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Jazz em Agosto

2019

 

Do ponto de vista musical, eu diria (com a subjectividade que me permito) que os concertos mais interessantes ocorrerão na próxima semana, e não estou a utilizar critérios «jazzísticos». Se tivesse que aconselhar apenas três concertos, a minha escolha recairia em Ambrose Akinmusire «Origami Harvest», Mary Halvorson e Tomas Fujiwara «Triple Double», mas sobre estes escreverei (talvez) na próxima semana.

Marc Ribot «Songs of Resistance»
Já hoje (1 de Agosto) o festival arranca com Marc Ribot que irá tocar o «Songs of Resistance», onze canções «revolucionárias» editadas em disco em 2018, com vários convidados, entre os quais Tom Waits. O concerto deverá ser uma adaptação do disco para um quinteto, e «Songs of Resistance» dificilmente poderá ser considerado Jazz, muito de acordo com a personalidade irreverente de Marc Ribot. Rock, folk, spirituals, ácido, e um cheirinho a Jazz emprestado pelo saxofone, talvez, mas será um concerto interessante, por certo, muito adequado à frequência típica do Jazz em Agosto. Quinta, 1 de Agosto.
(Da última vez que o vi, Tom Waits andava perdido numa floresta a espreitar os walking dead [The Dead don’t Die], mas pode ser que apareça na Gulbenkian. E pode ser também que Ribot brinde os espectadores com uma versão grunge do Grândola, quem sabe.)

Heroes Are Gang Leaders «The Amiri Baraka Sessions»
Heroes Are Gang Leaders «The Amiri Baraka Sessions» é uma homenagem a Amiri Baraka (LeRoi Jones), poeta, crítico, ensaísta e «ideólogo» do free jazz mais radical dos anos 60/70, desaparecido em 2014. Jazz politizado, de combate, a evocação da poesia de Amiri Baraka, «spoken word», free jazz, hip hop; o HAGL nasceu da colaboração do poeta com o saxofonista James Brandon Lewis, que será um dos músicos que estará na Gulbenkian. Doze músicos: vozes, trompete, saxofones, guitarras, piano e teclados, baixo e bateria.
Sexta, 2 de Agosto.


Nicole Mitchell «Mandorla Awakening II: Emerging Worlds»
Nicole Mitchell «Mandorla Awakening II: Emerging Worlds» é, como os anteriores, um projecto político, e eu diria que algo foi sacrificado musicalmente. Porque, a meu ver, a flautista Nicole Mitchell é uma das maiores especialistas de sempre do seu instrumento, o que não transparece em muitos dos seus discos. De qualquer forma, Mandorla Awakening é um espectáculo a que valerá assistir, por certo: flauta, spoken words, electrónica, banjo, electrónica, violino, percussões e vários instrumentos japoneses que carregam o projecto de um matiz exótico, a ouvir de ouvidos e mentes bem abertos; também pela mensagem política universalista que pisará o palco do Anfiteatro ao Ar Livre da Fundação Gulbenkian.
Domingo, 4 de Agosto

Outros concertos mais «experimentalistas» ocorrerão nas tardes desta semana. O mais interessante deverá acontecer na tarde de sábado 3, tendo como protagonistas Ingrid Laubrock e Tom Rainey, saxofone e bateria.

Muito acertadamente, no site do festival podem ser encontrados vídeos dos diversos músicos e projectos, que poderão ajudar na elucidação dos interessados.

Ao público aconselha-se vivamente a consulta do site. Aos críticos convidados aconselha-se cautela com as palavras para não irritar o senhor director (ou pró ano...).

Bons concertos!

1 de Agosto de 2019

 

Ambrose Akinmusire «Origami Harvest»
O mais importante concerto do Jazz em Agosto 2019 antecipo eu para o próximo sábado 10 de Agosto. Depois de se ter estreado há mais de dez anos no Estoril Jazz e de ter passado pelo Funchal Jazz, pelo Guimarães Jazz e já não me recordo onde mais, o mais fabuloso trompetista do planeta chega à Gulbenkian.
Votei «Origami Harvest» um dos melhores discos do ano de 2018, mesmo se ele não é um disco de Jazz tout court. Projecto explicitamente político, por «Origami Harvest» passa o racismo do quotidiano americano, a rua e as causas sociais, na sua forma especial de contar histórias, e Ambrose Akinmusire é um luminoso contador de histórias. Cada tema em «Origami Harvest» é composto e interpretado de forma diferente, com diferentes formações e a sua apresentação ao vivo com uma formação fixa deverá ser uma adaptação do projecto.
Nada está proibido em «Origami Harvest», nenhum género musical ou forma, entre o funk, o hip hop, a pop, a música de câmara e o Jazz, e o octeto fluido que está anunciado para o Anfiteatro ao Ar Livre assim o prenuncia: trompete, teclados, bateria, piano, electrónica, um rapper e um quarteto de cordas. Mas na base do grupo estão três músicos superlativos: Sam Harris, Justin Brown e ele mesmo, Ambrose Akinmusire. Nada de pirotecnia, nada de aleatório, nada de espúrio: música e poesia, palavras e política, na forma mais rigorosa de fazer música.
Um grande concerto em expectativa. Sábado, 10 de Agosto, Anfiteatro ao Ar Livre. 21.30.

