António Pinho Vargas (p)
António Pinho Vargas é um
histórico do Jazz nacional, uma personalidade singular com uma longa
carreira de sucesso. Músico inspirado, dotado de um engenho melódico
invulgar, APV percorreu um caminho que nunca se deixou aprisionar pelo mainstream. A
longa investida em outros universos, entre a música erudita e a sociologia,
que daria origem a uma tese de mestrado a par de peças do tipo operático
ou sinfónico moderno, onde a música negra está de todo
ausente, pode ter sido tomada como um desvio ou um abandono, mas de facto trata-se
da necessidade de satisfação de um espírito inquieto,
incapaz de se enclausurar em formas ou estilos.
O Solo e este Solo II, também denominados Imperfeições
1 a 4, têm a marca do editor, mas não desmerecem de existência
enquanto ajuste de contas com o passado, ao mesmo tempo que curiosamente revelam
em si mesmos uma coerência e consistência muito pessoais.
O CD duplo
Solo II consta de uma série de 28 composições,
algumas não mais que esboços, entre 1 a 8 minutos, onde apenas
três – duas interpretações de Que Amor Não
Me Engana de José Afonso e The Times They Are A-Changing de Bob Dylan
- não são originais, e apenas uma outra – In Between T&O – deste
milénio (2009), sendo as restantes de 1976 a 1999. Deambulações,
exercícios, revisitações, como se quisesse acrescentar
qualquer coisa que não foi dita nos velhos temas, novas perspectivas
onde ainda assim apenas ocasionalmente se sente o novo adquirido (erudito),
preferindo aquietar-se no olhar do passado. É um olhar muito clássico
ainda assim, pouco «bop», melodioso (não no sentido de Bach
como faz Mário Laginha; talvez antes folk) e sentido, onde por vezes
assoma Keith Jarrett (Cantiga prá Maria ou Poslúdio de Franz),
alternando com Ornette Coleman e genuínas canções (Uma
Já Antiga) ou explorações mais abstractas em José Afonso.
Solo
II é um disco de António Pinho Vargas, quer dizer, possui
a sua marca indelével, e isso sente-se desde logo no primeiro tema. Não pertence
ao passado nem ao futuro, mas possui um pouco dos dois: será mais
um momento instável de onde o pianista olha uma última
vez (com nostalgia) o passado. Assim seja.