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Funchal Jazz 2024

(Todas as fotos por Carolina Santiago)

 

Construir um festival de música é coisa séria, ademais se se pretender que a sua programação tenha alguma coerência. Por outro lado um festival deve ser concebido e começado a erigir com anos de antecedência e livre de interferências; sendo que pragmatismo e bom senso não fazem mal a ninguém, mas também não podem ser desculpa para a indigência.

Os programadores estão sujeitos a uma infinidade de condicionantes, que são diferentes de acordo com os financiadores e patrocinadores oficiais ou privados, o público, e as suas tradições musicais, e a própria disponibilidade dos músicos; e estou a falar apenas da programação. Enfim, também nunca se me afigurou uma boa ideia que um festival de Jazz resultasse de um concurso anual, ou mesmo bianual ou de qualquer tipo, e escolher músicos com base em critérios como “os melhores” é erróneo e qualquer ignorante pode fazer: basta ir às compras nesses supermercados da indústria, que há por lá de todas as cores e tamanhos. Compreende-se a bondade da ideia (de submeter o festival a um concurso), mas o resultado arrisca à vulgaridade.

Vem isto tudo a propósito do Funchal Jazz 2024, que acaba de se realizar em menos de três meses. São conhecidas as adversidades que atrasaram o concurso para o festival e diria que, se três meses seria uma improbabilidade, fazer um bom festival seria um milagre. E apesar das nossas diligências não conseguimos apurar quem é  o santo padroeiro de festival que o fez correr bem...

Enfim, passe a brincadeira, que ele se tenha realizado, com sucesso, é, em primeiro lugar, mérito da sua direcção, e mesmo se a estrelinha da sorte também terá contribuído. Mas o crédito dos actuais programadores junto dos músicos internacionais e nacionais terá sido determinante, e claro que a Câmara do Funchal e os patrocinadores e apoiantes terão contribuído, e naturalmente o público.

Enfim, a meu ver, o único senão na programação do Funchal Jazz está na repetição excessiva de nomes, que resultará em parte do próprio concurso, e de todos as atrasos do processo. E note-se que se Miguel Zenon ou Vijay Iyer vivessem em Lisboa eu os iria ver todas as semanas, e por outro lado também que os músicos evoluem e, em especial no Jazz, ver um músico hoje é diferente de ver um músico daqui a um ano (e mesmo daqui a um mês ou amanhã). Mas, ainda assim, para um público que só tem oportunidade de assistir a concertos de Jazz uma vez por ano, essa repetição poderá resultar numa legítima frustração.

Desde há três anos que o festival cresceu, e os concertos no Jardim Municipal (JM), depois de um ensaio no primeiro ano, passaram a fazer parte integrante do festival, e merecem ser referidos. A ideia seria fazer anteceder a programação internacional, no Parque de Sta Catarina, por uma série de concertos de músicos locais, ou de bandas lideradas por músicos madeirenses, e envolvendo também o Conservatório de Música da Madeira, trazendo para o JM as provas de aptidão profissional (PAPs) dos jovens estudantes do curso de Jazz.

Essa ideia, que no início parecia padecer de “bairrismo” ou “regionalismo”, acabou por se revelar curiosa, e pelo fortuito de existirem muitos músicos de jazz madeirenses de origem, que tocam no continente ou no estrangeiro, com projectos próprios, que vão dos mais “turísticos” ao mais sério.  E afinal o próprio evento do festival acabou por gerar projectos merecedores de palco de qualquer festival de jazz que se preze. Creio que o transmiti no que escrevi sobre o Funchal Jazz de 2022, da mesma forma como o vi este ano.

O Funchal Jazz começou ainda antes de eu chegar, no sábado e domingo 29 e 30 (Junho), com as cantoras Catarina Miranda e Maria José Leal e as PAPs do Conservatório no primeiro de Julho; e já estava quando começaram os concertos de terça e quarta, dois por dia.

Juliana Mendonça Sexteto
O concerto do sexteto de Juliana Mendonça foi uma verdadeira surpresa. Já conhecíamos a Juliana, como contrabaixista, mas o que ela trouxe ao Funchal foi ambicioso projecto de final de curso que ela apresentou na Escola Superior de Música, consagrado à música de Guillermo Klein.
Os arranjos são naturalmente muito bons, mas essa é característica notável da música de Klein, e a surpresa adveio do facto de, não apenas o sexteto a ter sido capaz de tocar, mas o ter feito com distinção. Temas densos, escrita muito complexa, música muito bonita, que nunca se eleva, um todo bem oleado e sem reparos, com uma frente de três sopros a destacar-se com um trombone mais enérgico, um trompete seguro e um saxofone mais lírico. Juliana no baixo eléctrico, e gostaria de a ver no contrabaixo, e uma baterista muito eficiente, subtil e atenta. Anotem este nome: Maria Carvalho.
Quatro estrelas pela ousadia.

