BUD SHANK
1926-2009
Em
1998 José Duarte desafiou-me para entrevistar Bud Shank, aquando
da vinda do saxofonista a Portugal por ocasião do Estoril Jazz.
A
«despesa» da entrevista - que seria publicada integralmente
n'O
Papel do Jazz n.º 4, foi obviamente quase integralmente
feita por José Duarte,
que conhecia de
perto o percurso
de Bud Shank, enquanto reservei para mim quase toda a curiosidade (e o trabalho
da transcrição).
Bud Shank desapareceu no dia 2 de Abril. Creio que se justifica revisitar
a entrevista.
"Os
melhores intérpretes desta Música têm sido os tipos
brancos!" — Bud Shank, saxofonista alto
JOSÉ DUARTE E LEONEL SANTOS
'O
Papel do Jazz' — Clifford Everett Jr... É este o seu nome
verdadeiro?
Bud Shank — Sim...
OPDJ — Como é que aparece Bud?...
BS — Era o nome do meu pai. Por isso, desde miúdo que me
chamam Bud.
OPDJ — E o seu apelido é Shank?
BS — Sim.
OPDJ — Nasceu em Dayton, correcto?
BS — Correcto.
OPDJ — Em vinte e seis?
BS — Sim.
OPDJ — Sabe quem mais nasceu em 26?
BS — Não.
OPDJ — Vou dizer-lhe alguns nomes... Miles...
BS — Sim. Miles é do mesmo ano. Recordo-me disso...
OPDJ — Dois dias antes.
BS — Sei que nasceu perto do dia dos meus anos...
OPDJ — E Russ Freeman também.
BS — Sim, é do mesmo ano.
OPDJ — Herbie Steward.
BS — Não sabia que Herbie era do mesmo ano.
OPDJ — Curtis Counce.
BS — Não sabia.
OPDJ. Blossom Dearie.
BS — Sim, Blossom, claro.
OPDJ — Tony Bennett também, a 3 de Agosto.
BS — É verdade.
OPDJ — Trane. BS — Sim.
OPDJ — Ray Brown, Don Elliott...
BS — O aniversário de Ray Brown é em Outubro. Ele é 4
meses mais novo do que eu.
OPDJ —Jimmy Heath.
BS — Sim.
OPDJ — Claude Williamson.
BS — Ai sim?!...
OPDJ — E sobre a sua geração? Diga-nos algo sobre a importância
que ela teve...
BS — Bem, crescemos... Quando chegámos aos vinte anos, cerca de
1945, 46, o bebop começava a revelar-se. Foi uma grande influência...
A minha primeira influência, quando eu era muito novo — o que deve
ter acontecido com todos nós — éramos seguidores de Lester
Young e de pessoas como ele, mais do que de outros. Quando o bebop aconteceu,
com Charlie Parker e o Dizzy, fomos cercados... E deve ter sido a coisa mais
importante das nossas vidas; eu sei que foi. Sei que foi a parte mais importante
da minha.
OPDJ — Foi membro da orquestra de Charlie Barnet... tinha 21 anos...
BS — Mais ou menos, sim.
OPDJ — Foi em 47, 48? Que género de música tocava Charlie
Barnet nessa altura? Era popular?
BS — Sim, a orquestra era muito popular. Para Barnet também era
um período de transição. Era uma espécie de orquestra
influenciada pela de Duke Ellington... os primeiros arranjos de Neal Hefti
e alguns dos novos arranjadores começaram com a big band. Uns dois
anos mais tarde, depois de deixar a orquestra, publicaram-se mais álbuns
importantes... arranjadores começaram a escrever para a orquestra
e eram cada vez mais jovens. Eu vivia com Doc Severinsen e entrámos
para a orquestra ao mesmo tempo e Claude Williamson também entrou
ao mesmo tempo que nós. Clark Terry também tocava na orquestra
quando eu lá estava. Tal como Jimmy Nottingham, outro trompetista
negro. Era um bela banda! O que mais me divertia era quando Charlie não
estava na banda porque eu tocava todos os solos dele. Quando ele tocava com
na orquestra
eu ficava ali sentado e só tocava as minhas partes. Mas quando ele
andava no meio do público e ou se atrasava ou chegava cedo demais
eu tocava os seus solos e era divertido.
