BUD SHANK

1926-2009

Em 1998 José Duarte desafiou-me para entrevistar Bud Shank, aquando da vinda do saxofonista a Portugal por ocasião do Estoril Jazz. A «despesa» da entrevista - que seria publicada integralmente n'O Papel do Jazz n.º 4, foi obviamente quase integralmente feita por José Duarte, que conhecia de perto o percurso de Bud Shank, enquanto reservei para mim quase toda a curiosidade (e o trabalho da transcrição).
Bud Shank desapareceu no dia 2 de Abril. Creio que se justifica revisitar a entrevista.

 

"Os melhores intérpretes desta Música têm sido os tipos brancos!" — Bud Shank, saxofonista alto
JOSÉ DUARTE E LEONEL SANTOS

'O Papel do Jazz' — Clifford Everett Jr... É este o seu nome verdadeiro?
Bud Shank — Sim...
OPDJ — Como é que aparece Bud?...
BS — Era o nome do meu pai. Por isso, desde miúdo que me chamam Bud.
OPDJ — E o seu apelido é Shank?
BS — Sim.
OPDJ — Nasceu em Dayton, correcto?
BS — Correcto.
OPDJ — Em vinte e seis?
BS — Sim.
OPDJ — Sabe quem mais nasceu em 26?
BS — Não.
OPDJ — Vou dizer-lhe alguns nomes... Miles...
BS — Sim. Miles é do mesmo ano. Recordo-me disso...
OPDJ — Dois dias antes.
BS — Sei que nasceu perto do dia dos meus anos...
OPDJ — E Russ Freeman também.
BS — Sim, é do mesmo ano.
OPDJ — Herbie Steward.
BS — Não sabia que Herbie era do mesmo ano.
OPDJ — Curtis Counce.
BS — Não sabia.
OPDJ. Blossom Dearie.
BS — Sim, Blossom, claro.
OPDJ — Tony Bennett também, a 3 de Agosto.
BS — É verdade.
OPDJ — Trane. BS — Sim.
OPDJ — Ray Brown, Don Elliott...
BS — O aniversário de Ray Brown é em Outubro. Ele é 4 meses mais novo do que eu.
OPDJ —Jimmy Heath.
BS — Sim.
OPDJ — Claude Williamson.
BS — Ai sim?!...
OPDJ — E sobre a sua geração? Diga-nos algo sobre a importância que ela teve...
BS — Bem, crescemos... Quando chegámos aos vinte anos, cerca de 1945, 46, o bebop começava a revelar-se. Foi uma grande influência... A minha primeira influência, quando eu era muito novo — o que deve ter acontecido com todos nós — éramos seguidores de Lester Young e de pessoas como ele, mais do que de outros. Quando o bebop aconteceu, com Charlie Parker e o Dizzy, fomos cercados... E deve ter sido a coisa mais importante das nossas vidas; eu sei que foi. Sei que foi a parte mais importante da minha.
OPDJ — Foi membro da orquestra de Charlie Barnet... tinha 21 anos...
BS — Mais ou menos, sim.
OPDJ — Foi em 47, 48? Que género de música tocava Charlie Barnet nessa altura? Era popular?
BS — Sim, a orquestra era muito popular. Para Barnet também era um período de transição. Era uma espécie de orquestra influenciada pela de Duke Ellington... os primeiros arranjos de Neal Hefti e alguns dos novos arranjadores começaram com a big band. Uns dois anos mais tarde, depois de deixar a orquestra, publicaram-se mais álbuns importantes... arranjadores começaram a escrever para a orquestra e eram cada vez mais jovens. Eu vivia com Doc Severinsen e entrámos para a orquestra ao mesmo tempo e Claude Williamson também entrou ao mesmo tempo que nós. Clark Terry também tocava na orquestra quando eu lá estava. Tal como Jimmy Nottingham, outro trompetista negro. Era um bela banda! O que mais me divertia era quando Charlie não estava na banda porque eu tocava todos os solos dele. Quando ele tocava com na orquestra eu ficava ali sentado e só tocava as minhas partes. Mas quando ele andava no meio do público e ou se atrasava ou chegava cedo demais eu tocava os seus solos e era divertido.
OPDJ — Havia algum cantor?
BS — Havia dois cantores. Uma rapariga chamada Gene Louise e um rapaz de que já não me lembro o nome e um dançarino, o Bernie Briggs. Era uma grande produção...
OPDJ — Tocavam música para dançar?
