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Guimarães Jazz 2011

Na véspera do Guimarães Capital Europeia da Cultura cumpriu-se o XX Guimarães Jazz. Vinte anos passados o Guimarães pode gabar-se de se ter estabelecido como o mais importante dos festivais de Jazz nacionais, com um modelo que ultrapassa em muito a simples sucessão de concertos. Sobre o modelo do festival tive já oportunidade de falar na apresentação da edição 2011, e dispenso-me de me repetir, referindo apenas o concerto final resultante das workshops como um dos mais bem sucedidos de sempre. Para estes jovens, esta terá sido uma experiência ímpar. No que aos concertos respeita, a programação do festival é reveladora da sua ambição e seriedade, combinando os nomes mais mainstream com nomes e projectos mais modernos. A edição 2011, do que foi possível observar por estes olhos e ouvidos (na segunda semana, a que assisti), teve resultados desiguais, mais em função das expectativas geradas que da música, que teve sempre um nível elevado.

Ralph Alessi

Ralph Alessi and This Against That
O primeiro concerto da segunda semana, de Ralph Alessi and This Against That, confirmou o que sobre ele escrevi como a surpresa do festival. Jazz moderno bem embutido na tradição, interrogador e explorador. Depois da abertura com “Affected Images”, um tema algo enigmático que me sugeriu a figura de Steve Lehman na exploração tímbrica, seguiu-se um ornettiano “Cowboy” em vários «andamentos» e “Hands” com uma introdução do mais sólido músico em palco, Drew Gress. Peças onde a composição assume grande valor, com andamentos e movimento por vezes algo operático, bastante longe do padrão AABA tradicional, mas que antes se desenvolvem como narrativas. O abstraccionismo do tema de abertura (creio que) “Wiry Strong”, alterna com a fórmula e o lirismo quase canção de “Good Boy” ou “Hands”. “Medieval Genius” – o encore - com um arranque parkeriano encerrou o concerto. Banda muito segura, com Tony Malaby por vezes um tanto excessivo a desequilibrar o todo, compensado por um Drew Gress em estado de graça e o incisivo Alessi na eficaz liderança.

McCoy Tyner + Jose James and Chris Potter (A Contemporary Exploration of John Coltrane & Johhny Hartman)
Esgotado desde há vários dias, o concerto de Tyner tinha gerado grandes expectativas, até pelo aliciante de se propor revisitar um dos mais míticos discos de John Coltrane, e o único em que acompanha um cantor (enquanto líder). Falo obviamente de John Coltrane and Johnny Hartman de 1963, que tinha McCoy Tyner como pianista. Para além de Tyner, em destaque estava o nome de Jose James, um cantor soul que já passou por Portugal e que fez recentemente um álbum com Jef Neve, e ainda Chris Potter na emulação de Trane. Rodeava o concerto ainda, uma interrogação devida pela conhecida saúde débil do pianista.

McCoy Tyner

Sim e não. Tyner revelou-se até bastante bem, desmentindo a figura trôpega que se sentou ao piano. Anguloso e percussivo, fazendo jus à fama que o acompanha, Tyner arrancou, ainda em quarteto sem voz, num hard-bop veloz, “Fly with the Wind”, seguido de uma balada dedicada à mulher, “Ballad for Aisha”, e “Walk Spirit, Talk Spirit”, também original do pianista, em tempo médio. Jose James entra então, seguindo-se a um solo de piano, com “Autumn Serenade”, do repertório Hartman/ Coltrane, a que se seguiu “Dedicated to You”, “You Are Too Beautiful” e “Falling in Love”. O quarteto regressaria para evocar Duke Ellington – “In a Mellow Tone” -, mas Jose James ainda voltou ao palco para o encore “Blues on The Corner”, como público a aplaudir de pé. A voz de Jose James colocou-me algumas reservas, mesmo se esteve bem. Mas faltou-lhe maturidade, que lhe retirou recorte e personalidade nos barítonos. Jose James revelou potencialidade, mas este não era claramente o seu repertório. Melhor esteve Chris Potter, fluido e lírico, sem qualquer preocupação de copiar Coltrane, a confirmar o seu estatuto de gigante do saxofone. Secção rítmica eficaz com McCoy Tyner a desmentir os piores prognósticos.

