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Bernardo Moreira
«Binau»

UM ÍCONE DO JAZZ EM PORTUGAL

Um dos mais velhos representantes da primeira geração de entusiastas do Jazz nacional, Bernardo Moreira, faleceu no passado dia 3 de Novembro.
“Binau”, como era tratado carinhosamente pela família e pelos amigos, nasceu em 1932, em Coimbra. Contava que tinha ouvido jazz pela primeira vez no rádio que o pai, professor de Direito na Universidade de Coimbra, tinha comprado para ouvir notícias da guerra. Tendo iniciado os estudos em Coimbra, acabaria por se formar em Engenharia Civil, em Lisboa, no Instituto Superior Técnico. Ainda em Coimbra, no entanto, nos anos 50, toca na Orquestra Ligeira Académica e participa nas primeiras jam sessions. Em Lisboa, onde passou a residir, retoma o contacto com o jazz, com o amigo António José Veloso e Bernardo Tinoco, e outros habituais frequentadores do recém-formado Hot Clube de Portugal (Clube e não Club, por exigência do Governo Civil de Lisboa, de acordo com as regras nacionalistas moralizadoras do Estado Novo).

É nessa altura, pois, que conhece Luis Villas Boas e que se inicia verdadeiramente no Jazz. Mas logo no final dos anos 50, Binau forma, com Manuel Jorge Veloso, Justiniano Canelhas e o saxofonista Jean-Pierre Gebler, o Quarteto de Jazz do Hot Clube de Portugal, que acabaria por representar Portugal no Festival de Jazz de Comblain-la-Tour (Bélgica), em 1963.

Nesse mesmo ano o quarteto gravou ainda a música do filme Belarmino, de Fernando Lopes, escrita por Manuel Jorge Veloso, com uma composição de Justiniano Canelhas. Belarmino, a história de um pugilista, é um dos primeiros filmes da geração do Novo Cinema português, inspirado pela Nouvelle Vague francesa.

Anos mais tarde, provavelmente por influência de Stan Getz (Getz/Gilberto, de João Gilberto e Stan Getz é um álbum onde o jazz e a bossa nova se cruzam, lançado em 1964), Bernardo Moreira forma, com Paulo Gil (também falecido este ano) e Marcos Resende (1947- 2020) o Bossa-Jazz Trio, formação em que tocou, em 1968, no Teatro Vilaret, com Vinicius de Moraes, Chico Buarque e Nara Leão.

Por motivos profissionais abandonou a actividade de músico e a proximidade ao Jazz durante quase vinte anos, regressando no final dos anos 80 como professor de História do Jazz na Escola do Hot Club, tendo sido, em 1992, eleito para a Direcção do Hot Club, onde permaneceu até 2009. Nos anos seguintes apenas ocasionalmente regressaria ao contrabaixo, mas em 1994, do encontro com Manuel Jorge Veloso e António Barros Veloso, e ainda com a cantora Paula Oliveira, o Quarteto de Jazz do HCP renasce das cinzas, convidando uma dúzia de jovens músicos para gravar «Just in Time», uma luxuosa edição de dois CDs contemplando 16 clássicos do cancioneiro norte-americano. 

Bernardo Moreira é casado com a escritora Yvette Centeno de quem teve quatro filhos, Pedro, Bernardo, João e Miguel, que formaram nos anos 80, o Moreiras Jazztet. Com excepção de Miguel, que abandonou a música, todos são bem-sucedidos músicos de Jazz, líderes de projectos próprios e professores.

Como Director do Hot Club de Portugal Bernardo Moreira reorganizou o clube e a Escola, dotando-os de um secretariado e apoio administrativo profissional, e transportando para a Escola de Jazz Luis Villas Boas os métodos e o modelo curricular da International Association of Schools of Jazz, tornando-a uma referência entre as escolas de música nacionais. A escola conta hoje com meia centena de professores e cerca de trezentos e sessenta alunos.

Outra das suas iniciativas foi ainda o início da recuperação do imenso espólio histórico do Hot Club, acrescentado pela herança riquíssima e desmedível (e desorganizada) de Luis Villas Boas doada pela viúva, no intuito da criação de um Museu do Hot Club de Portugal.

Contam com os filhos com humor que a paixão do pai pelo Jazz apenas tinha equivalente na sua paixão pelo futebol, e apenas era superado pelo amor pela família.

Apaixonado pelo Jazz, músico, pedagogo; pela persistência, dedicação e obra, Bernardo Moreira ocupa, desde há muito, um lugar de destaque entre os notáveis da História do Jazz nacional.

Teve uma longa vida, cheia. Faleceu tranquilamente, em casa.

Leonel Santos

Bernardo Moreira, 1932 - 2022

(Publicado no Jornal de Letras, 16 de Novembro de 2022)