Jazz em Agosto
2009
Ao contrário do conceito de 2008 que parecia olhar o passado, o Jazz
em Agosto 2009 escolheu como tema «Ícones e Inovadores».
Para a categoria encontrou alguns representantes de outros tempos, mas também
alguns jovens.
Anunciado como um dos mais inovadores projectos do festival, o George
Lewis Sequel demonstrou-se absolutamente falhado. Houve
um tempo, há muitos
anos em New Orleans, em que a música se tornou realmente democrática:
toda ou quase toda a gente sabia tocar. O Jazz nasceu daí, na rua,
também como expressão democrática. O que George Lewis
levou à Gulbenkian foi a antecipação futurista de uma
outra possibilidade de democracia: a de quando todos tocarem sem ninguém
saber como. Como era previsível pelo excesso de computadores, o concerto
de George Lewis revelou-se completamente aborrecido. A rapariga do gira-discos
que andou sempre perdida era especialmente irritante e nem os raros assomos
do trombone de Lewis se mostraram minimamente interessantes. Alguém
anda a ver demasiada sf gore (E talvez até que como banda sonora o «concerto» funcione.
Talvez mesmo acrescentando alguns aviões...).
O tarde do segundo dia apresentou um arrojado projecto denominado Rough
Americana que integrava dois músicos em gira-discos, gravador magnético,
efeitos e guitarra preparada. Mas um tipo deitado no chão a tocar
guitarra preparada e uma jovem radical a manipular gira-discos não
faz o meu género musical. Pedante e inútil.
O primeiro momento interessante do Jazz em Agosto foi protagonizado pela
Nublu Orchestra de Lawrence
Butch Morris. O colectivo é impulsionado
a partir de um código de uma trintena de signos numa recriação
original dos head arrangement de Duke Ellington. As peças baseiam-se
em formas pré-concebidas que vão
sendo moldadas a belprazer do maestro, deixando muito pouco espaço à criatividade
individual. Curioso.
Como eu tinha alertado na crítica a Spirit Moves, quem esperava por
uma música do tipo Dirty Dozen no concerto do Dave Douglas
Brass Ecstasy deverá ter ficado defraudado. O trompetista nunca aposta no mais fácil,
e apesar de nos últimos temas ele se aproximar um pouco da música
mais desbragada de Lester Bowie. O repertório de Spirit Moves são
histórias, ou paisagens. Actores são evocados tornando-se protagonistas;
introduzindo ambientes e lugares, como se de cinema se tratasse por vezes.
Pedaços da história do Jazz confluem em peças de Nino
Rota; entra Lester Bowie, Fats Waller ou o trompete de Enrico Rava.
Sobre o pano de fundo criado pela bateria rude de Nasheet Waits (quase
não
tocando nos tímbalos e com uma tarola muito aberta à maneira
de New Orleans) e a poderosa tuba (com uma dinâmica espantosa) de Marcos
Rojas, a Brass Ecstasy é uma verdadeira orquestra de movimento e cor.
Luis Bonilla será talvez o mais impulsivo e Douglas esteve magnífico
e insuperável como sempre; mas impressionou-me verdadeiramente a figura
seráfica de Vincent Chancey construindo um discurso impossível
para a trompa no solo para Rava, e um pouco por todo o concerto. Mais empáticos,
os temas Bowie e Rava ofereceram ao quinteto o aplauso unânime do público.
Sem dificuldade, o colectivo de virtuosos reunido na Brass Ecstasy realizou
o melhor concerto do Jazz em Agosto do milénio, confirmando Dave Douglas
como um dos mais prolíficos e geniais músicos da actualidade.
Peter Evans é um extraordinário trompetista, mas um concerto
solo é um risco excessivo para o jovem académico. O concerto
foi um exercício de puro exibicionismo, com o discurso completamente
submetido à técnica e não a técnica a servir
as composições ou o discurso. Como número de circo esteve
realmente impressionante, mas como exercício musical foi curto.
Ainda nessa noite os Buffalo Collision protagonizaram
alguns momentos altos, mas globalmente o concerto acusou o desequilíbrio do encontro (colisão?)
entre dois conceitos radicalmente diferentes de Jazz que são afinal
os dos The Bad Pus (mais pop, ritmado, comunicativo) e Tim Berne (mais
abstracto e dissonante). Creio que o projecto tem pernas para andar, mas
necessita
de algum trabalho.
O concerto do Peter Evans Quartet foi
realmente surpreendente para quem tinha visto o trompetista na tarde do
dia anterior: quatro jovens
músicos
realizando uma música inteiramente escrita, interpretando temas de
grande complexidade e erudição e de elevada exigência
técnica! O excessivo academismo acabou por os trair no final da noite
- revelando como de facto não eram músicos de Jazz - quando
informaram que não poderiam tocar nenhum encore porque não
tinham mais nenhuma peça ensaiada! Mas que raio de músicos
de Jazz não têm um standard na manga? Nem sequer um blues? E
uma interpretação mais marada de um Summertime? Nada mesmo?
Apesar da gaffe, este foi um dos grandes momentos do festival
e Peter Evans é realmente
um músico a seguir (mas tem que passar umas noites numa escola de
Jazz a treinar nas jam sessions com os alunos do 1.º ano).
