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Jazz em Agosto

 

2010

John Surman/ Jack DeJohnette
Começou bem o Jazz em Agosto 2010, com o encontro de dois veteranos, Jack DeJohnette e John Surman. Mas eles não são apenas dois veteranos expoentes maiores dos seus instrumentos, mas também velhos amigos que se reencontram para tocar temas de há décadas. A cumplicidade foi notória e se do concerto esteve apartada qualquer veleidade de fazer vanguarda, a alegria de tocar transmitiu-se ao público.

Steamboat Switzerland
Quando em 1969 Robert Fripp apresentou Twenty First Century Schizoid Man, não estava provavelmente consciente do quanto premonitório estava a ser. O tema pouco tinha de musical; a sua importância era exclusivamente político-social; e Fripp, que é um bom músico, não repetiria a graça. Não pode deixar de ser estranho que alguém se proponha, 40 anos depois, a fazer música baseada no mesmo esquema noise-minimalista-apocalíptico e se creia a fazer vanguarda: a música dos Steamboat Switzerland possui a exuberância rítmica, harmónica e melódica da sala de máquinas de um vapor onde explicitamente se inspira, o que parece ser feito sem qualquer ironia. Não deixa de ser curioso que, pelo simples facto de a formação incluir um Hammond B3, eles se considerem discípulos de Jimmy Smith. Penoso.

Open Speech Trio
Carlos Bechegas é um histórico do free-jazz nacional que se especializou num instrumento difícil: a flauta. A força do free foi-se esvaindo com o tempo e Bechegas, como muitos outros músicos nascidos nesse período, evoluiu para o que é hoje denominado erroneamente de música improvisada. E no desprezo pela escrita – eventualmente numa procura sincera de uma música sem mácula (que seria a improvisação total) -, muitos desses músicos não se apercebe do logro em que caem, repetindo over & over os mesmos esquemas e truques que o cérebro lhe impõe. Algum esboço de composição e uma formação experimentalista não ajudaram a ultrapassar a insipiência do projecto.

Guus Janssen, Han Bennink
Nome maior do free-jazz europeu, Han Bennink tornou-se conhecido por ter acompanhado nos anos 60 Dexter Gordon e Eric Dolphy, com quem gravou. O seu percurso europeu posterior incluiu outras glórias do Jazz erudito como Misha Mengelberg, Willem Breuker, Peter Broetzmann, Steve Lacy, Ernst Reijseger ou Alexander von Schlippenbach entre inúmeros outros. Ele é considerado uma referência incontornável da bateria e da percussão aquém-atlântico. Mas, excessivo e provocador, Han Bennink tende a repetir algumas fórmulas onde a componente espectáculo propende a ganhar cada vez mais espaço, afirmando-se na contestação da bateria de Kenny Clarke ou Art Blakey mais do que pela construção de um discurso. A repetição das mesmas piadas do tipo atirar-se para o chão e tocar com os sapatos, anos a fio, tende a perder a graça.
Bennink apresentou-se em palco com o pianista Guus Janssen, para tocar Groet, álbum de 2005, mas a exuberância do baterista apagou bastante da participação de Janssen.

Evan Parker Electro-Acoustic Ensemble
Evan Parker é uma das figuras mais singulares da música erudita europeia. Improvisador de excepção, tende no entanto a submeter a arquitectura composicional ao discurso específico do seu instrumento e da técnica invulgar que desenvolveu. Tendo sido considerado um dos nomes maiores do saxofone free-jazz europeu, ele afastou-se decisivamente do Jazz nas últimas décadas, sendo de particular relevância o Electro-Acoustic Ensemble com que se apresentou no Jazz em Agosto. Convidado de honra do festival do festival em 2006, dedicado à memória de John Coltrane, Evan Parker declarou-se honrado com o convite, estranhando ao mesmo tempo ter sido convidado por um festival de Jazz; ele que não se considerava a si mesmo músico de Jazz.
O Electro-Acoustic Ensemble é um ensamble de dezassete músicos onde pontua a jovem star da improvisação livre Peter Evans, e que inclui também um ecran gigante preenchido durante todo o concerto por ruído semelhante à chuva de um televisor dessintonizado.
O Electro-Acoustic Ensemble combina uma forte componente escrita com o que se chama agora de «improvisação livre», e que é afinal uma das suas debilidades maiores, residente na incapacidade recorrente de construir solos consistentes e autónomos da técnica e do virtuosismo técnico. A música do Electro-Acoustic Ensemble é fria e o ecran de ruído apenas acentua (esclarece) a total ausência de emoção que persegue.

Louis Sclavis «Lost On The Way»
Louis Sclavis é um improvisador feroz e um criador heterodoxo e fértil . Este foi no entanto o menos interessante de todos os concertos a que dele assisti desde sempre, em grande medida pela banda menor que o acompanhou, mas também pelo que é um dos seus discos menos desinspirados: Lost On The Way.

