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Seixal Jazz 2023

 

O Seixal Jazz completou a sua 24.ª edição. Festival internacional, mesmo embora uma forte componente nacional, o festival confirmou-se como um dos mais importantes festivais de Jazz nacionais. Os nomes titulares internacionais convocados para a sala principal – o Fórum Cultural do Seixal - foram Immanuel Wilkins e Christian McBride, o trio de históricos Rava-Cyrille-Parker e o menos conhecido mas ambicioso projecto norueguês de Per Zanussi; mas as bandas de Mário Costa e Ricardo Toscano, com forte composição não nacional, confirmaram a ausência de barreiras linguísticas do Jazz, ou melhor, o Jazz como o esperanto musical. 
O Seixal Jazz Club veio, por outro lado, confirmar-se como uma boa ideia do festival, apresentando seis concertos de entrada livre na histórica sala da Sociedade Filarmónica Democrática Timbre Seixalense. Estes concertos decorreram ao longo dos dias do festival, depois dos concertos da sala principal. O êxito dos concertos, com uma interessante participação de público, sugeriu-me uma ideia: porque não fazer da Timbre o Clube de Jazz da margem sul, com concertos semanais regulares ao longo de todo o ano?
Por razões alheias à minha vontade não assisti a todos os concertos do festival.

Mário Costa Quarteto
O concerto de Mário Costa confirmou tudo o que escrevi a propósito do disco: ele é um músico com personalidade, versátil, líder e hábil compositor; mas também a escrita pareceu-me sempre sobrepor-se quase sempre à improvisação (o que me foi desmentido posteriormente, e talvez que essa sensação que foi transmitida ao público se deva apenas ao rigor da interpretação e ao carácter “orgânico” da música). Excepção para ele, o líder, e Bruno Chevillon, o contrabaixista, que fizeram os melhores momentos da noite (como solistas). Mas Cuong Vu e Benoît Delbecq estiveram sempre excessivamente contidos e o pianista teve mesmo algumas intervenções desastradas nos sintetizadores. Detalhes, enfim, num excelente concerto, e assistir a um concerto de Mário Costa é sempre um regalo para os olhos e os ouvidos, ele que é um verdadeiro pianista nas peles e nos pratos, inventivo, surpreendente e generoso.

Andrew Cyrille, William Parker & Enrico Rava
A associação dos três músicos resulta da homenagem recente a Cecil Taylor, editada em disco. Os três, que tocaram com Taylor em diferentes ocasiões, tendo mesmo Andrew Cyrille sido um dos seus companheiros dilectos ao longo de quinze anos, desde 1966 (Cyrille conheceu Taylor com 18 anos), no seu período mais criativo e explosivo.
Aguardava-se um concerto muito duro – a música de Cecil Taylor nunca foi acessível -, mas a verdade é que muito do que os percursores do Free Jazz fizeram nos anos 60 foi assimilado pelo Jazz e mesmo pelo mainstream. E se eles andaram perto dessa estética, metade do concerto foi bastante cordato. Temas longos, Cyrille nos pratos bastante sem tempo (esclarecendo onde é que Billy Hart foi buscar aqueles longos devaneios nos címbalos), Enrico Rava em filicorne, com um som muito redondo, próximo do que ele explorou no período ECM, e, curiosamente, William Parker, no som mingusiano grave que lhe é peculiar, central no tempo, mesmo se nunca saindo fora de pé. Rava e Cyrille ocuparam sempre os lugares cimeiros, com Parker sem subtilezas ancorando o ritmo, como possível, num trio excêntrico.
A segunda metade do concerto foi bastante mais acessível, com ritmo mais definido e aqui ou ali melódico até, mas com algumas interjeições belicosas e inesperadas por parte da bateria, com referências explícitas a Ornette ou a Monk, sem que o trio condescendesse na intranquilidade do projecto.
Uma digna e autorizada homenagem a Cecil Taylor, uma figura central do free-jazz, com ascendência em muitos músicos contemporâneos.