BS — Para dançar e para espectáculo. Quase todas as big bands dos fins dos anos quarenta, princípios dos anos cinquenta eram contratadas para bailes, mas a primeira parte do espectáculo era sempre um concerto. O concerto normalmente durava uma hora ou uma hora e meia. Todos os dançarinos se aproximavam do palco, o resto da noite era para dançar. Fazíamos assim as duas coisas. Quase toda a noite tocávamos "standards'. Todas as bandas faziam isso. Até Stan Kenton fez, dois anos depois. A mesma espécie de formato. Concerto primeiro seguido de baile.
OPDJ — Falou sobre Neal Hefti e todos os outros arranjadores. E Bill Holman?
BS — Bill Holman é dez anos mais novo do que eu. Os primeiros melhores arranjos de Bill Holman, que eu conheço, são para orquestra de Stan Kenton nos meados dos anos cinquenta, 1954, 55. Gravou um álbum chamado "Contemporary Concerts", conhece? Havia lá arranjos muito muito importantes...
OPDJ — E Marty Paich?
BS — Trabalhei muito com ele, mas quase sempre em gravações.

OPDJ — À volta de 1954 trabalhou com Howard Rumsey... the "Lighthouse Ali Stars", não é?
BS — Comecei em 53.
OPDJ — E fez sucesso com Bob Cooper a tocar oboé.. Que género de som? Porquê o sucesso? Que aconteceu?
BS — Porque era tão diferente... Nunca ninguém tal tinha tentado antes. Com aqueles instrumentos. Se calhar tentaram, mas nós é que conseguimos. Começou no "Lighthouse" com o "Lighthouse Ali Stars" e era um som único e diferente de tudo. As pessoas aceitaram-no logo. Achámos graça. Isto é, começou por ser uma graça porque nós tocávamos flauta e oboé bem, mas não era nossa intenção improvisar... Aconteceu uma noite no "Lighthouse" e fomos muito aplaudidos e quisemos logo gravar um disco.
OPDJ — Porque deixou de tocar flauta?
BS — Bem, em 1984 apercebi-me que tinha que tomar uma decisão, queria saber o que queria ser. E fosse o que fosse, eu queria ser melhor do que era. Sempre quis ser músico de jazz e saxofonista alto. A flauta tocava-a muito bem e ensaiava muito tempo e como tal afastava-me do saxofone. Estava a querer ser uma coisa e outra. Por isso disse: 'Bem, vou para aqui ou para ali?' E decidi ser saxofonista alto... sim, pode-se tocar muitos instrumentos, mas é difícil tocá-los todos bem. Há alguns compositores e arranjadores que também tocam muito... Gerry Mulligan era uma excepção. Há algumas excepções. Mas a maioria dos compositores passa tanto tempo a escrever que o seu instrumento de sopro, os seus instrumentos se deterioram por não serem tocados. Têm assim o mesmo problema. É uma tentativa de tentar ser duas pessoas diferentes ao mesmo tempo. Achei que tocar flauta me prejudicava o tocar saxofone. E era saxofonista o que eu queria ser.
OPDJ — Nessa altura dava importância a Wayman Carver, Frank Wess, Buddy Collette?
BS — Buddy Collette apareceu depois de mim; Wayman Carver apareceu antes de mim. Wayman Carver fez poucas gravações. Havia um outro, um tipo chamado Harry Klee, em Los Angeles. Tocava improvisos em flauta em música para filmes e a acompanhar cantores. Poucas pessoas sabiam do seu valor. Só gravou um disco de jazz, "Swinging Shepherds". Saiu em nome de Buddy Collette, porque nós todos tínhamos contratos com editoras. Mas Harry Klee não se importou. Deve ter sido a sua única gravação de jazz com flauta para além de acompanhar cantores e de música para filmes.
OPDJ — Herbie Mann também...
BS — Herbie Mann era do meu tempo, um pouco antes, um pouco depois. Mas era outro muito bom. Ainda trabalha...
OPDJ —Já veio à Europa duas vezes, em 1956 e em 58 com Bob Cooper e já foi à África do Sul em 58...
BS — Sim, a primeira vez que vim à Europa foi em 1956. E já cá voltei muitas vezes. E em 1957 ou 58 estive na África do Sul. Fui com o meu quarteto mais Bob Cooper e June Christie, sua mulher.
Aliás, passámos por Lisboa a caminho de casa. Não para tocar. Passámos uns dias aqui.