OPDJ — Havia algum cantor?
BS — Havia dois cantores. Uma rapariga chamada Gene Louise e um rapaz
de que já não me lembro o nome e um dançarino, o Bernie
Briggs. Era uma grande produção...
OPDJ — Tocavam música para dançar?
BS — Para dançar e para espectáculo. Quase todas as big
bands dos fins dos anos quarenta, princípios dos anos cinquenta eram
contratadas para bailes, mas a primeira parte do espectáculo era sempre
um concerto. O concerto normalmente durava uma hora ou uma hora e meia. Todos
os dançarinos se aproximavam do palco, o resto da noite era para dançar.
Fazíamos assim as duas coisas. Quase toda a noite tocávamos "standards'.
Todas as bandas faziam isso. Até Stan Kenton fez, dois anos depois.
A mesma espécie de formato. Concerto primeiro seguido de baile.
OPDJ — Falou sobre Neal Hefti e todos os outros arranjadores. E Bill
Holman?
BS — Bill Holman é dez anos mais novo do que eu. Os primeiros
melhores arranjos de Bill Holman, que eu conheço, são para orquestra
de Stan Kenton nos meados dos anos cinquenta, 1954, 55. Gravou um álbum
chamado "Contemporary Concerts", conhece? Havia lá arranjos
muito muito importantes...
OPDJ — E Marty Paich?
BS — Trabalhei muito com ele, mas quase sempre em gravações.
OPDJ — À volta de 1954
trabalhou com Howard Rumsey... the "Lighthouse
Ali Stars", não é?
BS — Comecei
em 53.
OPDJ — E fez sucesso com Bob Cooper a tocar oboé.. Que género
de som? Porquê o sucesso? Que aconteceu?
BS — Porque era tão
diferente... Nunca ninguém tal tinha
tentado antes. Com aqueles instrumentos. Se calhar tentaram, mas nós é que
conseguimos. Começou no "Lighthouse" com o "Lighthouse
Ali Stars" e era um som único e diferente de tudo. As pessoas
aceitaram-no logo. Achámos graça. Isto é, começou
por ser uma graça porque nós tocávamos flauta e oboé bem,
mas não era nossa intenção improvisar... Aconteceu
uma noite no "Lighthouse" e fomos muito aplaudidos e quisemos
logo gravar um disco.
OPDJ — Porque deixou de tocar flauta?
BS — Bem, em 1984 apercebi-me que tinha que tomar uma decisão,
queria saber o que queria ser. E fosse o que fosse, eu queria ser melhor do
que era. Sempre quis ser músico de jazz e saxofonista alto. A flauta
tocava-a muito bem e ensaiava muito tempo e como tal afastava-me do saxofone.
Estava a querer ser uma coisa e outra. Por isso disse: 'Bem, vou para aqui
ou para ali?' E decidi ser saxofonista alto... sim, pode-se tocar muitos instrumentos,
mas é difícil tocá-los todos bem. Há alguns compositores
e arranjadores que também tocam muito... Gerry Mulligan era uma excepção.
Há algumas excepções. Mas a maioria dos compositores passa
tanto tempo a escrever que o seu instrumento de sopro, os seus instrumentos
se deterioram por não serem tocados. Têm assim o mesmo problema. É uma
tentativa de tentar ser duas pessoas diferentes ao mesmo tempo. Achei que
tocar flauta me prejudicava o tocar saxofone. E era saxofonista o que eu
queria ser.
OPDJ — Nessa altura dava importância a Wayman Carver, Frank
Wess, Buddy Collette?