Immanuel Wilkins
Eu tinha assistido apenas duas semanas antes ao concerto de Immanuel Wilkins em Angra do Heroísmo, e se este concerto foi formalmente diferente, o quarteto nunca capitulou no nível das propostas. Mais denso e dramático ele foi revelou-se inusitadamente coltraneano.
Mesmo se invocando The 7th Hand (disco de 2022), o concerto baseou-se numa encomenda da instituição Roulette para uma residência em 2021, Blues Blood | Black Future. Wilkins inspira-se num episódio dramático ocorrido em 1965, onde Daniel Hamm, uma criança, e um grupo de adolescentes, foram acusados de um crime, num processo que se arrastou durante décadas, até todos serem inocentados. Brutalidade policial, espancamento para obtenção de confissões, juízes invocando leis herdadas do esclavagismo, manipulação de depoimentos; nada faltou ao dramático episódio.
Não consegui saber se a peça foi tocada integralmente, mas houve uma unidade nas peças apresentadas, num mote claramente mais dramático do que lhe tinha assistido anteriormente. Música com muita força, banda coesa, a bateria por vezes furiosa, com uma acentuação que me lembrou a pontuação excessiva de Art Taylor na tarola, e uma definição absoluta do saxofone, mesmo nos movimentos mais rápidos, dignos de Bird.
Final pungente como um elegia fúnebre, num blues arrastado, belíssimo e envolvente.

Seixal Jazz Club
Ouvi muito pouco dos concertos do Seixal Jazz Club, mas do pouco que ouvi retive a metade final do Paulo Santo Quinteto, que confirmou ao vivo o que lhe conhecia do disco. E se a banda (com duas alterações) não autorizava dúvidas: os dois sopros, Mortágua e Luis Cunha, impetuosos, e uma bateria excelsa – Diogo Alexandre -,a relevar; a direcção e as composições confirmaram Paulo Santo como um líder.
No próximo ano o Seixal Jazz completa 25 edições, e promete-se festa. Venha ela!


Com uma programação consistente - seis concertos na sala principal, quatro de entre os quais não nacionais, e mais seis (nacionais) no Seixal Jazz Club - o festival faz do Seixal, esta semana e a próxima, a Capital Nacional do Jazz.

O festival começa na próxima quinta 12 com um dos mais renomados contrabaixistas da cena internacional, Christian McBride, à frente de uma banda de notáveis: o insuperável Nasheet Waits na bateria, e Marcus Strickland e Josh Evans em saxofone e trompete. Aguarda-se um grande concerto de Jazz, pleno de energia.

Segue-se o novo quarteto de Ricardo Toscano, com o polaco Artur Tuznik no piano, o contrabaixista de New Orleans Jasen Weaver, e o irmão de armas João Pereira na bateria; numa sexta-feira 13 que não se espera aziaga.

E a encerrar a primeira semana do Seixal Jazz apresenta-se o novo quarteto de Mário Costa, com Cuong Vu no trompete, Benoît Delbecq em teclados e Bruno Chevillon no contrabaixo.

A próxima semana abre com o Per Zanussi & Vestnorsk Jazzensemble, um grupo norueguês de doze músicos que toca uma música heteróclita, inspirada «em músicas que vão desde funk futurista e afrobeat progressivo até baladas xamãs coreanas e free jazz norte-africano, refletindo a ampla gama da prática de Zanussi.». A confirmar ao vivo se o norueguês terá conseguido fazer uma síntese musical com alguma solidez ou não passa de extravagância.

A noite seguinte terá como protagonistas três personalidades com percursos bem distintos: Enrico Rava é um dos grandes nomes do Jazz europeu, um monstro do trompete; Andrew Cyrille é um histórico do free jazz, em actividade desde o início dos anos 60, que acompanhou Cecil Taylor, Muhal Abrams, David Murray ou Carla Bley, entre inúmeros outros, e mais recentemente Bill Frisell ou Dave Douglas; e William Parker é também um músico prolífero, próximo do free, a tocar desde os anos 80. Este trio tem um disco editado em 2022: 2 Blues for Cecil.

