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Jazz em Agosto

 

 

2015

 

 

 

 

Fire! Orchestra
Músico reincidente no Jazz em Agosto, Mats Gustafsson abriu o festival com a versão alargada do projecto que tinha apresentado neste mesmo espaço em 2011 em formato trio: duas vozes, nove sopros entre palhetas e metais, violino, guitarra, teclados, electrónica, dois baixos eléctricos e duas baterias.
Projecto com algo de megalómano «conjunto de músicos suecos pedidos de empréstimo ao jazz à música improvisada e ao rock psicadélico», revelou algum esforço de escrita, mas claramente Gustafsson não possui uma noção clara de composição ou orquestração, mas sim algumas ideias vagas. A Fire! Orchestra é uma manta de retalhos de rock psicadélico com funky,  free jazz com «música improvisada», alguma ambiência teatral na postura das vozes e uma (suposta) irreverência que parece funcionar muito bem para um público jovem acabadinho de chegar a estas coisas.
«Sonho improvável nascido às três horas de uma recente madrugada», o projecto não avançou muito longe no dia, na elaboração, o que se revelava confrangedor na secção rítmica - duas baterias que ora faziam exactamente a mesma coisa ora pareciam perdidas -, como perdidos andavam amiúde os solistas, sobrevivendo dos seus dotes pessoais – com algumas prestações a evidenciar-se aqui e ali -, mais do a escrita lhes oferecia.
Melhor do que na versão trio de há quatro anos, mas incipiente. Faltou-lhe trabalho, faltaram ideias.

Michael Mantler
A modernidade chegou ao segundo dia do Jazz em Agosto, com Michael Mantler e a Orquestra Jazz de Matosinhos. Escrita amelódica, a tirar partido integralmente da vasta paleta tímbrica da orquestra (OJM) e dos músicos de Mantler, confirmando a seriedade do trabalho de Michael Mantler de 1968 (JCOA, The Jazz Composer's Orchestra, onde contava com Carla Bley, Cecil Taylor, Pharaoh Sanders, Don Cherry, Gato Barbieri.....), recuperado no ano passado no CD ECM Michael Mantler’s Jazz Composer’s Update. 
A escrita de Michel Mantler deve claramente à música contemporânea, evidente nas harmonias dissonantes, nas combinações instrumentais exóticas, ou no uso de repetições e hipérboles, mas evitou a electrónica e o facilitismo do aleatório (a «improvisação livre», os «objectos»...) muito na moda, optando por uma actuação acústica e uma escrita densa que não evitava a improvisação, pelo contrário integrando-a no todo, opondo blocos instrumentais ou o tutti orchestral a solistas ou grupos de solistas – orquestra X Wolfgang Pushnig; sopros X três contrabaixos (excelente a prestação dos três contrabaixistas portugueses); orquestra X Marcos Cavaleiro. Valerá a pena notar os traços Gil Evans e a descendência de Duke Ellington na fusão com a improvisação e no jogo com a personalidade dos improvisadores. Surpreendentemente clássicos até, atendendo ao carácter vanguardista da escrita, com a estrela Wolfgang Pushnig e um guitarrista – Bjarne Roupé, muito «Abercrombie» - em evidência, e ainda a bateria do jovem Marcos Cavaleiro – a confirmar-se um genuíno baterista de orquestra. 
Mantler reservou – talvez por desconhecer os músicos da OJM – o grosso da improvisação para os seus músicos da Nouvelle Cuisine, atribuindo a interpretação da obra escrita para a Orquestra Jazz de Matosinhos. E não devo enganar-me ao dizer que a prestação da orquestra terá surpreendido toda a gente pela positiva, pela capacidade que ela revelou na leitura e interpretação de uma escrita particularmente complexa e, ficámos a saber no fim (em conversa com Pedro Guedes, orgulhosíssimo da «sua orquestra» e dos «seus meninos», e bem podia!), com apenas dois ensaios!!!
Um dos momentos mais altos do Jazz em Agosto dos últimos anos!

Swedish Azz
Quinteto dirigido por Mats Gustafsson e Per-Ake Holmlander, o Swedish Azz padece do mesmo mal da música da Fire!: algumas ideias dispersas com muito pouco de elaboração, resolvidas (?) pelo saxofone de Gustfsson.
A evocação do Jazz west coast em mistura com Quincy Jones não passou do papel, e a «exploração de novos territórios» também se ficou pelas intenções.