BS — Buddy Collette apareceu depois de mim; Wayman Carver apareceu
antes de mim. Wayman Carver fez poucas gravações. Havia um
outro, um tipo chamado Harry Klee, em Los Angeles. Tocava improvisos em
flauta em música
para filmes e a acompanhar cantores. Poucas pessoas sabiam do seu valor.
Só gravou
um disco de jazz, "Swinging Shepherds". Saiu em nome de Buddy
Collette, porque nós todos tínhamos contratos com editoras.
Mas Harry Klee não se importou. Deve ter sido a sua única
gravação
de jazz com flauta para além de acompanhar cantores e de música
para filmes.
OPDJ — Herbie Mann também...
BS — Herbie Mann era do meu tempo, um pouco antes, um pouco depois.
Mas era outro muito bom. Ainda trabalha...
OPDJ —Já veio à Europa duas vezes, em 1956 e em 58 com
Bob Cooper e já foi à África do Sul em 58...
BS — Sim, a primeira vez que vim à Europa foi em 1956. E já cá voltei
muitas vezes. E em 1957 ou 58 estive na África do Sul. Fui com o
meu quarteto mais Bob Cooper e June Christie, sua mulher.
Aliás, passámos por Lisboa a caminho de casa. Não para
tocar. Passámos uns dias aqui.
OPDJ — Porque escolheu a África do Sul? Era um país difícil
para tocar esse género de música...
BS — Fomos lá para tocar numa universidade. Havia muita segregação.
Bastante...
OPDJ — Incomodava tocar para um público segregado?
BS — Não havia público segregado. Só tocámos
para os concertos da universidade. Excepto uma noite. Um dos concertos que
demos foi para os nativos... e foi só o que nos permitiram... ficámos
lá umas duas semanas, talvez mais...
Se quer saber como foi, conto-lhe uma história: Tocámos para
os nativos, algures, num bairro... Tocámos a primeira peça e
no fim, silêncio total. Durante essa peça, muito aconteceu, mas,
no fim, silêncio total. Tocámos a segunda peça, a mesma
coisa, mais aplausos e mais saltos enquanto tocávamos. No fim, silêncio
total. Tocámos a terceira peça e começaram a cair no palco
muitas moedas sul-africanas. Pensámos que nos estavam a atirar com elas,
só depois percebemos que era assim que mostravam o seu apreço!...
Por fim, compreendemos. Mas ninguém nos tinha prevenido, ninguém
nos dissera nada... (gargalhadas).
OPDJ — Começou com a música brasileira, com Laurindo
de Almeida, por volta de 1958?
BS — Antes disso. Tocámos os dois na orquestra de Stan Kenton.
O primeiro disco que gravámos, acho que foi em 53 ou em 54. E gravámos
mais depois desse... não tocámos Bossa Nova. Se a sua definição
da Bossa Nova inclui o ritmo, as melodias, ou o que for, nós tocámos
foi Jazz com melodias brasileiras, folclore brasileiro. A parte rítmica
nesses primeiros discos era muito má. Não tinha nada a ver com
Bossa Nova. Porque Harry Babasin, o baixo, e o bateria, Roy Harte, sabiam que
não tinham ideia do que deviam tocar, por isso improvisaram. Combinámos
Jazz com música folclórica brasileira. Se essa é a sua
definição de Bossa Nova, sim, fizemos uma coisa parecida. Se
inclui a parte rítmica, que deve incluir, então isso foi
o salto em frente para o que fizemos depois.
OPDJ — Um bom baterista americano nunca consegue tocar bem ritmos
brasileiros...
BS — Isso é verdade, sai sempre americanizado. É a versão
da bateria de jazz. Até contrabaixistas!... Ray Brown toca uma coisa
totalmente diferente do que um bom baixista brasileiro toca. O que ele toca é bom,
mas não é correcto. Tenho a noção disso, todos
temos a noção disso.
