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Braga Jazz 2008

Apesar de não ter obtido ainda o reconhecimento do público, o Braga Jazz já logrou obter um dos lugares cimeiros no panorama dos festivais de Jazz nacionais. A programação deste ano foi exemplar, sem momentos menores. Apenas assisti aos concertos do festival na segunda semana, mas tive oportunidade de assistir aos concertos de George Schuller no Hot Club, e do Drumbassbone e da Orquestra de Jazz de Matosinhos com Chris Cheek na Culturgest.
Como referi na apresentação do festival, John Taylor é um produto contemporâneo de Bill Evans, impressionista e intenso. Elegante, finíssimo, a sua música é verdadeira filigrana: 4,5/5.
O Indigo Trio revelou-se a grande surpresa do Braga Jazz: formação atípica de bateria, contrabaixo e flauta, transporta consigo a alma do grande Jazz. Nicole Mitchell é a personificação do virtuosismo e da alegria de tocar na flauta e um Hamid Drake imparável: 5/5.
Os restantes concertos a que assisti em Lisboa mereceram também de mim classificações elevadas: George Schuller’s Circle Wide: 5/5, BassDrumBone: 4/5, Orquestra de Jazz de Matosinhos + Chris Cheek: 4/5

John Taylor Trio
14 Mar
Braga Jazz
Indigo Trio
15 Mar
Braga Jazz
George Schuller’s Circle Wide
5 Mar
Hot Club
BassDrumBone
8 Mar
Culturgest
Orquestra de Jazz de Matosinhos + Chris Cheek
28 Mar
Culturgest

 

Qui 6-Mar
Braga
Theatro Circo
22.00
Orquestra de Jazz de Matosinhos c/ Chris Cheek Carlos Azevedo (dir), Pedro Guedes (dir), Chris Cheek (s)
Sex 7-Mar
22.00
Drumbassbone Ray Anderson (trb), Mark Helias (ctb), Gerry Hemingway (bat, perc)
Sáb 8-Mar
22.00
George Schuller “Circle Wide” Donny McCaslin (s), Brad Shepik (g), Tom Beckham (vib), Dave Ambrosio (b), George Schuller (bat)
Sex 14-Mar
22.00
John Taylor Trio John Taylor (p), Palle Danielsson (ctb), Martin France (bat)
Sáb 15-Mar
22.00
Indigo trio
Nicole Mitchell (f), Harrison Bankhead (ctb), Hamid Drake (bat, perc)

O Braga Jazz tem este ano um dos mais interessantes cartazes de sempre. Modernista, coerente e equilibrado, a escolha de José Carlos Santos confirma o lugar cimeiro que o Braga Jazz vem construindo no panorama nacional. Os nomes deste ano são a Orquestra de Jazz de Matosinhos (OJM) na representação nacional, com o convidado Chris Cheek, BassDrumBone, George Schuller “Circle Wide”, John Taylor Trio e Indigo Trio.

A Orquestra de Jazz de Matosinhos será porventura a mais regular das grandes formações nacionais. O elevado nível da orquestra (dirigida por Carlos Azevedo e Pedro Guedes - ambos também pianistas, compositores, orquestradores e pedagogos) permitiu-lhe iniciar uma série de colaborações com alguns dos nomes mais proeminentes da cena internacional, entre os quais Lee Konitz que deu origem a um disco editado pela Clean Feed. O convidado deste ano não terá o prestígio (nem a história) de Konitz, mas é um saxofonista dotado de uma sonoridade muito característica. Há qualquer coisa de rude e ao mesmo tempo pungente no som e no discurso de Cheek; algo de premente e dramático que o distingue. A sua escolha é absolutamente pertinente.

