Home

 

Jazz im Goethe-Garten


2015

 

O Jazz im Goethe-Garten (JIGG) não é um festival de Jazz. Apesar do nome, as preocupações do programador centram-se mais no «europeísmo» dos músicos e um descomprometimento com classificações, além de uma certa irreverência e suposta modernidade das propostas.
Posto isto, eu já assisti a bons concertos no Goethe Garten, e também a alguns bons concertos de Jazz. Mas mesmo dando de barato a possibilidade de lhe assistir uma concepção de Jazz mais alargada, muitos dos músicos programados não se reconhecem a si mesmos como músicos de Jazz, e infelizmente muitas das propostas não contém um mínimo de qualidade que os autorizem a participar num festival com a dignidade (que eu considero) que o Goethe Institut merece, sendo igualmente questionável a modernidade de algumas propostas. O Jazz im Goethe Garten prima pois, também, pela irregularidade.

Uma programação deste tipo coloca dificuldades acrescidas à crítica de Jazz, autorizando com legitimidade a desistência pura e simples ou, em alternativa, uma crítica que tenha em conta os próprios objectivos dos músicos e das suas propostas. Tenho optado, com algum cuidado e, digo eu, generosidade, por esta última posição. Não assisti a todos os concertos do JIGG 2015.

Radio String Quartet Vienna
Com uma origem e formação clássicas, o Radio String Quartet Vienna (RSQV) exprimem-se em vários estilos inspirando-se em repertórios diversos, de acordo com a programação, mas eu apenas lhe conhecia a colaboração com Michael Mantler no Jazz Composer’s Orchestra Update de 2014.
O projecto apresentado no Goethe-Garten inspirou-se na música de Joe Zawinul, músico fundador dos Weather Report, lendário grupo de fusão inspirado na música de Miles Davis. No ano anterior, 1970, o vienense tinha entrado na História ao lado de Miles Davis em In a Silent Way e Bitches Brew.
Sem quaisquer observações quanto à execução, o projecto revelou o desajustamento entre os objectivos e a concretização. Improvisadores académicos, não foram capazes de trazer para o Goethe-Garten a alegria da música de Joe Zawinul, e eu diria que é tão fácil ... para um músico de Jazz...
Entre originais e composições de Zawinul, o concerto ficou-se muito pela vontade, com alguns momentos mais interessantes. Mas a versão de «Black Market», um hit dos Weather Report, tocada até à exaustão, foi confrangedora.

Andreas Schaerer – Lucas Niggli Arcanum
Voz e bateria, o duo dos suiços Andreas Schaerer e Lucas Niggli Arcanum resultaram num enorme bocejo. Uma voz incaracterística ligada a electrónica que a transformava, «improvisando» sobre um ritmo produzido por uma bateria pouco criativa, nunca foram capazes de produzir alguma novidade (que era supostamente o seu objectivo), revelando mesmo uma incipiência confrangedora no domínio dos instrumentos.
Pretencioso e lamentável.

Agustí Fernandez
Antes de mergulhar no piano por uns longos trinta minutos, Agustí Fernandez explicou ao público que a sua música partia de duas premissas: a inspiração em John Cage e Cecil Taylor e a verdade da música tocada no momento.
Tinha ouvido recentemente Agustí Fernandez noutros contextos e o que ele tocou não deixou de me surpreender: durante largos minutos Fernandez trabalhou o interior do piano, percutindo as cordas ou os martelos, ou fazendo rolar objectos que produziam sons aleatoriamente. Fora do Jazz, portanto, mais John Cage que Cecil Taylor, o aleatório feito discurso, sugerindo-me que o que Fernandez fazia podia ser feito podia de igual forma ser feito por qualquer das crianças que corriam entre as mesas do jardim. Era a verdade de Duchamp outra vez: a arte era arte apenas porque o artista dizia que era e o curador tinha exposto o urinol no museu. Discussão velha, os ocasionais sons de piano que me chegavam propiciavam elucubrações teóricas estéreis. Enfim, com o sol do fim de tarde a intrometer-se entre as folhas das árvores e a excelente cerveja de trigo, o jardim foi-se apossando da música: à minha frente quatro jovens conversavam animadamente (duas delas de costas para o palco durante toda a hora e meia do concerto), enquanto à minha esquerda dois casais tentavam sem grande sucesso aquietar dois bebés de dias. Os pássaros pipiavam sobrepondo-se ao som do piano e os empregados do café do Goethe Garten percorriam as mesas transportando cerveja, salsichas e salada de batata e faziam tilintar moedas enquanto outros assistentes sussurravam recados, lá longe um carro apitava e um outro respondia zangado, um abelhão zumbia como um helicóptero de Cage. Claramente eu não estava a perceber nada, mas talvez que todo o fim de tarde fizesse parte da música de Agustí Fernandez. E a discussão Jazz não Jazz não tinha importância nenhuma. E afinal, porque é que o pianista não podia tocar Cage se muitos tocam Charlie Parker ou Beethoven e outros compõem música barroca ou canto gregoriano? Mas enfim, quanto à modernidade, estávamos conversados: Cage elaborou as suas premissas nos anos 50 (do século passado), e Cecil Taylor foi um dos percursores do piano free-jazz nos anos 60...
Ao fim de meia hora, talvez, Agusti Fernandez decidiu-se a tocar piano, ou melhor, nas 88 teclas do piano (ocasionalmente regressando ao seu interior), numa «improvisação livre» - onde talvez fosse possível ocasionalmente reconhecer Cecil Taylor ou Paul Bley - sem história. Sem tema nem objecto, o pianista deambulou pela tarde, aqui e ali intrometendo-se na minha (excelente) cerveja turva.
Gorando as minhas expectativas, aquém do que lhe tenho ouvido recentemente - ou supunha ter ouvido-, claramente Agustí Fernandez não tinha muito para dizer.