OPDJ — Os seus trabalhos no cinema nos fins dos anos 50 com Erica
Boyer. Barbara Dare... o filme "Slippery When Wet", foi nomeado
para um Oscar...
BS — "Slippery When Wet"!! Isso era um filme de surf!..,
OPDJ — Com algum sexo...
BS — Isso não sei... Nunca vi o filme (risos)... Fiz dois filmes
para o realizador Bruce Brown, "Slippery When Wet" e outro, "Barefoot
Adventures". E eram os dois sobre todo o género de tipos a
fazer surf, pessoas a fazer surf...
OPDJ — E no filme de Don Siegel "Private Hell 36", de 1954,
você tocou saxofone baixo...
BS — Sim!...Sim...esse era um "Lighthouse Ali Stars".. Lembro-me...
Não vi nenhum...
OPDJ — E "War Hunt" com argumento do Dennis Sanders?...
BS — Escrevi a música para esse filme... Dennis Sanders, é verdade!...
Foi o primeiro filme do Robert Redford!...
OPDJ — A personalidade de Brubeck no jazz da Costa Leste. Foi importante?
BS — Brubeck e Paul Desmond foram muito importantes para o que se estava
a passar na Costa Leste nos princípios dos anos 50. Se eu gostaria de
tocar com Brubeck? Nem por isso... Ele não é o meu género
de pianista. Paul Desmond foi muito importante no desenvolvimento dos saxofonistas.
Mas Brubeck foi muito importante no sucesso comercial da música de jazz.
Só uma pessoa chega a esse nível, as outras só são
seguidoras. E isso acontece. Por isso ele foi muito importante para aquela
música.
OPDJ — Nessa altura você estava a criar um som diferente? Um som
da Costa Leste? Você e Chet Baker, Gerry Mulligan...
BS — Todas essas pessoas se davam umas com as outras. Brubeck, Shorty
Rogers e todos esses fulanos davam-se uns com os outros. Mas ninguém
tentou fazer um som da Costa Leste. Aconteceu. Os Nova lorquinos é que
nos catalogaram. Não fomos nós!
Muitos músicos deixaram as grandes orquestras. Com excepção
de Brubeck e de Desmond. Mas Shelly Manne, Shorty, Jimmy Giuffre, Bob Cooper
e eu, Conte, todos deixámos as big bands e fomos para Los Angeles. E
começámos a gravar discos. Por coincidência. E tivemos
sucesso. E as pessoas de Nova Iorque ficaram com inveja. E disseram: "Que
se passa?". Depois aparece o título "Jazz da Costa Leste",
Mas ninguém tentou fazer "Jazz da Costa Leste". Estávamos
a ser nós próprios... Todos os fulanos que mencionei, com excepção
de Brubeck e de Desmond, eram da Costa Este, a maior parte de Nova Iorque.
Outra parte bizarra disto tudo e que é um dos factos mais importantes
nesse som, foi que o disco que Miles Davis gravou em 1949, "Birth Of The
Cool" em Nova Iorque teve Pete Rugolo como produtor!...
OPDJ — A música da Costa Leste é música Branca?
BS — Não é justo. Que vai pensar Curtis Counce disso?
Que vai pensar disso Teddy Edwards? Que vai...
OPDJ —Carl Perkins...
BS — Carl Perkins, Sonny Clark e tantos outros desse grupo, que iriam
eles pensar?
OPDJ — Tiveram eles a mesma aceitação que você,
aquela que os brancos tiveram nessa altura?
BS — Eles estavam sempre a trabalhar. Tiveram a mesma aceitação?
Não sei. Em gravações? Não sei. Acho que os fulanos
de Nova Iorque tinham inveja de Shorty Rogers porque ele tinha contribuído
muito para aquela cena. Isso incomoda-me. Sempre me incomodou quando pensava
nisso... Não é justo. Que vai dizer de Gerry Mulligan que
vivia em Nova Iorque? Ou Bob Brookmeyer? Ou Al Cohn? Ou Allen Eager, ou,
ou...