Tomas Fujiwara «Triple Double»
Não é possível olhar «Triple Double» (CD de 2017) sem pensar de imediato num dos marcos da música do século XX, o duplo quarteto de Ornette Coleman que fez o histórico «Free Jazz» em 1961. Fujiwara não imita Ornette, mas também se passaram quase sessenta anos. Os dois quartetos de Ornette eram dois quartetos «clássicos» de bateria, contrabaixo, trompete e palhetas à compita e os trios de Fujiwara são dois trios de bateria, guitarra e trompete pouco convencionais.
Mas se Triple Double possui uma dose de composição que não está presente em Free Jazz e os seis músicos são também por vezes um sexteto ou assumem outras formas, o projecto emerge do free com frequência ou aí mergulha. Improvisação e composição, num projecto próximo do free jazz, seis músicos peculiares e uma direcção que deverão fazer um dos mais interessantes concertos de Jazz do festival. A comprovar ao vivo.
Sexta, 9 de Agosto, Anfiteatro ao Ar Livre. 21.30.

Mary Halvorson «Code Girl»
O projecto «Code Girl», de 2018, é dos três o que me levanta mais interrogações. Ouvi-o quando saiu, voltei a ouvi-lo no início do ano aquando da votação dos melhores discos do ano e voltei a ouvi-lo agora, e a minha opinião mantém-se: «Code Girl» é um disco com boas ideias, mas não inteiramente resolvidas. «Code Girl» oscila entre o caos organizado e a forma canção, tanto namora a pop como mergulha no melhor Jazz (o Jazz inovador que a sua guitarra proporciona), mas não logrou retirar da diversidade formal a síntese.
Mas estamos a falar de uma instrumentista criativa e inovadora, e de um grupo de músicos (e improvisadores) superlativos, e o palco é o espaço da verdade onde Mary Halvorson não falha. O grupo é o mesmo do disco, com excepção para o trompetista, Adam O’Farrill em vez de Ambrose Akinmusire.
(E eu chamaria a atenção para este jovem de 25 anos que é um trompetista assombroso, com um controle do instrumento insuperável e dono de uns agudos inauditos. Neto do célebre director de orquestra cubano Chico O'Farrill e filho do pianista Arturo O'Farrill, Adam é um verdadeiro fenómeno.)
O resto do sexteto é de igual forma notável: o portentoso Michael Formanek no contrabaixo, Tomas Fujiwara na bateria, a jovem estrela, Maria Grand, no saxofone (capaz de tocar dentro da tradição ou «rasgar» em áreas mais «dissonantes») e a voz de Amirtha Kidambi, que combina a tradição indiana com a (esparsa) folk americana.
Enfim, apesar das minhas observações, este é um concerto que merece toda a atenção. Até porque numa criadora como é Mary Halvorson, tudo tende a evoluir (e ela possui realmente o Jazz nos dedos e na cabeça, é uma compositora e guitarrista de Jazz, mesmo se pouco convencional), e a banda é estimulante.
Domingo, 11 de Agosto, Anfiteatro ao Ar Livre. 21.30

Com excepção para o encontro de Joey Baron com Robyn Schulkowsky (sexta, Auditório 2, 18.30), e apenas pela seriedade que Baron costuma colocar na sua música, nenhum dos restantes concertos me estimula interesse. Noise, pirotecnia, mais cabelo que cabeça, buéda radicalismo adolescente, aleatório, tipos a atirar cenas para o ar; hum, não creio. Eu estou velho e gosto é de música, mas posso, é claro, estar errado. Se os meus leitores tiverem dinheiro e tempo para gastar, e forem dos que confiam piamente no que a Gulbenkian faz, bom, digam-me depois. E talvez que eu esteja a ser injusto. Talvez.
A minha escolha recai pois em definitivo em Ambrose Akinmusire, Mary Halvorson e Tomas Fujiwara, três grandes concertos em perspectiva.

(Sobre a atitude censória da direcção do Jazz em Agosto e da Fundação Gulbenkian quanto à crítica, eu já escrevi no passado e não me vou repetir.
Aos críticos convidados apenas aconselho juizinho e um pouco de beija-mão que lhes ficaria muito bem. )

Jazz em Agosto
Fundação Calouste Gulbenkian
Director: Rui Neves

 

7 de Agosto de 2019

 

 

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