, mas também a absoluta ausência de noção de espectáculo. Um tratamento dos temas excessivamente convencional, com quebras de ritmo sistemáticas, colocaram a nu alguma insipiência na construção dos temas, que o desfilar dos solos (ainda que) por um quinteto de luxo não logrou ultrapassar.
Quinteto da Jobra
O grupo que, com alguma surpresa, arrancou o primeiro prémio para o melhor combo das escolas de música não superiores 2011, regressou ao São Luiz para explicar a razão do prémio. Repertório clássico, nenhum risco, técnica de sobejo para alunos do secundário e muita alegria.
Cornettada
Os Cornettada revelaram-se muito pouco um convencional trio de piano. Giovanni Di Domenico é o artífice principal de engenhosas harmonias que a bateria angulosa de João Lobo e o seguro contrabaixo de Hugo Antunes suportam. Inventiva, um mesmo gosto pelo risco e juventude são os traços dominantes da música, muito apropriadamente dirigida para o intimismo do Estúdio Mário Viegas. Jazz de câmara, irreverente e fresco, o que os Cornettada (vá-se lá saber o porquê do nome) fizeram, no que foi um dos mais estimulantes momentos da Festa do Jazz.
Cine Qua Non
Os Cine Qua Non são uma formação atípica de piano- acordeão- guitarra e contrabaixo; e o grupo vive basicamente dessa ideia de originalidade. Mas a ideia esgota-se em apenas cinco minutos: instrumento característico de folclores mediterrâneos, excessivamente mel(odi)oso, o acordeão contamina inevitavelmente toda a música sem que João Paulo consiga libertar-se do discurso excessivamente musette. A carga «folk» que ele carrega obrigaria a alguma parcimónia na sua utilização; o que não acontece nos Cine Qua Non.
Sem se revelar um grupo folk, de Jazz ou de fusão, os Cine Qua Non são um grupo incaracterístico, que malbarata com uma vaga ideia musical a prestação de quatro dos mais renomados músicos nacionais.
Tora Tora Big Band
Os Tora Tora Big Band levaram ao palco do São Luiz uma pré-apresentação do seu novo disco. Alguma da componente «étnica» que era a sua marca esvaiu-se, mas mantém-se a força e alegria que lhe conhecemos. Os seis sopros, entre os quais quatro metais, revelaram uma nova sonoridade de brass band, com algo que apela à big band de Carla Bley.
A Tora Tora sempre se evidenciou pelos arranjos e por um som de grupo muito coeso e original no panorama nacional – já referi a personalidade étnica, que lhe era oferecida, não apenas pela forte exposição das percussões, mas também pelas orquestrações que contavam com esses instrumentos, e não apenas os utilizavam como decoração folk –, e este espectáculo veio confirmar essas qualidades. Um bom grupo de solistas que pisaram o palco do São Luiz (à maneira também da banda de Carla Bley) prometem fazer ressurgir a Tora Tora na primeira linha das grandes formações nacionais. Assim seja.
Ensemble ESMAE
O grupo que, sem surpresa, arrancou o primeiro prémio para o melhor combo das escolas de música superiores 2011, regressou ao São Luiz para confirmar a razão do prémio. Repertório clássico, alguns originais, técnica de sobejo a atestar a preparação para o mundo lá fora e muita alegria.
O festival completou-se, como é hábito, com a atribuição dos prémios para os melhores músicos e grupos das escolas em competição, a anteceder a já também habitual jam session que se prolongou noite afora. Para o ano, José Luís Ferreira (Director Artístico do São Luiz), Carlos Martins (Director Artístico da Festa do Jazz) e Luís Hilário (Produtor Executivo), prometem mais. Os jovens, os estudantes, os músicos, toda a comunidade, o público, prometem voltar.
A Festa do Jazz fez dez anos. Longa vida à Festa!.
Vencedores do concurso de combos das Escolas de Jazz
Melhor Combo (Escolas Superiores):
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ESMAE
Melhor Combo (Escolas Secundárias):
-
Conservatório da Jobra
Melhor Instrumentista (Escolas Superiores):
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Francisco Brito (contrabaixo), ESML
Melhor Instrumentista (Escolas Secundárias):
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Rafael Coito (vibrafone), Conservatório da Jobra
Menções Honrosas (Escolas Secundárias):
- Laura Baptista (voz), Sítio dos Sons
- Tiago Paiva (guitarra), HCP
- Aníbal Beirão (contrabaixo), Escola de Jazz do Porto
- Frederico Furtado (bateria), JB Jazz
O Juri decidiu não atribuir Menções Honrosas aos instrumentistas das Escolas Superiores por considerar que seriam quase todos merecedores de as receber.
