Carlos Bica
Single
CD Bor-land 2005

Carlos Bica (ctb)

Carlos Bica será provavelmente o mais internacional dos nossos músicos de Jazz. E internacional não deve ser neste caso tomado literalmente, mas no sentido "socrático": embora músico de Jazz, à sua música dificilmente poderá ser atribuida uma nacionalidade definida. Em ocasiões anteriores, eu tive oportunidade de assinalar a latitude do seu universo, da pop à música clássica e erudita, do fado aos folclores do mundo e ao Jazz.
Mas creio que isto mesmo poderá ser dito de inúmeros outros músicos modernos para quem o eclectismo é uma espécie de profissão de fé. A diferença em Bica é que aparentemente os seus ouvidos fizeram uma síntese das música do mundo, integrando microscópicos elementos, estruturas, separando e remisturando (remisturar está na moda, não é?), explodindo e recriando, de tal forma que ele aparece um dia a tocar uma coisa onde nos parece reconhecer elementos do folclore de umas remotas montanhas quaisquer e no dia seguinte ele está a acompanhar uma cantora pop ou é convidado para tocar o contrabaixo com arco num concerto de free jazz, e cada disco nos confunde e surpreende na diversidade ou nova mudança de direcção.
Vem tudo isto a propósito do seu último disco, "Single", sigificativamente um contrabaixo solo, onde Carlos Bica tem oportunidade, melhor que em qualquer outro lugar antes, de dar expressão a essa forma de síntese que referi. Ao longo dos dezassete temas do disco cremos ouvir pequenos retalhos de coisas que reconhecemos e que logo fogem, entre outros momentos em que parece apenas construir um qualquer movimento pendular hipnótico concentracionário, dissonâncias ou abstracções libertárias ou drama.
Dramatismo será talvez a segunda grande linha de força de "Single". É certo que já anteriormente em "Diz" se tinha tornado óbvia esta atracção muito física de Bica pelo teatro (magnífica Ana Brandão!), mas o que "Single" nos oferece agora são cinquenta minutos de intensidade e drama, olhos nos olhos, suor e força. Para a intensidade contribui a forma que parece cada vez privilegiar, o arco, mas mesmo o dedilhado está carregado desse drama e emoção.
"Single" não é um disco de fácil audição e não entrará por certo no top de vendas nacional. O que naturalmente é bom sinal.