Vijay
Iyer Trio
Historicity
CD
ACT 2009
A última década
viu surgir um número
expressivo de jovens pianistas. Entre as características significativas
destes pianistas estão um virtuosismo empolgado e um
conhecimento do universo pianístico sem precedentes, que cruza com frequência
uma sólida formação clássica e uma paixão
arrebatada pelo Jazz, mas que denuncia amiúde origens
folclóricas alheias ou o crescimento vivido pop/ rock.
Curiosamente também, muitos destes pianistas vêm escolhendo com
sucesso como expressão a fórmula clássica de piano – contrabaixo – bateria.
Filho de emigrantes indianos, Vijay Iyer é um dos mais distintos pianistas
desta geração. A biografia de Iyer refere estudos de 15 anos
de violino clássico e uma formação autodidacta de piano
e também estudos em música clássica e religiosa indiana.
Singularmente a sua formação inclui ainda uma licenciatura
em física e matemática a par de um interesse inusitado
pelas ciências sociais e pelas artes.
Uma citação do filósofo
marxista António Gramsci que pretende esclarecer a noção
de historicidade que dá o nome ao disco abre as liner notes do último
CD; o nome de um dos seus combos, Spirit Complex, é retirado de um conceito
caro à antropologia cultural norte-americana; a inclusão do tema
«Dogon A.D.» (de Julius Hemphill) refere-se aos Dogon, uma das culturas africanas
mais estudadas pela antropologia social e cultural do século XX, ou
ainda referências esparsas aos emigrantes ou a própria integração
de elementos etnográficos na sua música são significativos.
Refira-se que o Gramsci das liner notes tem interessado os cientistas
sociais indianos (mas não
apenas) devido à sua definição de «classes subalternas»,
que acabariam por gerar uma nova disciplina «Estudos da Subalternidade» (Subaltern
Studies).
O último CD de Iyer - Historicity - pertence à categoria do
trio de piano, onde toca com Stephan Crump e
Marcus Gilmore que o acompanham desde há sete anos. Historicity é possuído
por uma vertigem que nunca é gratuita.
A
diversidade de referências oferece ao pianista uma erudição
invulgar, que se reflecte também na heterodoxia que impele o seu pianismo
e que está evidente em Historicity nos seis temas alheios que vão
de Leonard Bernstein («Somewhere», de West Side Story) a um tema de Andrew Hill,
por quem tem confessa admiração, o músico pop Stevie Wonder,
um tema da cantora de hip-hop M.I.A., um outro do organista funk Ronnie
Foster e o já referido «Dogon A.D.» de Julius Hemphill. Historicity conta
ainda com quatro originais.
Vijay é um pianista tremendo. De forma diferente de muitos dos seus
pares ele não é um bopper, tão-pouco é influenciado
por Keith Jarrett e nem a sua filiação nos pianistas de «vanguarda» é clara.
Ele não é caótico como Cecil Taylor, intimista (ou silencioso?)
como Paul Bley, e mesmo a sua homenagem a Andrew Hill está longe de
ser reverente. Curiosamente a única associação que surge
como mais evidente – no tema hip-hop- é, por razões óbvias,
Esbjorn Svenssen, a malograda estrela da ACT. Esta associação
parece realmente mais óbvia na versão «riot» do hip-hop Galang, mas poder-se-ia evocar também Brad Mehldau em Largo…
Talvez menos anguloso e radical que noutros momentos com o companheiro de sempre,
o saxofonista Rudresh Mahanthappa, a História e o Futuro (não
se pensa o futuro sem olhar o passado) revelam-se sem preconceitos nos dedos
de Vijay Iyer; e a linguagem que usa é um Jazz culto e complexo, impetuoso
e transbordante de criatividade.
Vijay Iyer (p)
Stephan Crump (ctb)
Marcus Gilmore (bat)