The
Claudia Quintet
Royal Toast
CD
Cuneiform, 2010
John Hollenbeck (bat, per),
Ted Reichman (aco)
Chris Speed (cl, st)
Matt Moran (vib)
Drew Gress (ctb)
Gary Versace (p, aco)
A música do The
Claudia Quintet é a meu ver
das mais intrigantes do panorama Jazz contemporâneo, sem correspondente.
Como num laboratório, os membros do grupo manipulam os instrumentos
na construção de peças que pouco têm a ver com a
temática ou sequer a forma tradicional do Jazz, mas que escapam do mesmo
modo a outras classificações eruditas ou folclóricas.
Há algo de um folclore imaginário, fragmentos, como lampejos,
sob complexas estruturas onde se articulam as componentes escritas e a improvisação.
As originais combinações tímbricas saxofone/ clarinete – acordeão – vibrafone,
já evidenciadas anteriormente, ganham aqui relevância com a introdução
do piano de Gary Versace. O acordeão, que compõe bastante do
timbre orquestral no som do The Claudia Quintet, afasta-se também do
universo popular com que ele é conotado vulgarmente, surgindo aqui com
frequência dissonante.
Mas nunca como antes na música de John Hollenbeck se tinha manifestado
de forma tão evidente a sua condição de baterista: Royal
Toast é assolado por ritmos que ainda assim nada têm a ver com
o que é habitual no Jazz ou em quaisquer folclores, denotando a inspiração
na música contemporânea, e poderíamos invocar Philip Glass
ou Steve Reich e, claro, por outro lado Anthony Braxton, nalgumas manifestações
onde as estruturas rítmicas assumem particular interesse. Ainda assim,
em qualquer dos casos citados, Hollenbeck parte sempre a ganhar, nem tanto
pela exibição das capacidades como instrumentista, mas pela subtileza
como usa os conhecimentos próprios (de baterista) para construir as
tessituras. Com quatro instrumentos na secção rítmica,
que incluem o piano e o vibrafone, o patchwork ganha uma dimensão inusitada,
onde todos eles contribuem para a construção da harmonia, que
de forma alguma se ajusta no vulgar. Por vezes, como em Karamag, este parece
ser um trivial combo de Jazz, logo desmentido na introdução de
Paterna Terra, ele também a introdução para a suite que
começa em Armittage Shanks, entrecortada por curtos solos de acordeão,
contrabaixo, vibrafone e saxofone, e que culmina de forma nunca antes ouvida
no Jazz em Royal Toast, que dá o nome ao disco.
Em Royal Toast, a luxúria e o desconcerto das formas rítmicas
que o atravessam raiam por vezes o paroxismo, pondo a nu as antinomias na sua
relação com o Jazz ou a música «ocidental» erudita.
Torna-se clara a sua rejeição pela reverência na tradição
Jazz e a sua pretensão de construir um objecto que está para
além do Jazz, mas o que ele retira da música erudita confirma
a sua precedência Jazz: é obvio que nenhum músico «saído
do conservatório» poderia construir esta música, não
apenas porque ela a espaços faz questão de referir explicitamente
ao Jazz, mas porque é uma música que vive em permanente conflito
entre o indivíduo e o colectivo, tal como foi enunciado por Duke Ellington.
Quero dizer, a música clássica é construída para
ser tocada anonimamente, mesmo se partes das composições evidenciam
um violino ou um piano, e é verdade também que sempre existiram
grandes improvisadores – o paradigma será Bach -, como alguma
música é construída para alguns intérpretes específicos – outro
exemplo são os irmãos Kontarski, pela sua singularidade como
instrumentistas -, mas no Jazz, pelas suas características, o individual é tão
importante quanto o colectivo. Poderá mesmo falar-se em conflito: por
um lado, um músico de Jazz vive num colectivo e por outro ele é sempre
um instrumentista dotado de personalidade própria. Sem me prolongar,
nas escolas de Jazz a cadeira de combo (significa «apenas» saber
ouvir os outros) é tão importante quanto a do instrumento, e
(para os que gostam de falar mal das escolas) recordo que toda a gente (ok,
muita gente) sabe todos os nomes dos membros das orquestras de Ellington, chegando-se
a falar dos períodos A e B, e realmente Duke compunha para eles, e essa
tradição, melhor, essa característica, mantém-se
na Orquestra de Maria Schneider e, obviamente em John Hollenbeck.
Esta confirmação de Hollenbeck no seio do Jazz revela-se enfim
na exuberância rítmica que é também paradigmática
do Jazz, e diríamos que em Hollenbeck ela é desconcertante, insinuante,
subtil, envolvente.
Exuberante também harmonicamente – este é um monumento
de composição -, eu creio que Real Toast acabou po passar relativamente
despercebido no seio do Jazz e da música contemporânea no ano
passado, pela recusa da sua filiação em qualquer escola, mas
também
pela arquitectura tímbrica, que parece evocar um folclore imaginário
que referi, e que não tem igual no Jazz ou na música clássica.
Música
que não procura o agradável, irreverente, subtil, inovadora,
excitante, sem fronteiras a de John Hollenbeck: a modernidade está aqui.
Cinco estrelas é pouco para o classificar.