Fred Hersch Trio
Alive at The Vanguard
CD Palmetto 2012

Fred Hersch (p)
John Hébert (ctb)
Eric McPherson (bat)

Creio qualquer pianista se sentirá intimidado ao enfrentar o piano no Village Vanguard: esta é uma sala lendária e as sessões monumentais do trio de Bill Evans de 1961 com La Faro e Paul Motian, ou as de 1980 com Joe LaBarbera e Marc Johnson, marcaram de tal forma a história do Jazz que não podem deixar de constranger qualquer pianista. Mas ela não é, no entanto, uma casa desconhecida para Fred Hersch, que aí tocou e gravou em várias ocasiões, a solo ou à frente de formações diversas, e que reúne, para além da patine do tempo, condições acústicas excepcionais para o público e o registo.

Este regresso de Fred Hersch ao Village Vanguard tem por isso um sabor especial a consagração, de uma intensa e conturbada carreira que teve de permeio uma aprendizagem com Jaki Byard, George Russell ou Jimmy Giuffre, alunos com Brad Mehldau e Ethan Iverson (The Bad Plus), ou companheiros como Lee Konitz, Stan Getz, Art Farmer ou Joe Henderson. Em 2008, no entanto, uma prolongada doença atirou-o para um coma de dois meses em que perdeu as faculdades motoras, obrigando-o a reaprender os mais simples gestos e, naturalmente, a tocar o piano que foi desde sempre um quase prolongamento da sua personalidade. O renascimento que se operou após 2008 revelou um músico apossado de um frenesim que o leva a gravar e a tocar obsessivamente, sucedendo-se as tournées e os discos.

A formação que Hersch levou ao Village Vanguard é a mais clássica das formações: piano, baixo e bateria, e os músicos - Eric McPherson e John Hébert - são os eleitos de há algum tempo, com origens e passados bem diversos, que aqui se conjugam admiravelmente.
McPherson tem uma formação e um percurso relativamente clássico, com um estilo derivado do hard-bop, bastante impulsivo. Acompanhou Jackie McLean ao longo de quase quinze anos, mas tocou também com Abraham Burton, Avishai Cohen, Jeremy Pelt, Luis Perdomo, Jason Lindner, e ainda Steve Lehman, Andrew Hill e, desde Whirl (2010), Fred Hersch.
A história de Hebert é diferente. Mesmo se teve formação clássica e reconhece um período inicial em que os seus ídolos eram Dave Holland ou Gary Peacock, desde meados dos anos 90 que Hebert evoluiu para um contrabaixo mais erudito, tendo-se tornado conhecido como «o contrabaixista de Andrew Hill». Desde 2010, como McPherson (e já depois do desaparecimento de Hill), Hebert começou a tocar regularmente com Fred Hersch.
Rigor e versatilidade, consistência e inventiva em dois músicos completos, dois ouvidos atentos, capazes de tocar qualquer coisa. Eles são os outros dois lados do que é provavelmente o melhor trio de sempre de Fred Hersh.

O universo de Fred Hersch é claramente mainstream. O cancioneiro popular norte-americano ou os standards do Jazz não lhe conhecem segredos, mas ele parece ir construído imperceptivelmente um universo muito próprio na sua exploração. Exemplares são as suas interpretações de Monk, músico que aborda de forma muito original, como que o esvaziando da pulsão stride que o caracterizava, amaciando-o talvez, mas creio que acima de tudo interrogando-o, numa espécie de subversão poética. Um empolgante «Dream of Monk», mas especialmente «Played Twice» ilustram o amor de Hersch por Monk, como raramente se ouviu.

As baladas são o universo privilegiado de Fred Hersch, e elas não faltam em «Alive»: «Tristesse (for Paul Motian)» é a homenagem – belíssima - de Hersch ao baterista, com quem tocou por um curto período; o original «Rising, Falling»; ou os clássicos «Softly as a Moonligh Sunrise» e «The Song Is You».
Músico profundamente melódico, o seu melodismo insinua-se mesmo nas mais angulosas composições, não apenas em Monk, de que atrás falei, mas também Ornette, que aqui é representado por «Lonely Woman» e «Sartorial (For Ornette)»; este último um original de Hersch. E creio que apesar desse pendor melodista, as concepções harmónicas de Fred Hersch estarão (mais do que de Bill Evans, cujo nome surge com frequência ao falar-se de Hersch) mais próximas do homenageado Paul Motian ou essoutro melodista que foi Tommy Flanagan, cujo nome se torna evidente na poética que escorre em Hersch.

Mas mais do que um disco de baladas, «Alive» é um compêndio Hersch, para onde o pianista convocou (quase) todos os seus heróis: e já falámos de Ornette e Monk e Motian, mas onde estão também Miles e Parker e Sonny Rollins-, e onde a alegria parece com frequência querer tomar o lugar da melancolia dos discos anteriores. «Havana», é disso exemplo, «Segment», em tempo rápido, um «Doxy» em formato blues, ou «Jackalope», a transfiguração musical de uma criatura mítica, metade lebre e metade antílope.

«Alive at The Vanguard» é um verdadeiro compêndio Hersch e um dos melhores discos de Fred Hersch de sempre.