E o festival encerra como começou: em cima!
O nome é o do jovem Immanuel Wilkins, vencedor de todo os prémios. Immanuel Wilkins é um vulcão no saxofone, discípulo esclarecido e inspirado de Charlie Parker; veloz como ele. À frente de um quarteto de notáveis jovens, o Seixal Jazz encerra da melhor forma.

Ao longo dos dias do festival, o Seixal Jazz Club organiza numa sala perto do Auditório Municipal, à semelhança dos anos anteriores, seis concertos com entrada livre, com início às 23.00, de seis bandas portuguesas:  André Carvalho, Pedro Molina Quartet, Nuno Campos 4tet, Apophenia, Garfo e Paulo Santo Quinteto.

12 Outubro 2023


Qui 12 Fórum Cultural do Seixal 22.00 Christian McBride New Jawn Christian McBride (ctb), Marcus Strickland (s), Josh Evans (t), Nasheet Waits (bat)
Sociedade Filarmónica Democrática Timbre Seixalense 23.00 André Carvalho André Carvalho (ctb), José Soares (s), André Matos (g)
Sex 13 Fórum Cultural do Seixal 22.00 Ricardo Toscano First Take Ricardo Toscano (sa), Artur Tuźnik (p), Jasen Weaver (ctb), João Lopes Pereira (bat)
Sociedade Filarmónica Democrática Timbre Seixalense 23.00 Pedro Molina Quartet Pedro Molina (ctb), Filipe Dias (g), Miguel Meirinhos (p), Gonçalo Ribeiro (bat)
Sáb 14 Fórum Cultural do Seixal 22.00 Mário Costa Quarteto Mário Costa (bat), Cuong Vu (t), Benoît Delbecq (p, sint, samplers), Bruno Chevillon (ctb)
Sociedade Filarmónica Democrática Timbre Seixalense 23.00 Nuno Campos 4tet Nuno Campos (ctb), José Pedro Coelho (s), Miguel Meirinhos (p), Ricardo Coelho (bat)
         
Qui 19 Fórum Cultural do Seixal 22.00 Per Zanussi & Vestnorsk Jazzensemble Per Zanussi (ctb, c), Kjetil Møster (s), Heidi Kvelvane (s), Elisabeth Lid Trøen (s), Kristoffer Alberts (s), Didrik Ingvaldsen (t), Simen Kiil Halvorsen (t), Thomas Dahl (g), Gro Austgulen (v), John Derek Bishop (elec), Børge Fjordheim (bat), Øyvind Skarbø (bat)
Sociedade Filarmónica Democrática Timbre Seixalense 23.00 Apophenia João Gato (sa), Bernardo Tinoco (sa, ss), Zé Almeida (ctb), Samuel Dias (bat), Duarte Ventura (vib)
Sex 20 Fórum Cultural do Seixal 22.00 Andrew Cyrille, William Parker & Enrico Rava Andrew Cyrille (bat), William Parker (ctb), Enrico Rava (flis)
Sociedade Filarmónica Democrática Timbre Seixalense 23.00 Garfo Bernardo Tinoco (st), João Almeida (t), João Fragoso (ctb), João Sousa (bat)
Sáb 21 Fórum Cultural do Seixal 22.00 Immanuel Wilkins Immanuel Wilkins (sa), Micah Thomas (p), Rick Rosato (ctb), Kweku Sumbry (bat)
Sociedade Filarmónica Democrática Timbre Seixalense 23.00 Paulo Santo Quinteto Paulo Santo (vib), João Mortágua (sa, ss), Luís Cunha (t), Zé Almeida (ctb), Diogo Alexandre (bat)