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Norman Granz
Morreu
Norman Granz. Com o seu desaparecimento no passado dia 22 de Novembro, é mais
um capítulo que se encerra na História do Jazz.
Nascido em Los Angeles em 1918, dedicou toda a sua vida ao Jazz a partir
do início dos anos 40. Granz foi o mais importante produtor da História
do Jazz. Ele foi o criador das etiquetas Verve, Norgran, Clef e Pablo, com
milhares de títulos por si mesmo directamente produzidos, e foi igualmente
o «inventor» do célebre Jazz At The Philharmonic (JATP).
Jazz At The Philharmonic
A
sua ideia original era aparentemente simples, mas profundamente inovadora
para a época: reunir num mesmo palco (do Philharmonic Auditorium
de Los Angeles) músicos de diferentes escolas e estilos – se
bem que predominantemente mainstream - em jam sessions que registava e
editaria.
O primeiro concerto aconteceu na tarde de Domingo de 2 de Julho de 1944
e reuniu o sax tenor de Illinois Jacquet, o pianista Nat King Cole, Les
Paul
na guitarra, um outro saxofonista, Jack McVea, a trompete de Shorty Sherock,
o portentoso trombone de J.J.Johnson, Johnny Miller e Red Callender em contrabaixo
e Lee Young na bateria. Nem todos os músicos tocavam em todos os temas.
O sucesso da iniciativa levou o empresário a novas e novas reuniões,
com resultados obviamente desiguais, pela própria noção
de «jam session».
A fórmula foi criticada pela crítica de Jazz da altura (mas
entusiasticamente aplaudida pelo público), pela perspectiva mais comercial
que musical que determinaria a oportunidade e motivação dos
concertos. A verdade é que a JATP haveria de ser testemunho de alguns
dos encontros mais estimulantes da História do Jazz. E também é verdade
que de outros menos interessantes. Entre monstros sagrados do Jazz e músicos
de ocasião, reuniões impossíveis do tipo jovens boppers
e veteranos do swing, entre o histórico e o questionável, tudo
Granz levaria ao palco do Philharmonic Auditorium, até à alegada
indisponibilidade da sala em 1946 por motivos pouco claros, que foram entendidos
como reacção de contornos racistas perante a crescente miscigenação
do público.
Granz decidiu então encetar uma tournée «permanente» da
JATP que o levaria aos locais mais recônditos dos Estados Unidos, e
depois pela Europa, Japão e Austrália. Alguns músicos
tornaram-se «esidentes» da JATP, entre os quais a secção
rítmica liderada por Oscar Peterson e a cantora Ella Fitzgerald. A
JATP continuou a funcionar até 1967, um período algo conturbado
para Norman Granz.
CLEF, NORGRAN, VERVE
Desde o início da aventura JATP que Norman Granz tudo registava. Com
a ajuda de alguns amigos produziu os primeiros registos live da JATP. Tendo
começado por trabalhar com a Mercury, para quem vendeu algumas das
gravações, depressa se decidiu por editar ele mesmo os concertos
que produzia. Foi assim que nasceu a Clef em 1946, a que se seguiriam a Norgran,
a Verve e a Pablo; esta última já em 1973.
A etiqueta Verve surgiu em 1955 em simultâneo com o formato LP, o que
lhe permitiu lançar-se definitivamente na edição integral
dos concertos live da JATP (curiosidade: o seu primeiro concerto, de 1944,
editado em 78 rotações, estava dividido em três partes
por razões técnicas!!! ) Um dos motivos do enorme sucesso editorial
da Verve, como das labels que lhe tinham antecedido, terá sido exactamente
a adopção vanguardista das técnicas inovadoras da High
Fidelity ao Stereo e o enorme incremento na minutagem dos novos formatos,
até aí limitada aos três minutos.
O Jazz fervilhava nesses primeiros tempos da segunda metade do século.
Nos anos seguintes a acumulação do património da Verve
atravessou em diagonal todas as correntes do Jazz, embora com privilégio
evidente para o mainstream.
Um dos seus mais geniais golpes de asa aconteceu com a arregimentação
de Ella Fitzgerald, que arrancou das mãos da DECCA, para fazer dela
bastante do rosto da JATP, ao lado do pianista de origem canadiana Oscar
Peterson; verdadeiros heróis das plateias.
O
ESPÍRITO VISIONÁRIO
O espírito visionário, que será também mercantilista,
associado a um agudo sentido de oportunidade, levaria Granz bem longe: ele
gravou para a Verve coisas tão distintas quanto o Jazz West Coast
de Stan Getz, os trabalhos para cordas de Charles «Bird» Parker
e algumas obras primas do bebop de Dizzy Gillespie com Parker e Thelonious
Monk e os trios de Bud Powell, as incursões de Dizzy nos ritmos latino-americanos,
as grandes orquestras de Count Basie e Duke Ellington, as masterpieces de
Art Tatum, Billie Holiday que para ele cantaria durante cinco anos e enfim
Lionel Hampton, Armstrong, Anita O’Day, Blossom Dearie, Benny Carter,
Illinois Jacquet, Buck Clayton, Cannonball Adderley, Ben Webster, Coleman
Hawkins, Johnny Hodges, e Lester Young, Roy Erldridge, Antonio Carlos Jobim,
Gerry Mulligan e o encontro de Lee Konitz e Jimmy Giuffre de 1959. São
centenas de títulos! A Ella Fitzgerald, Norman Granz fez gravar a
totalidade dos repertórios de Gershwin, Cole Porter, Jerome Kern e
Rodgers and Hart. Durante bastante tempo, o pilar financeiro da JATP terão
mesmo sido as gravações do integral de Cole Porter acompanhada
da big band de Buddy Bregman e «Porgy and Bess», onde Ella «contracenava» com
Louis Armstrong.