OPDJ — Os livros falam do movimento da Costa Leste a crescer contra a
música bebop. Foi verdade?
BS — Não. Foi um desenvolvimento natural. E muito dele desapareceu.
Muito do Bebop ficou connosco e muito dele desapareceu. É a mesma coisa.
A música desenvolveu-se tão depressa! É difícil
decidir quando é que começou. Começou com Scott Joplin
em 1910 ou começou com Louis Armstrong em 1925. Ou começou com
os fulanos do Dixeland nos anos 20? Veja como a música avançou
entre 1925 e 1945. Quero dizer, do Dixieland ao Bebop. Veja depois de 1945
a 1955, nota-se a diferença. E depois veja o que aconteceu entre 1955
e 65 com Coltrane. Veio de 1925 Dixieland até John Coltrane.. Quarenta
anos. Menos dum meio século. Um avanço que mete medo. Complexo...
Bem, a música improvisada é música improvisada mas não
se pode usar as mesmas pessoas para tocar música Dixieland e música
de Coltrane, não são interligáveis.
OPDJ — Descreva o revivalismo da sua música, o renascimento, depois
de ter caído nos anos sessenta...
BS — Tudo ficou dominado pela música comercial, pelos Beatles,
pelos Rolling Stones, no princípio dos anos sessenta e a música
jazz tornou-se muito complexa com o surgimento do Coltrane. Ficou difícil
de entender e a música comercial tornou-se fácil de entender...
Em meados dos anos setenta, esse grupo de pessoas que apareceu por cá,
começou a ficar farto e apareceram os jovens. Queriam saber mais sobre
o que se estava a passar. O revivalismo, como lhe chama, cá por mim
começou em 1975. Criámos um grupo chamado "L.A.4",
mas era um grupo muito comercial porque Ray Brown e eu éramos os únicos
que conseguíamos alguma coisa, ainda não estávamos convencidos
que os apreciadores do jazz iriam voltar tão cedo. Por isso queríamos
alguma coisa que chamasse uma maior audiência. Funcionou! Mas o verdadeiro
revivalismo, para a maioria, não aconteceu, acho eu, até aos
princípios dos anos oitenta. E é essa a razão porque desfizemos
o "L.A.4". Já não precisávamos mais dele...
OPDJ — E a cena contemporânea?
BS — As pessoas que vêm cá querem recordar-se do que
aconteceu nos anos cinquenta e querem que isso se repita. E nós
ainda estamos nessa fase. Na minha opinião, a razão pela
qual ainda não
avançámos, é porque não há um substituto
para John Coltrane. Nenhum Messias para ter seguidores. Porque ainda nos
estamos a reorganizar. E no meio disto tudo vamos encontrar um novo caminho.
Há 15
anos que digo isto. Há aí algures um jovem que vai ser o
novo Messias. Ainda não apareceu... Ainda!...Mas vai acontecer!...
Outra coisa para mim, nós como solistas ainda não tirámos
tudo do "All the things you are" que se pode tirar. Ainda não.
Mas estamos quase a ficar fartos. Encontrar tudo o que se pode fazer com
ele. Mas até chegar a essa fase, até isso acontecer, continuaremos
a dar-lhe voltas, encontrar o que está por dentro, aqui, aqui, aqui...
OPDJ — ...os jovens músicos que vêm das Universidades são
cada vez melhores, tecnicamente...
BS — Tecnicamente claro que sim. Há muitos conhecimentos a adquirir
na educação formal que não existia antes. Não havia
disso na minha juventude. Todos nós tivemos que aprender da maneira
mais dura. Que talvez seja a melhor (risos)... mas uma educação
formal e o aproveitamento dela, é maravilhoso. Faço um 'workshop'
todos os anos há quinze anos. É para os estudantes jovens
e estudantes velhos...