Francisco Andrade
O último concerto do dia e novo inesperado, mesmo se o Francisco Andrade se vem revelando uma caixa de surpresas.
Os primeiros temas anunciaram ao que vinha, com uma evocação do free dos anos 60, entre Pharoah Sanders e Sunny Murray, mas os temas seguintes seguintes acrescentaram o Ornette harmolódico e, com alguma estranheza, Jimmy Giuffre.
O seguimento do concerto revelou um investimento em composição, de arranjos simples, suportados pelas capacidades e características dos músicos, também como improvisadores; e diria que do ponto de vista da forma o oposto do concerto anterior. 
A base do grupo é o trio de Andrade - Javier Galiana - João Lencastre, saxofone, piano, bateria, que se basta a si mesmo na inclemência da musica, quando não acrescido eventualmente de contrabaixo e trompete (Ricardo Dias e Alexandre Andrade). Raramente o mais ruidoso, o piano acaba por se desvendar subtil o centro da música, gerindo o desequilíbrio do trio e a sua inconstância. Inconstância na forma e no humor, surpreendendo num jazz muito duro e menos convencional, irreverente, e não faltou um toque madeirense.
O concerto foi também o momento de lançamento do disco, «Linhas e formas».

Emanuel Inácio Quarteto 
A atestar a diversidade do Jazz que se faz na Madeira esteve o concerto que abriu o fim de tarde do dia seguinte, do grupo do jovem virtuoso Emanuel Inácio, um concerto de standards, absolutamente clássico. Clássico na forma tema-solo-tema, com muito espaço para os instrumentistas solarem, e em especial os dois virtuosos Mateus Saldanha e Hugo Lobo, com um baterista-cantor canhoto e o contrabaixista seguro, mas discreto, na direcção. O guitarrista começou por se evidenciar num tema de Kenny Burrell, com a banda a soar muito bem, antes do baterista nos surpreender no papel de vocalista em «You Go to My Head», um clássico dos anos 30, a que se lhe seguiu «The Way You Look Tonight»,  e o repertório diversificou com Gerry Mulligan e George Russell (e uma dispensável interpretação do «Noites da Madeira»). 
Primorosamente tocado, despretensioso e saboroso.

João Paulo Rosado
A finalizar os concertos do parque esteve o grupo de João Paulo Rosado, um contrabaixista a viver no Porto. O grupo é de certa forma uma extensão do grupo Puzzle 3D, aqui acrescido do saxofonista galego Xosé Miguélez. Mas se um trio pode ser mais ou menos equilátero, dependendo por norma da importância do piano (ou guitarra), um quarteto de saxofone dificilmente o será, dadas as características próprias do saxofone; ademais deste. Mesmo se Miguélez não é o líder, ele é um protagonista natural, até pela sua forma de tocar e o timbre grave, próximo de um Michael Brecker. 
Concerto muito bem disposto como é sempre apanágio de João Paulo Rosado, numa forma mainstream, desafectada, mas sólida. Composições originais do trio, em especial do pianista e baterista, e o humor cáustico do líder, a encerrar da melhor forma os fins de tarde do Jardim Municipal

Uma última nota para o som, de uma acústica surpreendente, com um recorte de som absoluto. E se a concha do palco do Jardim Municipal contribuirá para este facto, o mérito tem que ser também atribuído à equipe de som.
E poderíamos começar por aqui, para falar dos concertos no Parque de Sta Catarina, pelo som, mais do que irrepreensível, generoso, que é oferecido ao público do festival.
Gererosidade, a par de uma produção competente, onde tudo rola sobre esferas, é qualidade do Funchal Jazz.