No dia seguinte toca o BassDrumBone, um trio de fecundo Jazz em actividade há mais de trinta anos! O rosto do trio é o extrovertido Ray Anderson, provavelmente o maior trombonista da actualidade, mas os músicos que o acompanham são de igual estatura. Anderson é uma personalidade multifacetada, capaz de dirigir uma orquestra «de vanguarda» ou tocar R&B. Na música que pratica encontramos uma das mais interessantes sínteses de todo o Jazz, entre o New Orleans e o free. Eloquente, erudito, excessivo, hilariante, o portentoso trombone de Ray Anderson não deixa ninguém indiferente. Mark Helias é como Anderson uma figura controversa; os projectos que lidera alternam entre a urgência caótica do free culto e o puro lirismo. E enfim Gerry Hemingway tem em comum com os seus companheiros um passado ao lado de Anthony Braxton e será dos três quem permanece mais próximo dessa estética, mesmo se a sua música sabe ser insinuante e lírica. O palco é o território privilegiado dos três improvisadores, onde confluem as delicadas estruturas abstractas de Hemingway, o rigor de Helias e o funky desbragado de Ray Anderson. Enfim, mais que um somatório de três nomes grandes do Jazz moderno, BassDrumBone é um verdadeiro colectivo onde todos contribuem, e onde a escrita nasce no papel e se prolonga no palco de forma articulada e consistente. Puro Jazz!

George Schuller é o mentor do projecto «Circle Wide» que encerra a primeira semana do Braga Jazz. Possuidor de uma sólida formação Jazz, Schuller divida-se entre a bateria e a composição, o que é evidente nos projectos conceptuais do tipo do que se irá assistir em Braga, e que se inspira em momentos particulares do Jazz como são o período eléctrico de Miles, o quarteto americano de Keith Jarrett ou a down town nova-iorquina dos anos 80. Formado no cair do século passado, Circle Wide é actualmente constituído por um grupo de jovens turcos onde se destacam o irreverente saxofonista Don McCaslin de reputação já bem firmada, e o guitarrista Brad Shepik que ganhou notoriedade ao lado de Dave Douglas e Jim Black no Tiny Bell Trio. Num grupo de músicos com a eloquência e o singularidade de um McCaslin, é verdadeiramente inspirador observar a forma como a música flui perfeita do conflito entre a pauta e a improvisação, entre as estruturas e as expressões individuais. Nada de mais, afinal. Apenas Jazz.

John Taylor é um dos mais brilhantes pianistas do Reino Unido. Profundamente tocado por Bill Evans ele é «a elegância» no piano. Não se confunda no entanto com qualquer coisa como melífluo ou entediante, porque ele é realmente um pianista inspirado. Esteticamente ele é classificado com frequência dentro do «som ECM», o que apenas levará em conta a sofisticação do seu pianismo. Taylor é um produto contemporâneo de Evans, impressionista e intenso. Em actividade desde o início dos anos 70, ele gravou quase cem discos, entre os quais uma boa parte de projectos próprios e entre os nomes com quem colaborou encontram-se Marc Johnson, Joey Baron, Kenny Wheeler, Arild Anderson, Peter Erskine, Jan Garbarek, Charlie Haden, Lee Konitz, Enrico Rava, John Surman, Steve Swallow, Miroslav Vitous ou Ralph Towner; o que dirá bastante da sua autoridade. O grupo que vai tocar em Braga já roda desde 2004 e é composto por duas almas gémeas: o sensitivo Martin France que sucede a Baron nas escovas e Palle Danielsson que substitui o companheiro de Bill Evans, Marc Johnson.

O Indigo Trio é o projecto mais «vanguardista» do Braga Jazz 2008. Formação atípica de bateria, contrabaixo e flauta, tem-se feito notar principalmente pela figura de Nicole Mitchell a quem a crítica internacional não tem poupado elogios. A secção rítmica partilha com Nicole das concepções musicais desenvolvidas pela famosa AACM: Harrison Bankhead e Hamid Drake. Do novo disco do Indigo Trio se diz que cruza material improvisado e escrito e influências da música das Caraíbas, pop e étnica africana, hard-bop, free jazz e … mais do que veremos no próximo sábado em Braga.

Creio que este é o mais coerente dos Braga Jazz dos últimos anos. Festival personalizado, vem combinando modernidade, memória e saber.

5 de Março de 2008

Leonel Santos