André Fernandes
Motor
CD TOAP 2012

André Fernandes (g)
Bernardo Sassetti (p, f-r)
Demian Cabaud (ctb)
Marcos Cavaleiro (bat)
Zé Pedro Coelho (st, ss, clb)
Susana Santos Silva (t,flu)

Motor é o sexto título da discografia de André Fernandes, se descontarmos alguns projectos colectivos (Spill, TOAP) e colaborações diversas em inúmeros discos, fazendo dele um dos mais requisitados e profícuos músicos da cena Jazz nacional.
Motor é um dos mais interessantes registos de Fernandes desde sempre, mas ele surge claramente como um disco de transição, tocado por algum conflito, que é contraditoriamente a razão de ser do seu interesse. O conflito surge a partir de uma concepção de construção harmónica muito reconhecível em André Fernandes - e de que Timbuctu é paradigmático. Ora esta concepção é em Motor sistematicamente perturbada, ora pela energia rock dos Spill, ora pelo dramatismo de algumas peças, ora por soluções harmónicas inovadoras onde Bernardo Sassetti é com frequência a pedra de toque, mas também, ele próprio, André Fernandes, ou anda os dois sopros convocados.
Bons exemplos são os temas "Flying Girl", "Bipolar Banana Cake" ou "Butterflies Are Evil", que sofrem de alguns dos maneirismos que estão associados à marca de André Fernandes, mas que são inesperadamente contrariados por Bernardo Sassetti ou pelos sopros. Sassetti tem no fender-rhodes uma notável intervenção que parece evocar o Chick Corea dos anos 70 em "Afhegan Trouper", ele resolve o deja vu em "Flying Girl" e é o responsável pela construção do tapete melódico do belíssimo "Float". Mas em todo o disco ele é a pedra na engrenagem, interventivo, inspirado, subtil e inspirador.
Como atrás referi, as baladas são de uma concepção e execução de invulgar inventiva, e o trabalho do piano-contrabaixo-guitarra em "Float" é especialmente interessante. Como dignos de nota são o lamento de "Dirt", um tempo lento com espaço para a evidência de Demian Cabaud e André Fernandes, ou outrossim o dramatismo lúgubre de "Northern Wind".
Motor é um disco de transição, desigual. Eu creio que Motor é um disco precipitado e André Fernandes teria feito bem em maturar alguns temas, mas a verdade é que algumas soluções engenhosas nos arranjos – a introdução do clarinete baixo, por exemplo, ou algum trabalho de guitarra - resolveram (ou esconderam) a maior parte dos problemas. E enfim, os executantes são – todos eles – músicos de primeira água, e as suas prestações um regalo para os ouvidos.