Red Trio & John Butcher
O Red Trio pratica uma música que radica nos pressupostos teórico-estéticos do free-jazz dos anos 60 descritos por Jorge Lima Barreto – a estética do grito, do zumbido e da catástrofe -, e ao fim de dez minutos da sua actuação já estava tudo dito. Do seu lado está a convicção e a força da interpretação; contra eles está a incapacidade de romper o círculo onde navegam, e que lhes autoriza, por exemplo, que um mesmo tema (?) tenha dez minutos ou duas horas.
John Butcher ou outro músico qualquer não acrescenta nada à música do Red Trio, como não retiraria nada a ausência de um dos membros do trio.

Lok 03
O projecto dos Lok 03 é basicamente a ilustração sonora de filmes mudos, à semelhança do que têm feito Bill Frisell ou John Zorn, numa recriação contemporânea do que se fazia no início do século XX nas salas de cinema mudo, que contratavam amiúde um pianista.
O leitmotiv do concerto foi um filme de Walter Ruttmann – Berlim: Sinfonia de uma capital (Berlin: Die Sinfonie der Großstadt)– de 1927, que retrata a cidade de Berlim no exacto momento anterior ao despoletar da crise económica de 1929.  O filme começa na madrugada, quando a cidade ainda dorme, e os comboios começam a entrar na cidade, e os primeiros transeuntes e trabalhadores iniciam as tarefas rotineiras, avançando depois, ao longo de mais de uma hora, pelo dia e pela cidade, retratando a diversidade de indivíduos e grupos, trabalhadores, empresas, a vida económica, as fábricas e estabelecimentos comerciais, as escolas e os estudantes, os restaurantes e enfim os centros de diversão, a Berlim nocturna. Pioneiro trabalho de montagem, mesmo se claramente Ruttmann terá visto Eisenstein e Dziga Vertov - o que é revelado nos contrapontos entre os planos de conjunto e no movimento (os comboios, as fábricas, a pressa dos transeuntes) e os detalhes, as puxadas para os rostos e os pequenos acasos, ou no retrato da cidade monumental versus a cidade das pessoas, dos operários, dos sindicalistas, dos trabalhadores do lixo, dos jovens ensonados que as mães empurram para a escola, as coristas e os passeantes, os intelectuais ou a burguesia florescente –, magnífico na descrição da cidade de Berlim, a prosperidade económica e social e cultural onde nada fazia antever a crise e o horror dos anos que se seguiram – num ritmo que envolve o espectador.
A música - os pianos e o DJ – esteve naturalmente preso à métrica (por um qualquer acidente nem todo o filme foi projectado, provocando a surpresa e algum desconforto nos músicos) e ao ritmo do filme, e teve sempre acerto e comedimento (que não tem estado sempre presente nos trabalhos de Schlippenbach) mesmo nos ruídos do DJ ou no piano preparado de Takase e Schlippenbach.  
Não sei se a música sobreviveria sem o filme – e o encore, com Aki Takase em evidência, sem projecção, foi demasiado curto  para permitir alguma conclusão -, mas o espectáculo foi concebido como filme + banda sonora e como tal se revelou bastante conseguido.

Wadada Leo Smith
Na que foi a primeira apresentação pública – de acordo com Leo Smith - do projecto “The Great Lakes Suites”, o quarteto contou com Marcus Gilmore substituindo Jack DeJohnette, mas com Lindberg e Threadgill nos contrabaixo e reeds da formação original.
Bastante mais interesante que o projecto dedicado a Bitches Brew de Miles Davis a que assistimos no Jazz em Agosto de 2011, a suite dedicada aos grandes lagos é uma das obras de maior fôlego de Leo Smith, e muito de acordo com a estética AACM perfilhada pelo trompetista, mas também pelo saxofonista, o veterano Henry Threadgill.
Longa composição, “The Great Lakes Suites” quase não contempla a orquestração e os solos têm tendência para se suceder, sendo raras as combinações instrumentais.  Música quase sempre dissonante e fria, amelódica, ausente de estrutura rítmica imediatamente apreensível, privilegia as capacidades de improvisação dos seus membros, mesmo se, como disse, assenta em composições escritas.

