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Estoril Jazz 2006

Clássico de entre os clássicos, o Estoril Jazz cumpriu em 2006 a sua vigésima quinta edição. Clássico pela longevidade e clássico na programação, já que é de entre todos o festival o único que se mantém desde a primeira hora fiel à estética da "era de ouro do Jazz". É o festival do Jazz estabelecido, da tradição, do swing, do Jazz mainstream enfim.

E se é certo que é em grande medida graças ao Estoril Jazz (e ao seu produtor Duarte Mendonça) que passaram por Portugal os grandes do Jazz clássico (e a lista é interminável!; só alguns exemplos: Betty Carter, Terence Blanchard, Hal Galper, Sheila Jordan, Frank Morgan, George Cables, Norman Simmons, Michel Legrand, Clark Terry, Roland Hanna, Kenny Burrell, Rufus Reid, Hank Jones, Hilton Ruiz, Joe Henderson, Jimmy Smith, Lionel Hampton, Sonny Rollins, James Carter, Ray Brown, Kevin Mahogany, Modern Jazz Quartet. Stephane Grappelli, Charlie Haden, Tony Bennett, Diana Krall, Joe Lovano, Ahmad Jamal, Bud Shank, Lew Tabakin, Brad Mehldau, etc, etc, etc), os últimos anos parecem revelar algum esgotamento; não apenas porque "a velha guarda" vai desaparecendo ou simplesmente envelhecendo, mas também porque a própria limitação estética imposta pelo director ignora deliberadamente algumas das áreas – "correntes" e nomes - onde o Jazz é mais criativo. Claro que o Jazz mainstream persiste como uma possibilidade fecunda e saborosa (e bastaria referir os nomes de Keith Jarrett, Brad Mehldau, Diana Krall, James Carter, Wynton Marsalis ou Joe Lovano), mas creio que o Estoril Jazz perde e muito em não alargar os horizontes. A verdade é que ao privilegiar o mainstream (estabelecido nos anos 60!) ignorando o resto do Jazz; ao liminarmente ignorar tudo o que é novo, o Estoril Jazz está na verdade a passar a certidão de óbito ao Jazz. Ora o Jazz – bem pelo contrário – não morreu! E esta é a minha principal objecção à linha estética do Estoril Jazz.

Enfim, malgrado estas minhas reticências, o balanço do Jazz num dia de verão 2006 é positivo, com o mainstream uma outra vez a dar cartas.

A Almost Big Band foi a orquestra europeia de Ernie Wilkins depois dos anos 70. Antes já ele se tinha notabilizado com arranjos para as orquestras de Count Basie ou Eart Hines. A Almost, composta quase integralmente por músicos dinamarqueses, ilustra magistralmente o engenho de Wilkins e as razões da sua notoriedade. O trompetista Tim Hagans, que tocou na banda nos anos 80 e trabalhou com o arranjador foi o solista convidado. Com um repertório integralmente composto por standards, a actuação da orquestra foi empolgante, com participações individuais interessantes (entre as quais o trompetista Tim Hagans), a atestar o nível superior do Jazz dinamarquês. A Almost Big Band abriu da melhor forma o Estoril Jazz deste ano.

O mesmo não se pôde dizer do concerto de Ben Riley. Riley que tocou com Thelonious Monk nos anos 60, num período em que as formas do pianista estavam já completamente afirmadas, produziu um concerto sem chama, a apelar sistematicamente para a memória do genial e popular Monk. Com um grupo de músicos do calibre de Ronny Cuber, Wayne Escoffery ou Cameron Brown, creio que seria possível realizar uma sessão mais interessante, menos "colada" aos originais. Mas o combo preferiu a versão bop mais rotineira, e nem o apelo à emoção aqueceu a noite.

Dena DeRose, que já tinha tocado no Estoril em 2000, apresentou-se agora reduzida a um trio, com o (para mim) desconhecido Martin Wind no contrabaixo e o Matt Wilson na bateria. Dena mostrou-se eloquente na apresentação do repertório tradicional. Elegante e expressiva no toque e no canto, foi secundada eficazmente pelos companheiros. Notou-se a "irreverência" (positiva) do baterista, mais (re)conhecido pelas suas aventuras vanguardistas. Este grupo tocou também no Hot Club e no Casino Estoril.

Como referi na altura, Pat Martino é o guru de muitos guitarristas portugueses. Com razão, já que ele é tecnicamente inexcedível. A história de Pat Martino é famosa: devido a um acidente ele teve uma amnésia profunda em determinada altura da sua vida, tendo reaprendido a tocar ouvindo (-se a si mesmo) as suas próprias gravações.

O concerto foi muito interessante na exibição da virtuose do guitarrista, embora algo limitado na exposição demasiado clássica dos temas.

A segunda semana começou com um agradável concerto do mano Delfeayo, o benjamim do clã Marsalis. Delfeayo Marsalis, que toca trombone, apresentou-se em quinteto numa banda onde ainda toca o irmão Jason na bateria. Concerto bebop despretensioso, soube conquistar uma plateia sem grandes exigências. Nota alta para a prestação do poderoso saxofonista Clarence Johnson e do discreto piano de Victor Atkins.

Kenny Barron (sábado 12) brilhou num concerto irrepreensível, intenso, lírico e inspirado. O Jazz mainstream na sua expressão definitiva.

O JAPP - Jazz At The Palmela Park – Quinteto de Gary Smulyan/ Jeremy Pelt encerrou o festival com outro bom concerto. É certo que da música que o grupo evocava, Pepper Adams e Donald Byrd, o saxofonista barítono esteve algo ausente já que o excelente Smulyan é muito mais brando que (o duro) Adams, sendo o tom geral da sessão francamente bop. E apesar de (creio) este ser um grupo de ocasião, "fabricado" a pedido de Duarte Mendonça, o quinteto revelou-se uma máquina de swing bem oleada.

Uma última nota. Já escrevi noutros momentos que considero que é necessário que estes músicos e esta música venha a Portugal e muito haveriam de aprender os jovens músicos do contacto e da observação destes veteranos, o que, em boa verdade não costuma acontecer. E é pena.

Enfim, este foi mais um Estoril Jazz de um bom nível, equilibrado, sem momentos baixos (mesmo apesar das minhas observações pontuais), em que a expressão mainstream norte americana está em evidência.

Para o ano há mais. Faço minhas as palavras de Ben Riley, desejando longa vida ao Estoril Jazz.

Leonel Santos in Agenda Jazz (newsletter)

8 de Agosto de 2006