Jazz em Agosto
2024
«O último dos festivais internacionais é o Jazz em Agosto, um evento de características muito próprias.
Há jazz moderno e de vanguarda, música clássica, experimental e exploratória, oriental e antiga, subsariana, música de câmara, circular e minimalista, rarefações de blues e de jazz, improvisação livre, hardcore, e muito rock e pós-rock, funk, heavy metal e breakbeat, progressivo, punk, pós-punk, de tudo um pouco, assim nos dá conta o programa.
Irregular, diria, com grandes concertos a par de objectos menores, o Jazz em Agosto tem um público fiel.
Para o público do Jazz o meu destaque absoluto vai para o concerto de abertura de James Brandon Lewis, «For Mahalia, With Love», um concerto diria obrigatório, uma homenagem muito pessoal à grande Mahalia Jackson.
Outro grande concerto será o do quarteto jazz de Peter Evans, e, com algum risco, o The Locals «Play the music of Anthony Braxton».
O nível de risco aumenta e o interesse de forma inversa, com os pianos de Sylvie Courvoisier & Cory Smythe, o Bill Orcutt Guitar Quartet, a Fire! Orchestra, o Black Duck, o Darius Jones fLuxKit Vancouver e os Dieb13 Beatnik Manifesto.
A partir daqui estão por vossa conta. »
(in Jornal de Letras,12 de Junho)
E bastaria, de facto, ler as notas sobre os concertos do Jazz em Agosto deste ano para confirmar o desnorte do programador. Ou isso ou, enfim, a alucinação do autor daquelas linhas. Fazer um festival de Jazz «moderno» não é pera doce, mas se se tem como critério a modernidade e não o Jazz (e a música), arriscamos a encher a programação de jovens irreverentes de boné de pala para trás à Ronaldo. De tão irreverentes e modernaços lá chegaremos.
Desde Duchamps - há mais de cem anos - que nós sabemos que um urinol num museu é uma peça de arte, e Pierre Bourdieu explicou muito bem como é que quem decide da validade de uma obra de arte é o curador. E assim, podemos saber que se está a ser tocado na Gulbenkian é porque é bom, é moderno, é de vanguarda, mesmo que seja um penico.
Depois, e para que o processo seja completo, para convencer o público de que somos mesmo modernos, nada como aliciar a imprensa com o método do pau e da cenoura: quem se porta bem tem direito a camarote de honra, quem se porta mal é excomungado.
E assim o festival de Jazz da Gulbenkian chegou à Coreia de Norte: sem contraditório, sem vozes discordantes.
Já não se trata de democracia, mas do bom senso e da normalidade que deveria assistir ao trabalho dos produtores e agentes da arte, porque esse contraditório é necessário; por vezes é necessário que alguém diga onde está o urinol.
Mas o Jazz em Agosto e a Gulbenkian preferem a arrogância, e isto é pois um aviso para os senhores críticos: portem-se bem, meninos, estão avisados.
Eu não vou ao Jazz em Agosto, e o meu texto fica-se por aqui. Não saberei como correram os concertos e até se estava enganado e até foi um festival excepcional. Quem sabe. Eu até podia ir, pois claro; o Kim Il Sung não me impede e eu comprava o bilhete e ia ver o James Brandon Lewis, ou até os ia ver todos, mas não me apetece: estou velho e só vou a festas para que sou convidado.
A minha escrita fica-se por aqui. O conselho para os meus leitores vale o que vale, mas eu apostaria que o James Brandon Lewis fará um grande concerto, e bons deverão ser também Peter Evans e o projecto Braxton. E, repetindo-me: «O nível de risco aumenta e o interesse de forma inversa, com os pianos de Sylvie Courvoisier & Cory Smythe, o Bill Orcutt Guitar Quartet, a Fire! Orchestra, o Black Duck, o Darius Jones fLuxKit Vancouver e os Dieb13 Beatnik Manifesto. A partir daqui estão por vossa conta. »
Qui 1 de Agosto, Anfiteatro ao Ar Livre, Gulbenkian, 21.30
James Brandon Lewis / Red Lily QuintetSáb 9 de Agosto, Anfiteatro ao Ar Livre, Gulbenkian, 21.30
The LocalsSáb 10 de Agosto, Anfiteatro ao Ar Livre, Gulbenkian, 21.30
Peter Evans Being & Becoming
Jazz em Agosto
Fundação Calouste Gulbenkian
Director: Rui Neves