O outro dos meninos queridos de Granz do período JATP/ Verve foi sem
dúvida o excessivo Oscar Peterson que dirigiu a secção
rítmica de um sem conto de registos de ocasião da label.
PABLO
Em 1960, Norman Granz venderia a Verve à MGM, embora tenha continuado à sua
frente por algum tempo. Seria substituído por Creed Taylor.
Treze anos mais tarde, no entanto, Norman Granz regressa à actividade
editorial na primeira pessoa com a criação da Pablo. De novo
um frenesi se apossou de Granz, levando-o a registar e editar centenas de
títulos; de novo arregimentando Ella Fitzgerald e Oscar Peterson,
mas também Count Basie e Duke Ellington, e ainda Joe Pass, John Coltrane,
Dizzy, Sarah Vaughan, Milt Jackson, Benny Carter e Zoot Sims, entre inúmeros
outros. Gravou e editou os integrais dos festivais de Montreux de 1977 e
1979, adquiriu os direitos das gravações de Art Tatum dos anos
50, que viria a reeditar, e ainda da JATP.
Em 1987, incapaz de continuar devido a sérios problemas de saúde,
vendeu o catálogo à Fantasy.
Os dois catálogos, Pablo e Verve, têm vindo a ser reeditados
com regularidade. Enquanto a Verve/ Universal tem optado por luxuosas edições
digipak remasterizadas, juntando gravações dispersas por vários
LPs ou nunca sequer antes editadas, entre as quais algumas false starts ou
versões alternativas, a Pablo/ Fantasy optou por manter os temas dos
LPs originais, se bem que tratados com as técnicas digitais de 20
bits e igualmente em formato digipak.
APAIXONADO PELO JAZZ
Apaixonado pelo Jazz, como produtor ele foi durante muito tempo criticado
pela intelligentsia pela suposta leviandade com que produzia os encontros/
concertos. Alguma verdade se poderá encontrar na afirmação
quando comparada com a prática de outros produtores, mas a verdade é que
esta sua atitude era em boa medida premeditada, e os resultados falarão
por certo mais alto: a ele se devem alguns dos melhores concertos e gravações
de toda a História do Jazz! E será difícil olhar para
Granz e não observar o papel progressivo que cumpriu ao elevar o
Jazz à categoria de forma de Arte.
Este é um dos grandes méritos de Granz. O produtor Norman Granz
surgiu na cena numa conjuntura em que o Jazz adivinhava o encerrar de um
capítulo, e ele ajudou a fazê-lo: se num primeiro momento o
Jazz tinha surgido como música popular tocada e festejada por toda
uma comunidade (New Orleans); no período imediato, com o advento do
swing, ele transformou-se bastante em música de dança, e se
bem que restringindo o leque dos produtores, mas alargando o auditório
a toda uma comunidade branca sedenta de inovação. O swing era
música com um elevadíssimo grau de qualidade formal, disfarçada
de puro entretenimento (curiosamente um dos mais importantes músicos
de sempre do Jazz, cujo reconhecimento ultrapassa unanimemente a músicas
negra - Duke Ellington - considerava-se a si mesmo como um simples «entertainer»).
O
FIM DE UMA ÉPOCA
Granz representa o termo dessa época. A partir da JATP, o Jazz passou
a ser reconhecido como Arte. Quem queria ouvir Jazz, ia às mesmas
salas de concerto onde também se executava música clássica.
O Philharmonic Auditorium era uma sala paradigma. Os músicos de Jazz
deixavam de ser selvagens risíveis para se tornarem respeitáveis
artistas e executantes de nobre arte. Esta atitude para com o Jazz era acompanhada
por um tratamento único com os músicos, que fez de Granz o
mais querido dos empresários do Jazz: bons salários, bons hotéis,
melhores restaurantes, escolha criteriosa de salas e de público, recusa
de toda e qualquer discriminação racial. A América não
estava preparada para isto.
E quando o Philharmonic encerrou as portas ao Jazz, em 1946 e a JATP rumou à Europa,
Granz saboreou o gosto do sucesso da razão por que lutava: a Europa
saía de uma guerra que a tinha ferido profundamente e ansiava também
ela por novidades; mas, importante, por outro lado tinham triunfado – também
nas mentalidades - as ideias anti-racistas, que o Jazz «culto» de
Norman Granz satisfazia.
Nos últimos anos da sua vida Norman Granz fixou-se na Europa, o que
não terá sido ocasional. O gosto pela cultura e a Arte, pelas
coisas refinadas, e uma particular elegância na postura, levaram-no
a cruzar-se com pintores, escritores, músicos e artistas de todos
os matizes, com quem privava e com quem gostava de relacionar os fantásticos
Artistas que representava.
Enfim, com o desaparecimento de Granz, é mais um capítulo que
se encerra. Se será certo que o Jazz mainstream que Norman Granz encenava
nos palcos da JATP se pratica ainda hoje em todo o mundo - em auditórios
majestáticos ou salas de concerto, em pé de igualdade com as
música eruditas - e mesmo se cultiva e estuda em escolas e universidades
e é tema de seminários e conferências; a ideia de Jam
Session que fez bastante do Jazz até aos anos 70, tende a ser substituída,
mesmo no Jazz mainstream, por um Jazz conceptual que não tem mais
lugar na rua, e que lentamente tende a dissolver o acaso, o fortuito e até mesmo
a própria ideia de improvisação que tão intimamente
está ligada à própria noção de Jazz.
Leonel Santos
In All Jazz n.º 1, Fevereiro 2002
(foto by Gottlieb)