OPDJ — Porque escolheu a África do Sul? Era um país difícil para tocar esse género de música...
BS — Fomos lá para tocar numa universidade. Havia muita segregação. Bastante...
OPDJ — Incomodava tocar para um público segregado?
BS — Não havia público segregado. Só tocámos para os concertos da universidade. Excepto uma noite. Um dos concertos que demos foi para os nativos... e foi só o que nos permitiram... ficámos lá umas duas semanas, talvez mais...
Se quer saber como foi, conto-lhe uma história: Tocámos para os nativos, algures, num bairro... Tocámos a primeira peça e no fim, silêncio total. Durante essa peça, muito aconteceu, mas, no fim, silêncio total. Tocámos a segunda peça, a mesma coisa, mais aplausos e mais saltos enquanto tocávamos. No fim, silêncio total. Tocámos a terceira peça e começaram a cair no palco muitas moedas sul-africanas. Pensámos que nos estavam a atirar com elas, só depois percebemos que era assim que mostravam o seu apreço!... Por fim, compreendemos. Mas ninguém nos tinha prevenido, ninguém nos dissera nada... (gargalhadas).
OPDJ — Começou com a música brasileira, com Laurindo de Almeida, por volta de 1958?
BS — Antes disso. Tocámos os dois na orquestra de Stan Kenton. O primeiro disco que gravámos, acho que foi em 53 ou em 54. E gravámos mais depois desse... não tocámos Bossa Nova. Se a sua definição da Bossa Nova inclui o ritmo, as melodias, ou o que for, nós tocámos foi Jazz com melodias brasileiras, folclore brasileiro. A parte rítmica nesses primeiros discos era muito má. Não tinha nada a ver com Bossa Nova. Porque Harry Babasin, o baixo, e o bateria, Roy Harte, sabiam que não tinham ideia do que deviam tocar, por isso improvisaram. Combinámos Jazz com música folclórica brasileira. Se essa é a sua definição de Bossa Nova, sim, fizemos uma coisa parecida. Se inclui a parte rítmica, que deve incluir, então isso foi o salto em frente para o que fizemos depois.
OPDJ — Um bom baterista americano nunca consegue tocar bem ritmos brasileiros...
BS — Isso é verdade, sai sempre americanizado. É a versão da bateria de jazz. Até contrabaixistas!... Ray Brown toca uma coisa totalmente diferente do que um bom baixista brasileiro toca. O que ele toca é bom, mas não é correcto. Tenho a noção disso, todos temos a noção disso.
OPDJ — Os seus trabalhos no cinema nos fins dos anos 50 com Erica Boyer. Barbara Dare... o filme "Slippery When Wet", foi nomeado para um Oscar...
BS — "Slippery When Wet"!! Isso era um filme de surf!..,
OPDJ — Com algum sexo...
BS — Isso não sei... Nunca vi o filme (risos)... Fiz dois filmes para o realizador Bruce Brown, "Slippery When Wet" e outro, "Barefoot Adventures". E eram os dois sobre todo o género de tipos a fazer surf, pessoas a fazer surf...
OPDJ — E no filme de Don Siegel "Private Hell 36", de 1954, você tocou saxofone baixo...
BS — Sim!...Sim...esse era um "Lighthouse Ali Stars".. Lembro-me... Não vi nenhum...
OPDJ — E "War Hunt" com argumento do Dennis Sanders?...
BS — Escrevi a música para esse filme... Dennis Sanders, é verdade!... Foi o primeiro filme do Robert Redford!...
OPDJ — A personalidade de Brubeck no jazz da Costa Leste. Foi importante?
BS — Brubeck e Paul Desmond foram muito importantes para o que se estava a passar na Costa Leste nos princípios dos anos 50. Se eu gostaria de tocar com Brubeck? Nem por isso... Ele não é o meu género de pianista. Paul Desmond foi muito importante no desenvolvimento dos saxofonistas. Mas Brubeck foi muito importante no sucesso comercial da música de jazz. Só uma pessoa chega a esse nível, as outras só são seguidoras. E isso acontece. Por isso ele foi muito importante para aquela música.
OPDJ — Nessa altura você estava a criar um som diferente? Um som da Costa Leste? Você e Chet Baker, Gerry Mulligan...
BS — Todas essas pessoas se davam umas com as outras. Brubeck, Shorty Rogers e todos esses fulanos davam-se uns com os outros. Mas ninguém tentou fazer um som da Costa Leste. Aconteceu. Os Nova lorquinos é que nos catalogaram. Não fomos nós!
