Publicado em Jazz.pt n.º 4
Fevereiro de 2006

 

 

Entrevista com Dave Liebman:

«Não se pode esperar que a música hoje possa ser bebop ou free jazz, porque são correntes do passado. Elas deram muito ao Jazz e abriram os horizontes do Jazz e o Jazz de hoje contém elementos desse Jazz antigo, mas o Jazz que eu faço é o resultado disso»


Leonel Santos: Tocou em Cascais em 1972, com Elvin Jones. O que é que mudou na sua música desde então?
Dave Liebman: Eu lembro-me desse concerto. Nessa altura eu era um sideman praticando com um mestre. Depois disso toquei com Miles Davis, alguns tempo depois, em 1973/74. E esse foi o tempo do meu treino, da minha aprendizagem. E claro que como qualquer jovem músico que está a aprender, eu tentava tocar o seu repertório e aprender a sua forma de tocar e cumprir com aquilo que se espera do saxofonista do grupo de Elvin Jones ou do Miles Davis. Desde esse tempo, desde há 30 anos, eu tenho a minha própria banda, sou o meu próprio leader, tenho os meus próprios discos e os meus próprios projectos e claro que depois de algum tempo, supostamente terei desenvolvido o meu próprio estilo e minha própria forma como vejo e conceptualizo a música.

LS: E o que considera a conceptualização da sua música?
DL: Eu vejo a música como uma arena muito larga, diria ecléctica à falta de melhor palavra; mas eu gosto de tocar estilos muito diferentes e integrá-los na minha música. Esta noite esta banda tocou o que se pode chamar fusão, mais alguma música étnica ou world music, free jazz, standard jazz, ballad jazz; para mim é tudo o mesmo. O que importa é a forma como decides fazer e como se espera que o teu estilo prevaleça sobre todos estes diferentes idiomas. Não se pode esperar que a música hoje possa ser bebop ou free jazz, porque são correntes do passado. Elas deram muito ao Jazz e abriram os horizontes do Jazz e o Jazz de hoje contém elementos desse Jazz antigo, mas o Jazz que eu faço é o resultado disso, desse Jazz que eu conheci e pratiquei, mais toda a música de todo o mundo que eu conheci e da experiência que troquei com todos os músicos com quem toquei.

LS: Qual é a importância da escrita na sua música?
DL: Há imensa escrita nesta banda. A escrita está na estrutura e na apresentação e em tudo.

LS: Refere-se à composição ou aos arranjos?
DL: Ambos. São coisas diferentes. Composição é uma coisa, orquestração é outra. Eu faço arranjos para standards como "My Favorite Things", eu faço arranjos para composições de outros como as que Vic Juris escreveu para a banda. Eu faço delas o que quero para a banda. E claro que nas minhas coisas eu componho e orquestro. De certa forma para mim compor significa desenvolver desafios para a banda. Orquestrar é pôr as coisas da forma ideal para serem tocadas pelos teus músicos. Dito de outra forma, é preciso "julgar" as "forças" das pessoas com quem tocas. E usá-las em teu benefício e da música que queres tocar. Isto eu aprendi com Miles Davis.

LS: Se eu compreendi, faz os arranjos para esta banda em particular, para estes músicos?
DL: Sim. Se eu tivesse outros músicos esta noite, as orquestrações, os meus arranjos seriam com certeza diferentes. E talvez mesmo as composições. Se tivesse tempo com eles, o produto final seria com certeza diferente na maior parte das vezes. Porque o importante quando se é o leader de uma banda é obter o máximo potencial dos acompanhantes, da banda. O que eles fazem melhor, é o que deves ser capaz de trazer para cima. Deves trazer à tona o que eles sabem fazer melhor e não as suas fraquezas.

LS: Recordo-me que quando tocou em Cascais em 1972, me pareceu verdadeiro Coltrane.
DL: Ele era, e ainda é, a minha maior influência; ainda hoje. Ele é a minha principal razão para tocar música. Espiritualmente, nas tácticas e na postura, musicalmente, na forma como é construída e como se apresenta. Claro que ao longo dos anos eu absorvi um certo número "das linguagens" de Coltrane e eu tenho tentado adaptá-las ao meu próprio estilo e às minhas necessidades, mas claro que nunca podemos ser tão bons como o mestre....

Entrevista com Dave Liebman
em 18 Nov. 2005

Dave Liebman na Internet