Estou firmemente convencido que quanto melhor se conhece o nosso instrumento
melhor se consegue tocar música Jazz. Portanto, ao se adquirir conhecimentos
técnicos, o que quer dizer ensaiar, ensaiar, ensaiar o instrumento, é vital
para tocar música Jazz. Mas também é preciso tudo o resto.
Só isso não nos faz músicos de jazz. Muitas pessoas já tentaram.
Muitas pessoas já o disseram... o próprio Winton Marsalis. Ele
não é um grande músico de jazz... Ele é um óptimo
tocador tecnicista de trompete... mas ele não é um grande músico
de jazz seja por que ponta se lhe pegue!...
OPDJ — E James Carter?
BS — Quem?
OPDJ — James Carter.
BS — Não conheço.
OPDJ —Joshua Redman.
BS — Sim, conheço Joshua. É um grande. É um instrumentista
intelectual. É um óptimo músico de escola. Toquei com
ele num festival há uns seis anos atrás. Era muito novo. E continua
novo. Mas naquela altura era mesmo muito novo. Tinha acabado de sair da escola.
E ainda não era conhecido. Entrava sempre em palco muito zangado. Que
mau feitio. Mas depois da segunda peça ficava simpático... O
branco consegue tocar... Portanto, está bem! (risos)
OPDJ — Brandford Marsalis?
BS — Gosto do Brandford. Aconteceu com Brandford o que aconteceu
com Joshua. Ainda acontece. Se Brandford conseguir fugir do comercialismo
e do
sucesso financeiro, será um músico mais criativo. Mas sempre
gostei do Brandford e vejo-o
muitas vezes. Fez muito dinheiro quando tinha um 'tonight show'. Acho que
ele em breve terá a sua época. Ou então será esquecido...
Que grupo é que ele tem agora? "Somebody McFuncker"!?...
OPDJ — "Buckshot LeFonque"!... Gosta desse tipo de música?
BS — Não!
OPDJ — E rap?... É uma música popular!...
BS — Não! Não me interessa nada disso!...!...
OPDJ — É a música da rua!
BS — É? Que a devolvam à rua!... (risos)
OPDJ — E Joe Lovano?
BS —Joe Lovano? Joe é um óptimo músico. Ouvi-o
pela primeira vez com a banda de Mel Lewis...
OPDJ — E McLean?
BS — Gostava da maneira como Jackie tocava há trinta anos, quarenta
anos. Mas agora nem por isso gosto do que ele faz hoje. Está muito metido
na educação e dá muitas aulas e acho que não ensaia
muito. É isso o que me parece. Os discos que tenho ouvido foram os que
ele gravou há poucos anos. Gosto mais dos primeiros. Acho que ele
nessa altura era melhor saxofonista...
OPDJ — Gravou com Perez Prado...
BS — Gravei?... (risos) Foi coisas de Stan Kenton ou coisa parecida?
OPDJ — Não, arranjos de Shorty Rogers...
BS — Sim nessa altura gravámos muitos discos!...
OPDJ — Tocou como Miles... 13 de Setembro 1953... no "The Lighthouse"...
BS — Sim, mas também toquei com Miles dez dias no Blue Note em
Filadélfia em 1955... o que foi divertido... tocámos os dois
no Festival de Newport, o verdadeiro Festival de Newport, como era conhecido
naquele tempo, em Newport. Estive no Festival tal como o Miles e toquei o mesmo
'set' com o Miles e outros dois músicos. Gerry Mulligan e Kay Winding...
Mas lá nos safámos e o Miles... ele estava com problemas de voz
e ia ser operado e, por coincidência, eu conhecia o cirurgião...
depois disse-me que ia na semana seguinte para o Blue Note. 'Queres vir comigo?'...
Respondi logo que sim... e assim lá toquei com ele uma semana no
Blue Note.
OPDJ — Vê alguma relação entre os trabalhos de
Tristano e de Kenton?