ONJ
O concerto da ONJ constituiu para mim uma desilusão, mesmo se teve momentos interessantes. Faltou-lhe principalmente coerência estética, sendo que no que era mais consistente se ficou pela fusão-rock progressivo. Dir-se-ia uma mistura de Jean Luc Ponty com Hugh Hooper e ... Philip Glass, num caldeirão onde as referências surgiam sem que os elementos procurassem uma integração consistente. O mais interessante foram sempre os solos, e diríamos que os sopros – e o jogo dos sopros - se revelaram mesmo muito interessantes, e em muito em especial as palhetas; ao contrário do violino, sempre penoso, e uma secção rítmica incipiente. E depois, numa evidência da transitoriedade do projecto, alguns assomos de construção orquestral a evocar a música minimal.
Dispersão estética, electricidade a mais, um piano perdido, um violino pretensioso, uma bateria a abusar dos tímbalos; excelentes os sopros.

 

Sex 31 Lisboa Gulbenkian - Anfiteatro ao Ar Livre 21.30 Fire! Orchestra Mats Gustafsson (st, dir), Johan Berthling (b-el), Andreas Werliin (bat), Martin Hederos (tec, v), Mariam Wallentin (voz, g-el, per), Sofia Jernberg (voz), Lotte Anker (st), Anna Högberg (sa, sb), Mette Rasmussen (sa. sb), Jonas Kullhammar (s), Andreas Berthling (b-el, elec), Mats Äleklint (trb, harm), Goran Kajfes (t), Niklas Barnö (t), Per-Åke Holmlander (tu, cimbasso), Finn Loxbo (g-el), Mads Forsby (bat, elec), Hild Sofie Tafjord (trom), Julien Desprez (g-el)
Data
Cidade
Local
Hora
Banda
Músicos
Sáb 1 Ago Lisboa Gulbenkian - Anfiteatro ao Ar Livre 21.30 Michael Mantler’s Jazz Composer's Update & Orquestra Jazz de Matosinhos Christoph Cech (dir), Michael Mantler (t), Wolfgang Puschnig (sa, f), Harry Sokal (st, ss), David Helbock (p), Bjarne Roupé (g-el), João Pedro Brandão (ss, f), João Guimarães (ss, cl), Mário Santos (sa, cl, clb), José Pedro Coelho (st, f), Rui Teixeira (sb), Gileno Santana (t), Javier Pereiro (t), João Gaspar (trom), Pedro Henriques (trom), Daniel Dias (trb), Gonçalo Dias (trbb), Sérgio Carolino (tu), Demian Cabaud (ctb), José Carlos Barbosa (ctb), Diogo Diniz (ctb), Marcos Cavaleiro (bat)
Dom 2 Lisboa Gulbenkian - Anfiteatro ao Ar Livre 21.30 Mats Gustafsson’s Swedish Azz Mats Gustafsson (sa, ab, elec), Per-Åke Holmlander (tu), Kjell Nordeson (vib), Dieb 13 (gir), Erik Carlsson (bat)
           
Qua 5 Lisboa Gulbenkian - Anfiteatro ao Ar Livre 21.30 Red Trio & John Butcher Rodrigo Pinheiro (p), Hernâni Faustino (ctb), Gabriel Ferrandini (bat), John Butcher (st)
Qui 6 Lisboa Gulbenkian - Anfiteatro ao Ar Livre 21.30 Lok 03 Alexander Von Schlippenbach (p), Aki Takase (p), Dj Illvibe (gir)
Sex 7 Lisboa Gulbenkian - Anfiteatro ao Ar Livre 21.30 Ingebrigt Håker Flaten’s The Young Mothers Ingebrigt Håker Flaten (ctb, b-el), Jawwaad Taylor (voz, t, elec), Jason Jackson (s), Jonathan Horne (g-el), Stefan González (vib, bat), Frank Rosaly (bat)
Sáb 8 Lisboa Gulbenkian - Anfiteatro ao Ar Livre 21.30 Wadada Leo Smith’s The Great Lakes Suites feat. Henry Threadgill Wadada Leo Smith (t), Henry Threadgill (sa, f, fb), John Lindberg (ctb), Marcus Gilmore (bat)
Dom 9 Lisboa Gulbenkian - Anfiteatro ao Ar Livre 21.30 Orchestre National de Jazz dir. Olivier Benoît Olivier Benoît (g-el), Alexandra Grimal (st, ss), Hugues Mayot (sa), Jean Dousteyssier (cl), Fidel Fourneyron (trb, tu), Fabrice Martinez (t, flis). Théo Ceccaldi (v), Sylvain Daniel (ctb, b-el), Sophie Agnel (p), Paul Brousseau (f-r, sin, efeitos), Eric Echampard (bat)