Red Trio
O Red Trio, formação dirigida por Hernâni Faustino, inspira-se directamente no free-jazz mais duro dos anos 70, perseguindo um vácuo harmónico e melódico que a espaços é conseguido. A energia e convicção estética do contrabaixista não foram no entanto suficientes para libertar o trio - prisioneiro da sua própria «liberdade» conceptual - quando se impunha um esforço (e saber) de composição.

Circulasione Totale Orchestra
Creio que poderemos situar a Circulasione Totale Orchestra algures entre as grandes formações europeias de Don Cherry e a a Arkestra de Sun Ra. Com tão elevados parâmetros este acabou por ser uma das boas surpresas do festival, mesmo se as propostas que apresentou não possam ser consideradas propriamente inovadoras. Mas nem só de vanguarda se fazem as coisas interessantes e a CTO foi capaz de fazer um bom concerto com uma música que possui uma forte componente rítmica (duas baterias, dois baixos, percussão, vibrafone, tuba) a suportar um generoso grupo de sopros, guitarra e electrónicas. Peças longas e sinuosas, onde a improvisação combina quase sempre de forma assertiva com a escrita, e um ar de modernidade gerado pelas electrónicas arrebataram o público.

 

O festival incluiu ainda dois documentários, sobre o baterista holandês Han Bennink, e um outro a que não assisti, sobre Albert Mangelsdorff, ícone do trombone desaparecido em 2005 e que chegou a tocar na Gulbenkian, e ainda uma conferência dirigida pelo crítico e divulgador Francesco Martinelli sob o tema «Jazz Europeu e Jazz Americano: um diálogo não interrompido».

Sex 6-Ago
Lisboa
Fundação Gulbenkian - Anf. Ar Livre
21.30
John Surman/ Jack DeJohnette
John Surman (ss, sb, cls, elec), Jack DeJohnette (bat, p, elec)
Sáb 7-Ago
Fundação Gulbenkian - Anf. Ar Livre
21.30
Steamboat Switzerland
Dominik Blum (hamB3, elec), Marino Pliakas (b-el, elec), Lucas Niggli (bat, per)
Dom 8-Ago
Fundação Gulbenkian - Aud. 2
15.30
Open Speech Trio
Carlos Bechegas (f, processamento sinal), Ulrich Mitzlaff (celo, elec), Miguel Feraso Cabral (per, obj)
Fundação Gulbenkian - Aud. 2
18.30
Guus Janssen, Han Bennink
Guus Janssen (p), Han Bennink (bat)
Fundação Gulbenkian - Anf. Ar Livre
21.30
Evan Parker Electro-Acoustic Ensemble
Evan Parker (ss), Peter Evans (t, pic-t), Ko Ishikawa (shô), Ned Rothenberg (cl, clab, flauta shakuhachi), Philipp Waschmann (v, elec), Agustí Fernández (p, p-pre), Barry Guy (ctb), Paul Lytton (per, elec), John Russell (g-ac), Peter van Berg (cl, clb), Aleks Kolkowski (obj), Lawrence Casserley (processamento sinal), Joel Ryan (sam, processamento sinal), Walter Prati (processamento sinal), Richard Barrett (elec), Paul Obermayer (elec), Ikue Mori (elec), Marco Vecchi (projecção som), Kjell Bjorgeengen (projecção imagem)
Sex 13-Ago
Fundação Gulbenkian - Anf. Ar Livre
21.30
Louis Sclavis «Lost On The Way»
Louis Sclavis (cl, clb, ss), Matthieu Metzger (ss, sa), Maxime Delpierre (g-el), Olivier Lété (b-el), François Merville (bat)
Sáb 14-Ago
Fundação Gulbenkian - Aud. 2
21.30
Red Trio
Rodrigo Pinheiro (p, p-pre), Hernâni Faustino (ctb), Gabriel Ferrandini (bat)
Fundação Gulbenkian - Anf. Ar Livre
21.30
Sol 6
Veryan Weston (p, voz), Luc Ex (gb), Ingrid Laubrock (st, voz), Hannah Marshall (celo, voz), Mandy Drummond (viola, voz), Tony Buck (bat, per)
Dom 15-Ago
Fundação Gulbenkian - Aud. 2
18.30
Thomas/ Strid / Thomas
Pat Thomas (p, elec), Raymond Strid (bat), Clayton Thomas (ctb)
Fundação Gulbenkian - Anf. Ar Livre
21.30
Circulasione Totale Orchestra

Louis Moholo (bat), Fröde Gjerstad (sa, cl), Morten J. Olsen (elec, per), Anders Hana (g-el), Nick Stephens (ctb), Paal Nilssen-Love (bat), Ingebrigt Håker Flaten (b-el), Børre Mølstad (tu), Sabir Mateen (sa, cl), Bobby Bradford (t), Kevin Norton (vib), Lasse Marhaug (elec), John Hegre (desenho som)