Joe Lovano USFive
Folk Art

CD Blue Note, 2009


Joe Lovano (s)
James Weidman (p)
Esperanza Spalding (b)
Francisco Mela (bat)
Otis Brown III (bat)

Joe Lovano estabeleceu-se ao longo das últimas duas décadas como um dos nomes maiores do saxofone contemporâneo; não propriamente um original no discurso ou na sonoridade, mas ainda assim modelar num saxofonismo que é uma síntese/ evolução (insuspeita) dos saxofonistas pré-coltraneanos. O percurso de Lovano foi desde o seu início - em bandas de R&B, a tarimba com Woody Herman e a passagem pela orquestra de Mel Lewis - até hoje verdadeiramente atípica; capaz de assinar discos de puro bop até à frutuosa colaboração com Bill Frisell e Paul Motian (que vimos no Jazz em Agosto de 1986 num concerto verdadeiramente histórico), em homenagem ao popular folclore-operático da sua memória Caruso ou aos standards de Sinatra, «sem rede» em trio com Dave Holland e Elvin Jones ou em projectos mais orquestrais.
Folk Art foi capaz uma vez mais de nos surpreender. Desta vez no entanto não tanto pela sua (aliás inspiradíssima) prestação no saxofone, mas pela riqueza harmónica-rítmica do projecto. Para além de um conjunto de originais a confirmá-lo como compositor, o próprio arranjo deverá ser notado como absolutamente indissociável.
A introdução de uma segunda bateria no novíssimo USFive, não sendo em si mesma uma originalidade, revela-se singular na sua forma. Em primeiro lugar trata-se realmente de dois bateristas - Francisco Mela e Otis Brown III - e não (quase nunca) da mais vulgar «pró-étnica» bateria e percussão. Depois eles de facto nunca se sobrepõem, mas complementam-se, enriquecendo de forma raramente vista o painel rítmico sobre que a composição se desenrola: nenhuns laivos de intervenção mais descabelada, mas sempre rigor e acerto; nenhuma prestação despicienda ou excessiva. Discretos, mas igualmente atentos estão na secção rítmica a jovem estrela Esperanza Spalding e o não menos notável James Weidman.
As composições são fortíssimas começando por Powerhouse, de inspiração obviamente monkish, ou a Folk Art que dá o nome ao disco com o pianista a participar activamente com Lovano no desenho do tema; Weidman que discute também com o saxofone a melodia do cálido Wild Beauty ou da belíssima Song For Judi e se revela no curto solo de Ettenro. Curiosa é a introdução do soprano duplo no funky Dibango, numa homenagem provável aos uníssonos impossíveis do grande Roland Kirk que Lovano sempre admirou. Rude e caloroso, lírico e impetuoso, no clarinete e saxofones, Joe Lovano, a construir um dos grandes discos do ano.
O nome do CD, Folk Art, está obviamente errado: folk art pressupõe uma imobilidade que não existe no Jazz e muito menos neste CD de Joe Lovano, onde o Jazz avança mais um passo, confirmando-se como não apenas a mais erudita das músicas populares, mas também a mais popular das músicas eruditas.