No Metal in This Battle
O quarteto luxemburguês não trouxe as máscaras de animais «com que gosta de actuar», e essa foi apenas a desilusão menor da tarde. Apresentado como um quarteto que se afirma no território post-rock com espírito Jazz (das notas do programa), os No Metal in This Battle revelaram-se uma mera banda de garagem. E se o espírito do Jazz esteve sempre ausente, a verdade é que nem como banda rock convenceu.

Twinscapes
De Itália vinham os Twinscapes, dois baixos eléctricos (e «efeitos») e uma bateria. A originalidade residia na formação, mas em boa verdade nada resultou de verdadeiramente original, ainda que denotando um nível de execução superior ao concerto do dia anterior. Os Twinscapes foram apenas uma banda de rock minimalista, um pouco de funky, um pouco de Bill Laswell, e tal foi suficiente para animar uma plateia pouco exigente. Pouca consistência nalgumas ideias dispersas.

Kuu
O último concerto do Jazz im Goethe-Garten 2015 - projecto híbrido pop-rock-jazz, de duas guitarras complementando-se, uma bateria proto-punk e uma voz magnífica, salvou o festival (pelo menos dos concertos a que assisti). O instrumentista menos interessante foi claramente o baterista, sem qualquer subtileza, fazendo-se valer-se da força e numa insistência nas peles para construir o fundo rítmico do projecto (rock), e colmatar a ausência do baixo (para o que um ou outro guitarrista ocasionalmente contribui também).
Se uma das guitarras era Frank Möbus, na outra estava Kalle Kalima (curiosamente ambos tocaram, ou tocam regularmente - no caso de Möbus – com Carlos Bica), desafiando a voz de Jelena Kuljic, a sérvia que tanto lembrava Nina Hagen quanto Nico, na densidade, no dramatismo, na versatilidade e na amplitude, na agressividade e no veludo, subindo e descendo escalas ou alterando o timbre sem esforço. Jelena Kuljic brinca com as palavras (em alemão ou inglês) com o humor e a sapiência de uma grande cantora, da forma como apenas as grandes cantoras são capazes, como um instrumento que diz coisas, suportada pela bonomia criativa da guitarra de Möbus e a generosidade de Kalima.
Alguma incipiência ditada pela juventude dos Kuu, aqui e ali concessões à pop e uma base rítmica pobre foram os pontos fracos de um projecto que, sem dificuldade, fez o melhor concerto do Jazz im Goethe-Garten 2015.

 

 

Qua 1 Jul Lisboa Jardim do Goethe-Institut 19.00 Jazz im Goethe-Garten Albatre Gonçalo Almeida (ctb, b-el), Hugo Costa (sa), Philipp Ernsting (bat)
Qui 2 Lisboa Jardim do Goethe-Institut 19.00 Jazz im Goethe-Garten Jean Louis Joachim Florent (ctb), Francesco Pastacaldi (bat), Aymeric Avice (t, flis)
Ter 7 Lisboa Jardim do Goethe-Institut 19.00 Jazz im Goethe-Garten Radio.String.Quartet.Vienna Bernie Mallinger (violino) Igmar Jenner (violino) Cynthia Liao (viola) Asja Valcic (violoncelo)
Qua 8 Lisboa Jardim do Goethe-Institut 19.00 Jazz im Goethe-Garten Andreas Schaerer e Lucas Niggli - Arcanum Andreas Schaerer (voz, elec), Lucas Niggli (bat, per), Martin Ruch (som)
Qui 9 Lisboa Jardim do Goethe-Institut 19.00 Jazz im Goethe-Garten Agustí Fernández Agustí Fernández (p)
Sex 10 Lisboa Jardim do Goethe-Institut 19.00 Jazz im Goethe-Garten No Metal In This Battle Pierre Bianchi (g-el, tec), Laurent Panunzi (b-el), Marius Remackel (g-el, sin), Gianni Trono (bat)
Ter 14 Lisboa Jardim do Goethe-Institut 19.00 Jazz im Goethe-Garten Twinscapes Lorenzo Feliciati (b-eléctrico), Colin Edwin (b-el), Roberto Gualdi (bat)
Qui 16 Lisboa Jardim do Goethe-Institut 19.00 Jazz im Goethe-Garten Kuu Jelena Kuljic (voz), Kalle Kalima (g-el), Frank Möbus (g-el), Christian Lillinger (bat)