Henry Threadgill Zooid

Henry Threadgill

Levar Henry Threadgill a Guimarães envolvia à partida um risco considerável, dada a sua conotação com o free-jazz. Mas Theadgill é um dos poucos compositores saídos do free, mas é realmente um músico consistente, com uma concepção de free que pouco tem a ver com as divagações espúrias dos «livre improvisadores» tão na moda. Saxofonista e flautista influente (na sua descendência destaca-se Steve Coleman), ele possui um percurso realmente singular enquanto compositor e líder. Membro do AACM, ele tornou-se conhecido como líder e mentor dos Air e, ao longo dos anos, do Henry Threadgill Sextett, do Very Very Circus, ou do Zooid com que se apresentou no Vila Flor. A sua marca foi desde sempre as originais combinações instrumentais, que em Guimarães incluíram um saxofone alto, flauta e flauta baixo – por ele mesmo -, a guitarra acústica de Liberty Ellman, o cello de Christopher Hoffman, Jose Davila em trombone e tuba, Stomu Takeishi em contrabaixo e guitarra-baixo acústica e Elliot Humberto Kavee na bateria.
As invulgares combinações tímbricas aproximam Threadgill da música erudita, mas possuem uma pulsão rítmica claramente Jazz, ao mesmo tempo que incorpora na sua música elementos próprios de outras correntes musicais (a que não será alheia a sua passagem por bandas de gospel e rock ou os seus estudos na música clássica). Recuperando clássicos dos Zooid em novos arranjos, determinados até por algumas alterações na formação do grupo, ou em material novo, Henry Threadgill não deixou em Guimarães os seus créditos por mãos alheias. Reinventando o swing em «To Undertake my Corners Open», enigmático e braxtonino em «So Pleased No One», perto do rock em «Not the White Flag», como um grupo de câmara em «Tomorrow Sunny», Threadgill percorreu múltiplas dimensões retirando dos seus músicos à maneira de Ellington, confirmando-se como um dos mais interessantes compositores contemporâneos. A acompanhá-lo teve músicos de grande calibre, capazes de interpretar com rigor absoluto as exigentes pautas de Threadgill, bastante mais do que o vulgar tema-solo-tema, mas verdadeiras histórias, plenas de movimento e colorido; mas igualmente capazes de solar com destreza. Em destaque o próprio Threadgill em saxofone e flauta-baixo e o original Liberty Ellman em guitarra acústica. Este foi inequivocamente um dos grandes concertos do ano e o melhor desta XX edição do Guimarães Jazz.

Big Band da ESMAE

Big Band da ESMAE + Ralph Alessi Group
O projecto que desde há anos o Guimarães Jazz vem acalentando de oferecer à Big Band da ESMAE a oportunidade de ser orientada e dirigida por músicos com um repertório e experiência próprios, vem-se revelando uma aposta cada vez mais interessante, para além de ser uma mais-valia única na experiência destes jovens músicos. O concerto resultante das duas semanas de workshop orientadas este ano pela banda de Ralph Alessi fez o melhor concerto de sempre, atestando o cada vez mais elevado nível da orquestra, mas também da música destes This Against That; cada um e todos, já que cada um dos músicos, Alessi , Malaby, Andy Milne, Gress e Mark Ferber orientaram classes de instrumentos diferentes, como deve ser, para além de ensaiarem um reportório comum. Três dos temas pertenceram a Drew Gress, que também dirigiu a orquestra em quase todos os temas, remetendo-se Alessi para um recatado lugar de trompetista. Música moderna, composições de escrita de grande exigência, com combinações de instrumentos inusuais, solicitando dos músicos solos e intervenções que mergulhavam ocasionalmente na atonalidade, claramente para além do que é comummente exigido a uma orquestra de Jazz. Já atrás referi a atipicidade da banda de Alessi, no repertório, nos universos que explora, e na experimentação que nada tem de gratuito. Todo esse cosmos de experimentação foi transportado para a orquestra da ESMAE que a ele correspondeu integralmente.

Wiliam Parker «Essence of Ellington»

William Parker «Essence of Ellington»
O decateto de William Parker veio a Guimarães, substituindo o inicialmente anunciado Martial Solal Dodecaband, cancelado por motivos imprevistos. Apresentado como «essência de Ellington», o derradeiro concerto do Guimarães Jazz foi defraudante. Não esteve em causa o nível da música apresentada ou o valor dos executantes, mas tão só a evocação de Ellington, que nunca esteve presente. Não se esperava, ou não seria necessário, trazer para o palco o reportório clássico de Duke Ellington, mesmo se ele é provavelmente o maior compositor da história do Jazz. Mas há alguns elementos que fazem parte do âmago da música de Ellington que não podem ser dispensados. Eles são uma concepção única de organização, de reunião de elementos, de arquitectura sonora, que não tem nada a ver com o que Parker apresentou em Guimarães. O que se passou em Guimarães foram algumas linhas ténues de composição, basicamente enunciadas pelo trio de piano-contrabaixo-bateria, seguidas de um desfilar de solos que se desenrolou ao longo dos setenta minutos da primeira peça (aliás três peças tocadas sem corte) e mais dos quinze minutos do segundo tema (dedicado a Ben Webster). O Wiliam Parker do free-jazz que esteve presente em Guimarães está nos antípodas de Ellington, e foi lamentável. Valeu ainda assim o bom nível dos solistas.