Muitos músicos deixaram as grandes orquestras. Com excepção de Brubeck e de Desmond. Mas Shelly Manne, Shorty, Jimmy Giuffre, Bob Cooper e eu, Conte, todos deixámos as big bands e fomos para Los Angeles. E começámos a gravar discos. Por coincidência. E tivemos sucesso. E as pessoas de Nova Iorque ficaram com inveja. E disseram: "Que se passa?". Depois aparece o título "Jazz da Costa Leste", Mas ninguém tentou fazer "Jazz da Costa Leste". Estávamos a ser nós próprios... Todos os fulanos que mencionei, com excepção de Brubeck e de Desmond, eram da Costa Este, a maior parte de Nova Iorque. Outra parte bizarra disto tudo e que é um dos factos mais importantes nesse som, foi que o disco que Miles Davis gravou em 1949, "Birth Of The Cool" em Nova Iorque teve Pete Rugolo como produtor!...
OPDJ — A música da Costa Leste é música Branca?
BS — Não é justo. Que vai pensar Curtis Counce disso? Que vai pensar disso Teddy Edwards? Que vai...
OPDJ —Carl Perkins...
BS — Carl Perkins, Sonny Clark e tantos outros desse grupo, que iriam eles pensar?
OPDJ — Tiveram eles a mesma aceitação que você, aquela que os brancos tiveram nessa altura?
BS — Eles estavam sempre a trabalhar. Tiveram a mesma aceitação? Não sei. Em gravações? Não sei. Acho que os fulanos de Nova Iorque tinham inveja de Shorty Rogers porque ele tinha contribuído muito para aquela cena. Isso incomoda-me. Sempre me incomodou quando pensava nisso... Não é justo. Que vai dizer de Gerry Mulligan que vivia em Nova Iorque? Ou Bob Brookmeyer? Ou Al Cohn? Ou Allen Eager, ou, ou...
OPDJ — Os livros falam do movimento da Costa Leste a crescer contra a música bebop. Foi verdade?
BS — Não. Foi um desenvolvimento natural. E muito dele desapareceu. Muito do Bebop ficou connosco e muito dele desapareceu. É a mesma coisa. A música desenvolveu-se tão depressa! É difícil decidir quando é que começou. Começou com Scott Joplin em 1910 ou começou com Louis Armstrong em 1925. Ou começou com os fulanos do Dixeland nos anos 20? Veja como a música avançou entre 1925 e 1945. Quero dizer, do Dixieland ao Bebop. Veja depois de 1945 a 1955, nota-se a diferença. E depois veja o que aconteceu entre 1955 e 65 com Coltrane. Veio de 1925 Dixieland até John Coltrane.. Quarenta anos. Menos dum meio século. Um avanço que mete medo. Complexo... Bem, a música improvisada é música improvisada mas não se pode usar as mesmas pessoas para tocar música Dixieland e música de Coltrane, não são interligáveis.
OPDJ — Descreva o revivalismo da sua música, o renascimento, depois de ter caído nos anos sessenta...
BS — Tudo ficou dominado pela música comercial, pelos Beatles, pelos Rolling Stones, no princípio dos anos sessenta e a música jazz tornou-se muito complexa com o surgimento do Coltrane. Ficou difícil de entender e a música comercial tornou-se fácil de entender... Em meados dos anos setenta, esse grupo de pessoas que apareceu por cá, começou a ficar farto e apareceram os jovens. Queriam saber mais sobre o que se estava a passar. O revivalismo, como lhe chama, cá por mim começou em 1975. Criámos um grupo chamado "L.A.4", mas era um grupo muito comercial porque Ray Brown e eu éramos os únicos que conseguíamos alguma coisa, ainda não estávamos convencidos que os apreciadores do jazz iriam voltar tão cedo. Por isso queríamos alguma coisa que chamasse uma maior audiência. Funcionou! Mas o verdadeiro revivalismo, para a maioria, não aconteceu, acho eu, até aos princípios dos anos oitenta. E é essa a razão porque desfizemos o "L.A.4". Já não precisávamos mais dele...
OPDJ — E a cena contemporânea?
