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Charles Lloyd/ Jason Moran
Hagar's Song
CD ECM 2013

Charles Lloyd (st)
Jason Moran (p)

Quando em 2007 Charles Lloyd convidou Jason Moran para substituir Gery Allen no seu grupo, poucos antecipariam o sucesso da colaboração. De facto nos últimos anos o velho guerreiro parecia preferir pianistas mais clássicos (Allen que se tinha sucedido a Brad Mehldau e Bobo Stenson) e menos intervenientes, enquanto Jason Moran trazia já atrás de si um rasto de erudição e vanguarda e um passado sólido como líder e autor.
O certo é que a colaboração entre os dois parece ter dado frutos, elevando a música dos dois a um patamar que se reflecte tanto na qualidade da música quanto no sucesso entre o público.
Hagar's Song consagra a colaboração dos dois gigantes. É verdade que se revela sempre alguma reverência de Moran perante o velho saxofonista, mas trata-se apenas de respeito. Creio que nenhum pianista alguma vez entendeu Charles Lloyd como ele: dir-se-ia um pianista de cantor(a), na forma como por vezes se insinua ao deixar ouvir a voz (o saxofone) ou se intromete, e a forma empática que o seu entendimento reflecte diz muito da sua estatura, da sua capacidade de ouvir e sentir. Tecnicamente Jason Moran é verdadeiramente insuperável, mas este disco, sempre contido nos limites da tonalidade e da consonância harmónica, apenas aqui e ali revela o pianista impetuoso e anguloso que a sua Bandwagon lhe autoriza. Mas aqui não é o momento: Jason Moran parece abandonar-se ao universo do velho saxofonista, embora ele nunca seja realmente um mero sideman, mas antes o seu contraponto.
Se Moran é genial no piano, não se sentem rugas no saxofone do velho (75 anos) saxofonista, verdades da gravação exemplar (ECM) ou sua prestação lenta, fugindo dos tempos rápidos, mas densa e dramática.
O alinhamento do disco é muito curioso, combinando velhos clássicos com temas pop e alguns originais onde se destaca a longa suite que dá o nome ao disco: «Pretty Girl» de Strayhorn, «Bess, You Is My Woman Now», de Gershwin, retirado de Porgy & Bess, um abandonado «You've Changed» de Carl Fischer (imortalizado por Billie Holliday), um delicioso «All About Ronnie» de Joe Greene (o piano e a voz), «Mood Indigo» de Ellington ou «Rosetta» de Earl Hines, muito a propósito em modo stride; dois temas pop: «I Shall Be Released» de Bob Dylan/ The Band, (dedicado ao desaparecido Levon Helm, histórico dos The Band), terminando com «God Only Knows» dos Beach Boys (com quem Lloyd tocou nos anos 70). Os originais, «Pictogram» e «Hagar Suite», ambos de Lloyd, são curiosamente os temas mais próximos do que seria de esperar de Moran (mais «modernos», harmonicamente invulgares), mas eles são, em especial «Hagar Suite», dedicado à sua tetravó, vendida como escrava com apenas dez anos, quase trinta minutos do melhor que Lloyd fez nos últimos quinze anos. Dramático, por vezes lancinante, a que (co)responde um Jason Moran alternando entre o impetuoso e o lírico, Lloyd retrata de forma emocionante a vida de Hagar, onde se pode imaginar o drama da escravidão, ou a violência da juventude roubada quando engravida aos catorze anos, num comoventemente lullaby.
O conflito resolvido entre o velho e o novo e um universo de argumentos que não se esgota no Jazz por dois músicos superlativos num disco belo e emocionante.