Siné
“C’est horriblement chiant de ne penser obsessionnellement qu’à sa mort qui approche, à ses futures obsèques et au chagrin de ses proches! Je pense aussi à tous les enculés qui vont se frotter les mains et ça m’énerve grave de crever avant eux!” *
O humor corrosivo de Siné é evidente no texto que publicou no Siné Mensuel pouco antes da sua morte, consequência de um cancro de pulmão. Toda a sua vida está pejada de atitudes e afirmações provocadoras, anticlericais, antirreligiosas, anti-racistas, antimoralistas, anticolonialistas, anticapitalistas, antimilitaristas, antis-sistema, anti-guerra, antitudo. Siné declarou-se também anti-semita após os bombardeamentos de Israel na intervenção do Líbano em 1982, o que teve como consequência um longo processo judicial que terminou com a absolvição justificada com a liberdade de opinião. Ele haveria de pedir desculpas (“há judeus bons e judeus maus…”), no entanto, na sua forma cáustica.
O anarquismo não era uma atitude política: era uma forma de vida (“os anarquistas devem detestar-me”, dizia). As suas opiniões, a sua forma de intervenção provocadora e o espírito truculento, deram origem a inúmeros outros processos, entre os quais um processo de expulsão do Charlie Hebdo (!) onde tinha trabalhado mais de vinte anos, e que acabaria por ganhar também. Siné foi ainda um dos regentes do Colégio de Patafísica, uma “sociedade de pesquisas eruditas e inúteis” ** .
Siné (1928 – 2016), começou a desenhar depois de conhecer alguns desenhos de Saul Steinberg (1914 – 1999, desenhador e ilustrador norte-americano, um dos mais importantes artistas gráficos do século XX). Steinberg foi determinante no traço estilizado de Siné.
As primeiras pranchas foram publicadas na revista de humor Fou-rire, depois no France Dimanche (tendo ganho o Grand prix de l'Humour noir em 1957), no L’Express (foi durante a colaboração com o L’Express que foi alvo do processo por anti-semitismo), no jornal de intervenção política (contra a intervenção na Argélia) Action e no Charlie Hebdo. Fundou ou contribuiu para a fundação de várias publicações, entre as quais L’Enragé em 1968, e depois da saída do Charlie Hebdo o Siné Hebdo, mais tarde Siné Mensuel (“O jornal que faz mal e isso faz bem”*** ).
Siné era um amante de Jazz informado. Para ele a política e o Jazz estavam intimamente ligados. Ele começou por se apaixonar pelo Jazz ainda nos anos 40 e através de Boris Vian tornou-se colaborador de Jazz Hot, até se demitir devido a um acto de censura do editor. Continuou a desenhar sobre Jazz no L’Express e mais tarde no Jazz Magazine. Foi também o autor de capas de discos e de cartoons, dispersos por inúmeras publicações.
Siné desenhava e escrevia, não como crítico (ele não se considerava qualificado), mas como repórter interventivo, onde o texto se prolongava e se intrometia nos desenhos.
Aquando de uma viagem a New York, Siné assistiu a todos os concertos de Coltrane ao longo de uma semana, no Village Vanguard, mas também a Mingus com Eric Dolphy. Ao fim de uns dias Siné ganhou coragem para telefonar a Thelonious Monk e encontrou-se com ele na sua casa: “Eu fiquei sem dizer nada. Era como estar na presença de Deus” ****.
Os gostos de Siné iam desde o Jazz de New Orleans até ao free-jazz de Albert Ayler, e ele desenhou-os a todos. As pranchas que se exibem foram retiradas de Siné Jazzmaniaque, e foram gentilmente autorizadas por Catherine Sinet.
Siné jazzmaniaque, pg. 27, Siné, 2010
Siné jazzmaniaque, pg. 136, Siné, 2010
© 2010- Éditions du Layeur
* É terrivelmente irritante pensar obsessivamente na morte que se aproxima, no futuro funeral e na dor dos entes queridos! Eu também penso em todos os filhos da puta que vão esfregar as mãos de contente e realmente irrita-me morrer antes deles! (Siné Mensuel, tradução livre. LS)