Sáb 31 Março | Jardim de Inverno | 14.30/ 19.00 |
Escolas de Jazz | |
Spot | 16.00/ 18.00 |
Ricardo Toscano - António Quintino | Ricardo Toscano (sa), António Quintino (ctb) |
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Teatro-Estúdio Mário Viegas | 17.00 | Filipe Raposo Trio |
Filipe Raposo (p), Carlos Bica (ctb), Carlos Miguel (bat) | |
Teatro-Estúdio Mário Viegas | 18.00 | Oscar Marcelino da Graça Trio | Oscar Marcelino da Graça (p), Demian Cabaud (ctb), Marcos Cavaleiro (bat) |
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Sala Principal | 19.00 | Elisa Rodrigues «Heart Mouth Dialogues» |
Elisa Rodrigues (voz), Júlio Resende (p), Cícero Lee (ctb), Joel Silva (bat) |
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Sala Principal | 21.30 | Carlos Bica & Azul | Frank Möbus (g), Carlos Bica (ctb), Jim Black (bat) |
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Sala Principal | 23.00 | Susana Santos Silva Quinteto «Devil’s Dress» | Susana Santos Silva (t), José Pedro Coelho (st), André Fernandes (g), Demian Cabaud (ctb), Marcos Cavaleiro (bat) |
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Jardim de Inverno | 00.30 | Quinteto do Conservatório da Jobra (2011) | Gabriel Neves (st), Bruno Ribeiro (vib), Leonardo Outeiro (g), Fábio Rocha (ctb), Gil Costa (bat) | |
Dom 1-Abr |
Jardim de Inverno | 14.30/ 19.00 |
Escolas de Jazz | |
Spot | 16.00/ 18.00 |
Mané Fernandes - Alexandre Dahmen |
Mané Fernandes (g), Alexandre Dahmen (p-el) |
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Teatro-Estúdio Mário Viegas | 17.00 | Luís Figueiredo Trio | Luís Figueiredo (p), Nelson Cascais (ctb), Bruno Pedroso (bat) | |
Teatro-Estúdio Mário Viegas | 18.00 | Cornettada | Giovanni Di Domenico (p), Hugo Antunes (ctb), João Lobo (bat) |
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Sala Principal | 19.00 | Marta Hugon «A Different Time» | Marta Hugon (voz), Filipe Melo (p), Mário Delgado (g), Nelson Cascais (ctb), André Sousa Machado (bat) + Ana Cláudia Serrão (celo), Joana Cipriano (v-arc), Ana Pereira (v), Ana Filipa Serrão (v) | |
Sala Principal | 21.30 | "Cine Qua Non" | Paula Sousa (p), João Paulo Esteves da Silva (aco), Afonso Pais (g), Mário Franco (ctb) | |
Sala Principal | 23.00 | Tora Tora Big Band | Cláudio Silva (t), Johannes Krieger (t, flis), Desidério Lázaro (s), João Capinha (s), Lars Arens (trb), Luís Cunha (trb, euf), Dan Hewson (tec), Francesco Valente (b-el), João Rijo (bat), Sebastien Scheriff (per) + Mariana Norton (voz) | |
Jardim de Inverno | 01.00 | Ensemble ESMAE (2011) | Javi Pereiro (t), Andreia Santos (trb), Andreu Juanola (vib), Felipe Villar (g), Pablo Reyes (p), Manuel Brito (ctb), Filipe Monteiro (bat) |
ESCOLAS DE MÚSICA | |
Sáb
31 Março 15h10 -
Escola de Jazz Luiz Villas-Boas / HCP (Lisboa) 15h50 -
Escola de Jazz do Barreiro 16h30 -
Escola de Artes de Sines 17h10 -
Escola JB Jazz Club (Lisboa) 17h50 -
Riff Escola de Música Aveiro 18h30 -
Escola de Jazz do Porto
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Dom 1 Abril 15h10 -
Sítio dos Sons (Coimbra) 15h50 -
Conservatório de Música da Jobra (Branca, Albergaria-A-Velha) 16h30 -
ESML - Escola Superior de Música de Lisboa 17h10 -
UE - Universidade de Évora 17h50 -
ESMAE - Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo (Porto) 18h30 -
ULL - Universidade Lusíada de Lisboa |
Júri de Avaliação dos Combos e Instrumentistas das Escolas
de Música |
Direcção Artística: Carlos Martins
Produção Executiva: Luís Hilário
Director Artístico do São Luiz: José Luís Ferreira