BS — Pergunta interessante!... Nesta altura devo dizer que não,
não vejo relação entre o que o Lennie fazia e o que
o Warne Marsh fazia. E o que o Stan Kenton fazia. E com nenhum solista
da banda
de Stan. Lee Konits e Warne Marsh e Lennie Tristano estavam num período
muito muito muito intelectual nos princípios dos anos cinquenta.
Stan andava sempre numa fase intelectual, mas os músicos esqueceram-se
do swing, Lennie, Warne e Lee. Lee já o reencontrou, mas eles não
estavam interessados nisto... no swing! Eles estavam mais interessados
naquilo que conseguiam fazer intelectualmente... Mas isso era bom.
Eles faziam música óptima. Eu adorava-a. Era um bom
apreciador de Lee Konitz... Mas os solistas da orquestra de Stan, de Art
Pepper a Bob Cooper, a Conte, eram os melhores solistas. Eles ainda tinham
este, este
swing!...
OPDJ — Tocou com o Sinatra na Austrália? Que tal era ele como
músico?
BS — Bom. Muito bom. Fiz três viagens. Para a Austrália,
em 1955 e quando voltei lá, em 1975, fui também ao Japão.
Quando fui em 54 era eu e um secção rítmica completa:
viola, piano, baixo à qual juntaram uma orquestra. Quando fui em 75
tínhamos Billy Byers, um trompetista de Nova Iorque, Marvin Stamm, uma
secção rítmica de piano e adorei essas duas viagens. Ele
era um cantor maravilhoso! Aprendi muito como tocar baladas só de o
ouvir cantar. Nunca houve ninguém como ele. Nem nos anos quarenta. Ele
criou o estilo dele com a orquestra de Tommy Dorsey. Nos anos quarenta. E o
que é que havia antes?
OPDJ — Bing Crosby...
BS — Sim! Bing Crosby... Billy Eckstine apareceu mais tarde. Não
houve ninguém antes dele que ele pudesse ter copiado. Começou
tudo. E como músico, sim, ele era um bom músico. Gravei muitos
discos com ele. Tinha facilidade em dirigir uma orquestra. Sabia o que queria
e dirigia. Era muito fácil para ele dizer a um trompetista como queria
que ele tocasse um solo ou como fazer a aproximação a um solo.
Era fácil para ele dizer a uma secção rítmica...
ele era grande!...
OPDJ — E June Christie... Anita...
BS — Era uma das minhas melhores amigas. Ela e Bob Cooper. Durante muitos
anos. Acho que ela nunca teve o reconhecimento que lhe era devido. Gravou muitos
discos para a Capitol, mas só teve um sucesso, um êxito. Tinha
bom ouvido e divertia-se imenso....
OPDJ — Está a falar da Anita ou de June?
BS — Anita? A Anita é louca... Mas é grande...
OPDJ — Quer falar sobre músicos brancos e músicos negros?
BS — Isso é uma opinião de críticos e membros da
sociedade do jazz, que têm um papel muito importante como consumidores
do nosso produto. Acho que as nossas super estrelas, Louis Armstrong, Lester
Young, Charlie Parker, John Coltrane eram negros. Mas os melhores intérpretes
desta Música, se voltar atrás na História, têm sido
os tipos brancos. Eles não tem sido inovadores... concordo com isso.
Mas só porque os inovadores são negros, isso não quer
dizer que só os negros é que a podem tocar. A música jazz,
desde o seu princípio, tem sido cíclica. Com altos e baixos.
Com o seu sucesso. Tenho idade suficiente para ter visto isso tudo. Neste momento
estamos num baixo dum ciclo... Um dos indicadores que já vi muitas vezes
durante a minha carreira, é que quando os clubes em New York City começam
a fazer bom negócio, é bom sinal... Neste momento o negócio
dos clubes de New York não está mau e isso é um bom indicador.
E além de tudo o mais, tenho dois novos CD publicados e outro a ser
publicado. E isso é outro bom sinal. Há três anos que
nada me acontecia—