O testemunho discográfico do jazz esquece alguns encontros de grandes músicos que marcaram o jazz. É o caso do encontro entre Lester Young, o genial saxofonista tenor de Kansas City e o guitarrista de Oklahoma, Charlie Christian, dois músicos que definiram uma orientação conceptual do jazz.

Vivia-se a era do swing dos anos 30 e 40, com o jazz dominado pelas grandes orquestras e com grande aceitação popular. Todavia muitos músicos das grandes orquestras gostavam de se soltar em pequenos grupos. Os líderes das grandes bandas fomentavam o fenómeno, apadrinhando pequenas bandas dentro da própria banda, de forma a dar maior variedade à sua apresentação. Era o caso de Benny Goodman. Goodman dirigia três pequenos conjuntos, o trio, com Teddy Wilson e Gene Krupa, o quarteto, juntando àqueles o vibrafonista Lionel Hampton e, finalmente, um sexteto com o seu guitarrista, Charlie Christian, por onde passavam instrumentistas exteriores à banda.

No dia 28 de Outubro de 1940, reuniram-se nos estúdios da Columbia um contingente da banda de Goodman com ele próprio mais Charlie Christian e o contrabaixista Artie Bernstein e outro grupo procedente do universo de Count Basie, com o pianista mais Buck Clayton no trompete, Lester Young no saxofone tenor e Jo Jones, bateria. Talvez o produtor John Hammond tivesse em perspectiva mais uma sessão de Benny Goodman em sexteto. Certo é que a música da sessão nunca foi editada pela Columbia ou pela sua subsidiária Vocalion. Só quase duas décadas depois apareceram em gravações não oficiais.
O ambiente mágico do prazer do encontro entre dois músicos com raízes dos blues nostálgico das grandes planícies soa maravilhoso. “Ad-Lib Blues” é um impressionante blues-riff introduzido por Christian com as suas notas aéreas e cheias de swing. O fino Buck Clayton discorre sobre o tema com a sua proverbial elegância. Surge um “break” e solta-se o “Presidente”, Lester, com o seu swing elástico e preguiçoso; cada frase formatando um discurso intenso. Count Basie acrescenta o seu comentário económico e rítmico até um riff final comandado e comentado por Lester Young. Benny Goodman não toca. Uma obra-prima !
“ I Never Knew” é introduzido por Benny Goodman que utiliza um som mais “sujo” do que usual, seguindo-se Clayton com o seu fino melodismo. Christian toca com um fraseado moderno, alternando “riffs” e linhas menos acentuadas, com um fabuloso sentido de continuidade: a fonte de inspiração da guitarra post-swing. Lester surge, imperial, lançando uma pequena frase como uma afirmação para desenvolver o seu solo. Goodman volta inspirado, sem contudo atingir o nível musical do saxofonista. É o clarinetista que comanda o final da canção.
Outros dois temas, “Charlie´s Dream” e “Wholly Cats”, resultaram em duas peças que Benny Goodman iria incluir no repertório do seu sexteto. Ambos comprovam a audácia harmónica de Charlie Christian que, aliás, iria fazer parte do grupo que tocava no célebre Minton’s com Thelonious Monk e Dizzy Gillespie.
Todos os músicos tocam de forma exaltante, estimulados por uma secção rítmica com um Jo Jones inspirado. O último tema do lote é “Lester’s Dream”, uma canção de simples estrutura, com os músicos soltos, ainda com Young a apresentar um discurso musical genial na sua simplicidade melódica e swing.
É um mistério que esta música não tivesse sido publicada na época, embora a obra do sexteto contando com Christian, mas com Georgie Auld no saxofone, tenha tido ampla divulgação.

(CHARLIE CHRISTIAN & LESTER YOUNG TOGETHER
CD ARCHIVES OF JAZZ incluindo mais onze temas do sexteto com Cootie Williams no trompete)

Raul Vaz Bernardo

Uma outra sessão da mesma data