BS — As pessoas que vêm cá querem recordar-se do que aconteceu nos anos cinquenta e querem que isso se repita. E nós ainda estamos nessa fase. Na minha opinião, a razão pela qual ainda não avançámos, é porque não há um substituto para John Coltrane. Nenhum Messias para ter seguidores. Porque ainda nos estamos a reorganizar. E no meio disto tudo vamos encontrar um novo caminho. Há 15 anos que digo isto. Há aí algures um jovem que vai ser o novo Messias. Ainda não apareceu... Ainda!...Mas vai acontecer!... Outra coisa para mim, nós como solistas ainda não tirámos tudo do "All the things you are" que se pode tirar. Ainda não. Mas estamos quase a ficar fartos. Encontrar tudo o que se pode fazer com ele. Mas até chegar a essa fase, até isso acontecer, continuaremos a dar-lhe voltas, encontrar o que está por dentro, aqui, aqui, aqui...
OPDJ — ...os jovens músicos que vêm das Universidades são cada vez melhores, tecnicamente...
BS — Tecnicamente claro que sim. Há muitos conhecimentos a adquirir na educação formal que não existia antes. Não havia disso na minha juventude. Todos nós tivemos que aprender da maneira mais dura. Que talvez seja a melhor (risos)... mas uma educação formal e o aproveitamento dela, é maravilhoso. Faço um 'workshop' todos os anos há quinze anos. É para os estudantes jovens e estudantes velhos...
Estou firmemente convencido que quanto melhor se conhece o nosso instrumento melhor se consegue tocar música Jazz. Portanto, ao se adquirir conhecimentos técnicos, o que quer dizer ensaiar, ensaiar, ensaiar o instrumento, é vital para tocar música Jazz. Mas também é preciso tudo o resto. Só isso não nos faz músicos de jazz. Muitas pessoas já tentaram. Muitas pessoas já o disseram... o próprio Winton Marsalis. Ele não é um grande músico de jazz... Ele é um óptimo tocador tecnicista de trompete... mas ele não é um grande músico de jazz seja por que ponta se lhe pegue!...
OPDJ — E James Carter?
BS — Quem?
OPDJ — James Carter.
BS — Não conheço.
OPDJ —Joshua Redman.
BS — Sim, conheço Joshua. É um grande. É um instrumentista intelectual. É um óptimo músico de escola. Toquei com ele num festival há uns seis anos atrás. Era muito novo. E continua novo. Mas naquela altura era mesmo muito novo. Tinha acabado de sair da escola. E ainda não era conhecido. Entrava sempre em palco muito zangado. Que mau feitio. Mas depois da segunda peça ficava simpático... O branco consegue tocar... Portanto, está bem! (risos)
OPDJ — Brandford Marsalis?
BS — Gosto do Brandford. Aconteceu com Brandford o que aconteceu com Joshua. Ainda acontece. Se Brandford conseguir fugir do comercialismo e do sucesso financeiro, será um músico mais criativo. Mas sempre gostei do Brandford e vejo-o muitas vezes. Fez muito dinheiro quando tinha um 'tonight show'. Acho que ele em breve terá a sua época. Ou então será esquecido... Que grupo é que ele tem agora? "Somebody McFuncker"!?...
OPDJ — "Buckshot LeFonque"!... Gosta desse tipo de música?
BS — Não!
OPDJ — E rap?... É uma música popular!...
BS — Não! Não me interessa nada disso!...!...
OPDJ — É a música da rua!
BS — É? Que a devolvam à rua!... (risos)
OPDJ — E Joe Lovano?
BS —Joe Lovano? Joe é um óptimo músico. Ouvi-o pela primeira vez com a banda de Mel Lewis...
OPDJ — E McLean?
BS — Gostava da maneira como Jackie tocava há trinta anos, quarenta anos. Mas agora nem por isso gosto do que ele faz hoje. Está muito metido na educação e dá muitas aulas e acho que não ensaia muito. É isso o que me parece. Os discos que tenho ouvido foram os que ele gravou há poucos anos. Gosto mais dos primeiros. Acho que ele nessa altura era melhor saxofonista...
OPDJ — Gravou com Perez Prado...
BS — Gravei?... (risos) Foi coisas de Stan Kenton ou coisa parecida?
OPDJ — Não, arranjos de Shorty Rogers...
BS — Sim nessa altura gravámos muitos discos!...
OPDJ — Tocou como Miles... 13 de Setembro 1953... no "The Lighthouse"...