JazzLogical esteve em Guimarães a convite do Guimarães Jazz

Fotos by João Peixoto

Qui 10-Nov
Guimarães
Centro Cultural Vila Flor
22.00
Guimarães Jazz
Roy Haynes «Fountain of Youth» Band

Roy Haynes (bat), David Wong (ctb), Martin Bejerano (p), Jaleel Shaw (sa)

Sex 11-Nov
22.00
Steve Swallow Quintet

Steve Swallow (b-el), Carla Bley (or), Chris Cheek (st), Steve Cardenas (g), Jorge Rossy (bat)

Sáb 12-Nov
22.00
Cedar Walton Trio
Cedar Walton (p), David Williams (ctb), Willie Jones III (bat)
Dom 13-Nov
22.00
TOAP

Akiko Pavolka (voz, f-r), Nate Radley (g), Oscar Graça (p), Bernardo Moreira (ctb), Jochen Rueckert (bat)

Qua 16-Nov
Guimarães
Centro Cultural Vila Flor
22.00
Guimarães Jazz
Ralph Alessi and This Against That

Ralph Alessi (t), Tony Malaby (st), Andy Milne (p), Drew Gress (ctb), Mark Ferber (bat)

Qui 17-Nov
22.00
McCoy Tyner + Jose James and Chris Potter (A Contemporary Exploration of John Coltrane & Johhny Hartman)

McCoy Tyner (p), Jose James (voz), Chris Potter (s), Joe Farnsworth (bat), Gerald Cannon (ctb)

Sex 18-Nov
22.00
Henry Threadgill & Zooid

Henry Threadgill (sa, f), Christopher Hoffman (celo), Jose Davila (trb, tu), Liberty Ellman (g), Stomu Takeishi (ctb), Elliot Kavee (bat)

Sáb 19-Nov
18.00
Ralph Alessi + Big Band ESMAE


22.00
William Parker «Essence of Ellington»

William Parker (ctb), Rob Brown (sa), Darius Jones (sa), Sabir Mateen (cl, st), Darryl Foster (st, ss), Steve Swell (trb), Roy Campbell (t), Dave Sewelson (sb), Dave Burrell (p), John Betsch (bat)

 

2011 (antevisão)

Não é demais repetir: o Guimarães Jazz é desde há muito o mais importante festival de Jazz nacional. As razões dividem-se entre a dimensão – duas semanas, nove concertos, e jam sessions diárias ao longo do festival espalhadas em várias salas da cidade -, uma escola de Jazz que resulta num concerto final, uma sala com qualidade sonora e dignidade, e uma programação que combina critério e conhecimento, mas também algum gosto pelo risco. Tudo isto suportado pela Câmara de Guimarães num um apoio sem equivalente em Portugal, e que se espelha na propaganda e informação gráfica de alta qualidade e elegância plástica. O resultado é também o festival de Jazz mais participado, com salas quase sempre cheias, a fazer inveja às salas de Lisboa ou Porto.
À margem do festival haverá este ano várias conferências, a habitual feira do livro, e ainda o lançamento do livro comemorativo dos 20 anos do Guimarães Jazz, que formalmente dará início ao festival, terça 8.

No que à música para 2011 respeita, denota-se uma inflexão na programação já referida no ano passado, no sentido de incluir algum Jazz mais moderno e menos mainstream na programação, a par dos grandes nomes do Jazz e de projectos evocadores dos clássicos, não esquecendo o Jazz made in Portugal. A programação deste ano reflecte exemplarmente este equilíbrio.

. O primeiro concerto acontecerá apenas na quinta (10) com o quarteto de Roy Haynes, um dos mais influentes bateristas da História do Jazz, um inovador e um mestre, que levará ao palco do Vila Flor, muito significativamente, um grupo de jovens em ascensão - o Fountain of Youth Band -, onde há a destacar o saxofonista Jaleel Shaw que curiosamente tocou neste mesmo palco em 2009 integrando o grupo de George Colligan.

