Tony Bennett (voz)
Bill Evans
(p)
Sei que vou dizer qualquer
coisa de escandaloso, mas eu sempre me enterneci com
a voz de Tony Bennett, tanto como me aborreci com Frank Sinatra. A diferença
que sempre senti neles é que Sinatra é um monstro de técnica
e um produto da indústria (e diziam as más línguas que
da máfia), enquanto Bennett é um natural. Não pretendo
fazer a biografia dos dois cantores e a minha «polémica» morre
já aqui, mas creio que «A Voz» teve sempre atrás
de si uma poderosa produção que lhe permitiu nunca correr riscos,
enquanto Tony Bennett, apesar do tremendo sucesso que lhe valeram quinze
Grammys, teve um percurso irregular que fazia seguir verdadeiras estopadas
a momentos de génio.
Nascido em Queens, Tony Bennett sempre se manteve um genuíno cantor
popular e despretensioso. O disco de estúdio com o pianista Bill Evans
de 1975 terá sido o mais longe que foi na erudição, e é um
bom exemplo da irreverência de Bennett e do seu gosto pelo risco. O disco
foi um tremendo sucesso e os dois músicos acabariam por se reunir no
ano seguinte para nova gravação.
Sem a presença da orquestra a que estava mais habituado, a voz de Tony
Bennett alcança um grau de despojamento raro que é assistido
pelo piano denso de Bill Evans; numa fórmula perturbante de «minimalismo
luxuriante».
Pouco habituado a acompanhar cantores Bill Evans nunca se remete para um papel
secundário, intervindo como uma outra voz, com alguns momentos verdadeiramente
sublimes; e não se pode dizer que este seja de facto um disco de um
cantor, tal a empatia e complementaridade dos dois músicos.
Esta edição da Fantasy/ Universal de 2009 reúne não
apenas as edições de 1975 e 1976, como ainda as alternate
takes dos dois discos, numa fórmula muito apreciada pelos amantes do Jazz – para
quem se tornou um verdadeiro disco de culto -, e de uma forma até bastante
correcta: as duas edições originais no primeiro CD e as alternate
takes num segundo. O repertório é integralmente constituído
por clássicos do cancioneiro americano, incluindo o célebre Waltz
For Debby de Bill Evans em muito mais de duas horas de standards; e o risco
que a edição corre será apenas o de oferecer uma verdadeira
overdose de música.
Creio que é o tipo de disco que ou se ama ou detesta: quem não se enternecer
com o Young And Foolish que o abre pode desistir.