BS — Sim, mas também toquei com Miles dez dias no Blue Note em Filadélfia em 1955... o que foi divertido... tocámos os dois no Festival de Newport, o verdadeiro Festival de Newport, como era conhecido naquele tempo, em Newport. Estive no Festival tal como o Miles e toquei o mesmo 'set' com o Miles e outros dois músicos. Gerry Mulligan e Kay Winding... Mas lá nos safámos e o Miles... ele estava com problemas de voz e ia ser operado e, por coincidência, eu conhecia o cirurgião... depois disse-me que ia na semana seguinte para o Blue Note. 'Queres vir comigo?'... Respondi logo que sim... e assim lá toquei com ele uma semana no Blue Note.
OPDJ — Vê alguma relação entre os trabalhos de Tristano e de Kenton?
BS — Pergunta interessante!... Nesta altura devo dizer que não, não vejo relação entre o que o Lennie fazia e o que o Warne Marsh fazia. E o que o Stan Kenton fazia. E com nenhum solista da banda de Stan. Lee Konits e Warne Marsh e Lennie Tristano estavam num período muito muito muito intelectual nos princípios dos anos cinquenta. Stan andava sempre numa fase intelectual, mas os músicos esqueceram-se do swing, Lennie, Warne e Lee. Lee já o reencontrou, mas eles não estavam interessados nisto... no swing! Eles estavam mais interessados naquilo que conseguiam fazer intelectualmente... Mas isso era bom. Eles faziam música óptima. Eu adorava-a. Era um bom apreciador de Lee Konitz... Mas os solistas da orquestra de Stan, de Art Pepper a Bob Cooper, a Conte, eram os melhores solistas. Eles ainda tinham este, este swing!...
OPDJ — Tocou com o Sinatra na Austrália? Que tal era ele como músico?
BS — Bom. Muito bom. Fiz três viagens. Para a Austrália, em 1955 e quando voltei lá, em 1975, fui também ao Japão. Quando fui em 54 era eu e um secção rítmica completa: viola, piano, baixo à qual juntaram uma orquestra. Quando fui em 75 tínhamos Billy Byers, um trompetista de Nova Iorque, Marvin Stamm, uma secção rítmica de piano e adorei essas duas viagens. Ele era um cantor maravilhoso! Aprendi muito como tocar baladas só de o ouvir cantar. Nunca houve ninguém como ele. Nem nos anos quarenta. Ele criou o estilo dele com a orquestra de Tommy Dorsey. Nos anos quarenta. E o que é que havia antes?
OPDJ — Bing Crosby...
BS — Sim! Bing Crosby... Billy Eckstine apareceu mais tarde. Não houve ninguém antes dele que ele pudesse ter copiado. Começou tudo. E como músico, sim, ele era um bom músico. Gravei muitos discos com ele. Tinha facilidade em dirigir uma orquestra. Sabia o que queria e dirigia. Era muito fácil para ele dizer a um trompetista como queria que ele tocasse um solo ou como fazer a aproximação a um solo. Era fácil para ele dizer a uma secção rítmica... ele era grande!...
OPDJ — E June Christie... Anita...
BS — Era uma das minhas melhores amigas. Ela e Bob Cooper. Durante muitos anos. Acho que ela nunca teve o reconhecimento que lhe era devido. Gravou muitos discos para a Capitol, mas só teve um sucesso, um êxito. Tinha bom ouvido e divertia-se imenso....
OPDJ — Está a falar da Anita ou de June?
BS — Anita? A Anita é louca... Mas é grande...
OPDJ — Quer falar sobre músicos brancos e músicos negros?
BS — Isso é uma opinião de críticos e membros da sociedade do jazz, que têm um papel muito importante como consumidores do nosso produto. Acho que as nossas super estrelas, Louis Armstrong, Lester Young, Charlie Parker, John Coltrane eram negros. Mas os melhores intérpretes desta Música, se voltar atrás na História, têm sido os tipos brancos. Eles não tem sido inovadores... concordo com isso. Mas só porque os inovadores são negros, isso não quer dizer que só os negros é que a podem tocar. A música jazz, desde o seu princípio, tem sido cíclica. Com altos e baixos. Com o seu sucesso. Tenho idade suficiente para ter visto isso tudo. Neste momento estamos num baixo dum ciclo... Um dos indicadores que já vi muitas vezes durante a minha carreira, é que quando os clubes em New York City começam a fazer bom negócio, é bom sinal... Neste momento o negócio dos clubes de New York não está mau e isso é um bom indicador. E além de tudo o mais, tenho dois novos CD publicados e outro a ser publicado. E isso é outro bom sinal. Há três anos que nada me acontecia—