. Sexta (11) sobe ao palco o baixista Steve Swallow, um virtuoso do seu instrumento, reconhecido tanto pelos seus grupos, como pela participação nos grupos de Carla Bley. Carla Bley que regressa a Guimarães como membro do grupo de notáveis que constituem o The Swallow Quintet: Swallow, Bley, o fantástico Chris Cheek, uma das mais originais vozes do saxofone contemporâneo, outro original na guitarra: Steve Cardenas, e ainda o irrequieto Jorge Rossy na bateria.

. O concerto de sábado (12) leva a Guimarães outro histórico, o pianista Cedar Walton. Do cimo dos seus 77 anos de idade o veterano mestre do hard-bop e companheiro de Art Blakey por muitos anos, traz consigo o insuperável modelo da arte do trio.

. A primeira semana do festival completa-se com o projecto que resulta da colaboração do Guimarães Jazz com a editora Tone Of A Pitch, que já vai na sua sexta edição e que, à semelhança dos anos anteriores deverá resultar num CD a editar no próximo Guimarães Jazz.
A edição deste ano consagrará o encontro de dois músicos portugueses, Óscar Graça e Bernardo Moreira, com três representantes do Jazz nova-iorquino, Akiko Pavolka, Nate Radley e Jochen Rueckert. Domingo 13.

. Esta primeira semana ainda, de quinta a sábado, no Café Concerto do Centro Cultural Vila Flor, as jam sessions alimentadas pela banda que orienta as workshops (Ralph Alessi...) começam às 24.00, depois dos concertos da noite.

Para além do lançamento do livro comemorativo dos 20 anos do festival (8, Fórum FNAC Guimarães, 21.30), o Guimarães Jazz organiza esta semana também sessões de debate a propósito de edições discográficas (8, Fórum FNAC Guimarães, 21.30), e «À conversa com o Jazz» com Carlos Azevedo (9, Café Concerto do Vila Flor, 14.30).

. A segunda semana do Guimarães Jazz abre (quarta 16) com o concerto do grupo que alimenta as workshops e as jam sessions ao longo do festival - o Ralph Alessi and This Against That - e que serão um bom exemplo da combinação feliz entre a modernidade e tradição, servida por um grupo de jovens músicos virtuosos. Esta será muito provavelmente a grande surpresa do festival.

. Quinta feira regressam os grandes nomes com o pianista de John Coltrane, McCoy Tyner, num projecto evocador do célebre encontro de Trane com o cantor Johnny Hartman, numa abordagem contemporânea que tem como protagonistas, na voz, Jose James e no saxofone, Chris Potter. McCoy Tyner + Jose James and Chris Potter (A Contemporary Exploration of John Coltrane & Johhny Hartman) de nome.

. Zooid é o nome do sexteto liderado pelo compositor e saxofonista Henry Threadgill, responsável pela noite de sexta-feira. Um dos raros compositores do free-jazz nos anos 70, Threadgill permanece um genuíno espírito criativo, capaz de combinar o bebop, a música contemporânea ou a pop. Membro da AACM, ele é considerado uma das figuras inspiradoras do movimento M-Base. Com o grupo de Alessi (e eventualmente William Parker), Threadgill deverá ser responsável pela modernidade no Guimarães Jazz 2011.

. O último dia do festival terá dois concertos. O primeiro, ao fim da tarde, com a Big Band da ESMAE dirigida por Ralph Alessi revelará os resultados das workshops de duas semanas. O concerto de encerramento do Guimarães Jazz 2011 terá como líder o contrabaixista William Parker que apresentará um projecto estreado este ano e nunca gravado, inspirado em Duke Ellington: William Parker «Essence of Ellington». Parker é conhecido pelas suas posições políticas radicais e não por acaso ele é comummente associado a Charlie Mingus. Enquanto contrabaixista ou como compositor, ele possui um percurso ecléctico que o fez acompanhar músicos de free-jazz ou trabalhar sobre a música do cantor soul Curtis Mayfield. Sobre Duke Ellington, o contrabaixista reconhece como a sua primeira grande influência no Jazz, desde muito jovem. No palco do Centro Cultural Vila Flor irão estar dez músicos (cinco saxofones, trompete, trombone e secção rítmica) que irão explorar a «essência de Ellington». E que melhor celebração que a música de Duke Ellington para encerrar o Guimarães Jazz?

Nota marginal é o fim (?) da colaboração entre o Guimarães Jazz e a Culturgest. Durante vários anos esta colaboração concretizou-se no apoio da Culturgest à realização das workshops, levando a orquestra resultante a Lisboa. Nos últimos anos a colaboração passou apenas por levar um dos concertos do festiva
l à capital. Lamentável o fim da colaboração, que oferecia sistematicamente à capital alguns dos melhores concertos do ano, como foi o concerto do ano passado do Saxophone Summit.