De regresso ao Anfiteatro 2, por diversas vezes acreditei que os Propagations iam
começar a tocar, o que não veio a acontecer. Este tipo
de exercício, supostamente inspirado nos quartetos de saxofone do
Jazz, não o é realmente e tem muito pouco de original: há experiências
deste tipo na música clássica erudita e mesmo na música
pop com mais de trinta anos. Foi feito e está feito e esgotou-se há muito
tempo lá atrás.
Mais um bom concerto a encerrar o Jazz em Agosto, confirmando a edição
de 2009 como a melhor do século, e apesar da referida menoridade de
alguns episódios. A Exploding Star Orchestra possui
um som bastante original e um excelente equilíbrio para uma orquestra com uma paleta
tímbrica tão variada. A base rítmica da orquestra é luxuriante,
com dois bateristas que não se sobrepõem, uma marimba e um
vibrafone para além das percussões; mas também um contrabaixo
e um baixo eléctrico. O curioso é que nenhum dos instrumentos é despiciendo,
e os arranjos para toda esta parafernália são bastante atentos
e oportunos. Os sopros são também eles de nota com relevo para
a excelente Nicole Mitchell na flauta, mas também o acutilante Jebb
Bishop e o líder Rob Mazurek no trompete. O vocalista, que me deixou
algumas interrogações, recriava, creio, a tradição
dos poetas-declamadores negros dos anos 70 do género Amiri Baraka.
O «som» da orquestra é pois bastante rico com uma diversidade
de influências e referências bastante alargado; como disse com
uma base rítmica bastante acentuada, o que lhe dava um certo matiz
pop. Mas a longa peça que a Exploding Star tocou nunca se tornou monótona,
revelando um excelente trabalho de composição e orquestração
de Mazurek para um instrumento tão complexo.
A pecha do concerto acaba por ser a estrela convidada, o veterano Bill
Dixon,
que à evidência não está capaz de tocar. Bill
Dixon, a quem é oferecido um excessivo protagonismo, tem o trompete
ligado a uma câmara de eco, limitando-se a tirar dele um ocasional
som, sempre igual, que o eco repete. É verdade que Mazurek moldou
de forma bastante inteligente o som da orquestra para aquele som, mas não
deixa ainda assim de ser patético. Gostaria de ouvir a orquestra
sem Bill Dixon.
Mas este acabou por ser uma despedida bastante aplaudida do Jazz em Agosto
2009, por um público bastante carente de algo que o faça
mexer.
Sáb 1-Ago | Lisboa
|
Fundação
Gulbenkian - AAL
|
21.30
|
Jazz em Agosto
|
George Lewis
Sequel
|
George Lewis
(trb, lap), Jeff Parker (g-el), Siegfried Rössert (ctb, voz,
lap), Miya Masaoka (koto, lap, el), Kaffe Matthews (el), DJ Mutamassik
(gir), Ulrich Müller (g, lap), Guillermo E. Brown (bat, perc,
el)
|
Dom
2-Ago
|
Fundação
Gulbenkian - A2
|
18.30
|
Rough Americana
|
DJ Mutamassik
(gir, gra, ef), Morgan Craft (g preparada)
|
||
Fundação
Gulbenkian - AAL
|
21.30
|
Nublu
Orchestra
|
Lawrence D. «Butch» Morris
(dir), Fabio Morgera (t), Jonathon Haffner (sa), Ilhan Ersahin
(st), Ava Mendoza (g), Doug Wieselman (g, clb), Thor Madsen (g),
J.A. Deane (sam, el), Juini Booth (ctb), Michael Kiaer (b-el),
Kenny Wollesen (bat)
|
|||
Qui
6-Ago
|
Lisboa
|
Fundação
Gulbenkian - AAL
|
21.30
|
Jazz em Agosto
|
Dave
Douglas & Brass Ecstasy
|
Dave Douglas (t),
Vincent Chancey (tro), Marcus Rojas (tu), Luis Bonilla (trb), Nasheet
Waits (bat)
|
Sex 7-Ago | Fundação
Gulbenkian - A2
|
18.30
|
Peter Evans
|
Peter Evans
(t)
|
||
Fundação
Gulbenkian - AAL
|
21.30
|
Buffalo
Collision
|
Tim Berne (sa),
Ethan Iverson (p), Hank Roberts (celo), Dave King (bat)
|
|||
Sáb 8-Ago | Fundação
Gulbenkian - A2
|
18.30
|
Franziska
Baumann + Matthias Ziegler
|
Franziska Baumann
(voz, el, sensorlab), Matthias Ziegler (f, fb, fctb, loops)
|
||
Fundação
Gulbenkian - AAL
|
21.30
|
Peter Evans
Quartet
|
Peter Evans
(t, pic-t), Ricardo Gallo (p), Tom Blancarte (ctb), Kevin Shea
(bat)
|
|||
Dom
9-Ago
|
Fundação
Gulbenkian - A2
|
18.30
|
Propagations
|
Marc Baron (sa),
Bertrand Denzler (st), Jean-Luc Guionnet (sa), Stéphane
Rives (ss)
|
||
Fundação
Gulbenkian - AAL
|
21.30
|
Bill
Dixon with Exploding Star Orchestra
|
Bill Dixon (t),
Rob Mazurek (t), John Herndon (bat), Damon Locks (voz), Josh Abrams
(ctb), Jeff Parker (g-el), Nicole Mitchell (f, voz), Jebb Bishop
(trb), Jason Adasewicz (vib, carrilhão), Matt Lux (b-el),
Matt Bauder (clb, st), Mike Reeed (bat, tímpano)
|