«Eu não me importo que as pessoas encontrem uma forma de a obter (a música, os CDs) grátis…É mais importante que as pessoas ouçam a música.... A maior parte do dinheiro que podes ganhar como músico provém da tournée. Então quanto mais pessoas ouvirem a música, o melhor para o concerto.»
Apenas quinze minutos antes do soundcheck do concerto do Overtone Quartet (Guimarães Jazz – Novembro 2009), Dave Holland acedeu a uma curta mas interessante entrevista.
JazzLogical. Dez anos atrás entrevistei-o para o Independente onde eu escrevia por essa altura. Uma das questões que lhe coloquei foi porque não tinha pianistas nos seus grupos. A resposta foi que o piano era um instrumento muito dominante. E que Dave queria mais espaço para o baixo. O grupo que vai tocar hoje tem um pianista. O que é que mudou?
Dave Holland. Bom,
eu precisava de espaço para a música, não para o baixo.
Por essa altura eu queria um contexto harmónico mais aberto.
Quando foi
isso? Porque desde 1989 eu venho usando instrumentos harmónicos. Eu tive uma
guitarra com Kevin Eubanks e depois um vibrafone com Steve Nelson. Para mim
nunca foi uma questão de harmonia. De certa forma eu
procurava
o pianista
certo,
porque
esta é a
questão que eu talvez tenha colocado. Porque eu disse isto antes; que
se Duke Ellington estivesse disponível ou Thelonious Monk, eu estaria
interessado. Pela forma como eles usavam o piano, muito orquestral; muito limpa
e com muito espaço.
Neste momento eu tenho um pianista comigo, Jason Moran. Jason é um músico
muito importante e muito único; mas ao mesmo tempo ele sustenta-se na
tradição de Ellington, Monk, Andrew Hill. Para mim ele usa o
piano de uma forma muito especial.
E, como sabe, a música muda com o tempo. E as necessidades da música
mudam também. O meu último disco é um sexteto com Mulgrew
Miller no piano. Chama-se Passed On. É um sexteto e a música
que eu concebi para ele precisava de um piano. E também porque eu queria
tocar com Mulgrew Miller. Porque eu o aprecio muito. Tenho outro disco com
Gonzalo Rubalcaba. O Monterey Quartet. Outro grande pianista
e outro pianista único.
JazzLogical. Tocou com Thelonious Monk. Quando foi isso?
Dave Holland. Jason Moran acaba de me oferecer um disco gravado pelo saxofonista comigo
a tocar com Monk no Village Vanguard em 1972.
Depois disso toquei com Stan Getz. Um ano e meio. Há um disco que se
chama The Left Bank Jazz Society. Trabalhei com Stan Getz por essa altura e
durante o tempo quando eu não estava na estrada com Stan, Monk convidou-me
para tocar com ele.
JazzLogical. Quem mais tocava consigo?
Dave Holland. Paul Jeffrey e T. S. Monk, o filho. Creio que foi a primeira vez que ele tocou com o pai.
JazzLogical. Nasceu em Inglaterra. Começou a tocar aí?
Dave Holland. Eu nasci em Wolverhampton, no centro. Comecei a trabalhar como músico com 13 anos. Tornei-me profissional com 17 e mudei-me para Londres. Vivi em Londres durante quatro anos e depois em 1968 mudei-me para New York para tocar com Miles.
JazzLogical. Uma
outra pergunta que lhe quero colocar está relacionada com Miles Davis.
Na anterior entrevista, há dez anos atrás, perguntei-lhe como
era tocar com Miles. Respondeu-me que ele era um grande líder com quem
tinha aprendido muito.
Há um video com a vida de Miles Davis, um filme biográfico onde
a certa altura Dave está com Jack DeJohnette a rir de histórias
desses tempos. A dada altura alguém lhe pergunta quais foram as instruções
de Miles na gravação de Bitches Brew.
Dave riu-se e respondeu que Miles lhe disse: «vai tocando».
Isto não me parece um bom exemplo de uma forte liderança…
Dave Holland. Um líder forte dá poder às pessoas. E Duke Ellington,
John Coltrane, Miles Davis; todos os grandes líderes davam poder aos
músicos. E decisão.
Eu aprendi muito com ele. Quando escrevo eu crio música com espaço
para os músicos. Para terem poder, para tocarem as suas próprias
ideias.
O que eu quero dizer é que eu crio procurando criar situações
que criem oportunidades para os músicos.
JazzLogical. Mudando de assunto. Dave tem a sua própria etiqueta. Ainda vende discos; quer dizer, com a pirataria e a Internet, ainda ganha dinheiro a vender discos?
Dave Holland. Isso não me importa desde que as pessoas ouçam a música.
Eu não me importo que as pessoas encontrem uma forma de a obter grátis.
É
mais importante que as pessoas ouçam a música. O principal sempre
foi o concerto. A maior parte do dinheiro que podes ganhar como músico
provém da tournée. Então quanto mais pessoas ouvirem a
música, o melhor para o concerto.
JazzLogical.Então o disco é como um cartão de apresentação?
Dave Holland. É um documento. O documento de um momento. De um projecto. É o que é.
JazzLogical.Quais são os seus planos para os próximos tempos?
Dave Holland. Depois do tour com o Overtone,
neste momento eu estou a lançar
um novo site que é o daveholland.com. Já existe um site há muito
tempo, mas agora temos um novo site.
E vai sair um novo disco que será um octeto que é composto pelo
meu quinteto, Chris Potter, Robin Eubanks, Nate Smith e Steve Nelson, e três
outros sopros, Antonio Hart, Gary Smulyan e Alex Sipiagin. Vibrafone, bateria,
saxofone alto, saxofone tenor, saxofone barítono, trombone e trompete.
E baixo. Gravámos ao vivo no Birdland em Janeiro e o disco vai ser lançado
no novo site em Dezembro. E em Fevereiro do próximo ano será lançado
em CD no mercado.
Também tenho um projecto flamenco com Pepe Habichuela. Provavelmente
não o conhece. Ele é actualmente um dos maiores mestres da guitarra
flamenco. Ele tem aproximadamente a minha idade e vem de uma grande família
de cantores e bailarinos. E nos últimos três anos eu tenho ido
a Espanha trabalhar com ele e a desenvolver a música. Em Março
deste ano gravámos em Madrid e este disco estará cá fora
em Junho na minha etiqueta. Com Pepe, o seu filho, Josemi Carmona e dois tocadores
de cajon. E eu espero vir a Portugal com eles. É flamenco tradicional;
não é jazz flamenco. Eu escrevi duas canções para
o disco, mas a maior parte dele são danças tradicionais, fandango,
segurias, bulerias e outras. Música maravilhosa. Espero que gostem.
http://www.daveholland.com/