Madeira Jazz Collective
De actividade e formação irregular, o Madeira Jazz Collective (MJC) conta com dez anos de vida e dois discos gravados, o último dos quais - «Gineceu» - editado neste festival, correspondendo ao desafio lançado por Paulo Barbosa a Alexandre Andrade, em Maio, para abrir o Funchal Jazz 2024. Repertório inédito e muito trabalho para tão pouco tempo, e apesar disso uma digna abertura para o festival. Reunião de veteranos, excepção para o impetuoso jovem trombonista Ricardo Sousa (que já tínhamos notado com Juliana Mendonça), o Madeira Jazz Collective revelou pertinência e acerto, e autoridade; uma espécie de formação institucional que ele desejavelmente pode vir a ser. 
Seis temas apenas, respeitando  o alinhamento do disco, composições de históricos do MJC, Filipe de Freitas, Jorge Maggiore, Alexandre Andrade e Francisco Andrade; um concerto tranquilo.

Vijay Iyer Trio
Vou começar por dizer que revi este concerto em filme várias vezes. Vou dizer também que observei que a formação que tocou neste festival não é a formação regular do pianista, embora o baixista e baterista toquem regularmente com Iyer, e também, como escrevi no preâmbulo, este concerto foi agendado em muito pouco tempo. E que a música dos dois discos que ele abordou, «Compassion» e «Uneasy», tinham a participação de Tyshawn Sorey e Linda May Ho que, já agora, abriram o Guimarães Jazz de 2021.
Posto isto devo dizer que, correndo o risco de ser injusto, este terá sido um «concerto de ocasião». Mas, há um mas, era Vijay Iyer e Harish Raghavan e Jeremy Dutton que estavam no palco, e isso faz toda a diferença.
É sabido que no Jazz, ao contrário de outras músicas,  cada músico, cada personalidade conta, e a música resultará sempre diferente, em cada «substituição».
E permito-me comparar o concerto do Funchal com o do Guimarães de 2021, e as diferenças estiveram basicamente na exuberância de Linda Ho versus rigor de Raghavan, e na subtileza de Sorey versus energia e virtuosismo de Dutton. 
Os discos Compassion e Uneasy marcam uma mudança na música de Iyer, como o concerto também confirmou: se ele se fez notar no início dos milénio pelo intrincado das harmonias e as composições dignas dos grandes compositores do Jazz, de Monk a Andrew Hill, numa vanguarda consistente, esta última fase ECM é marcada por uma maior pressão rítmica, melodias mais simples, ou mesmo a invocação de standards, elipses, longos ostinatos, como interrogações sobre as melodias, tumultuoso e denso, mas também mais previsível. 
O concerto começou, como anunciado pelo pianista, por um longo medley (“batam palmas quando quiserem”), onde reconheci o clássico de Stevie Wonder «Overjoyed», numa homenagem cruzada a Chick Corea, o original «Ghostrumental», uma passagem pelo clássico «Night and Day», ou «Compassion», em 90 minutos ininterruptos de música verdadeiramente devastadores, antes de um remate dedicado à Palestina: «Free Palestine»*.
Enfim, este terá sido um concerto de um dia em que Vijay Iyer estava sem ideias. Mas era o Vijay Iyer (e Harish Raghavan e Jeremy Dutton)  que estava ao piano e foi magnífico!
Atenção: Vijay Iyer ainda tocará este Outono em Portugal, no Angra Jazz e no Seixal, em dois concertos que se anunciam imperdíveis.

(* Vijay Iyer é professor em Harvard e tem-se feito notar como representante dos professores ao lado dos alunos nos protestos pela paz na Palestina; e porque há gente que se preocupa, que não pactua com os criminosos dos nossos tempos, nem quando eles se fazem de vítimas, nem quando se vestem de civilizados)

Eduardo Cardinho Sexteto
Eduardo Cardinho é já um veterano no panorama Jazz nacional, sendo reconhecido como um expoente num instrumento menos comum no Jazz, com um vasto número de participações em discos, como líder ou sideman, tendo partilhado o palco com inúmeras vedetas do Jazz nacional e internacional. O convite para tocar no palco principal do Funchal Jazz é por isso normal.
Um baixo eléctrico, um teclista e um percussionista, que lhe imprimem uma sonoridade que remete para a fusão dos anos 70, contrariados por um saxofonista que é sempre uma wild card, um baterista voluptuoso e um virtuoso do vibrafone; ou dito de outra forma, uma mescla de universos, que resultam da(s) própria(s) geografia(s) dos músicos, entre o Brasil e Portugal, o Jazz e a música brasileira, a electrónica e o acústico, o artificial e o genuíno.
Que esse grupo seja, apesar das dissemelhanças, equilibrado e coeso, será um caso notável, só possível devido ao nível dos músicos e do líder. E, como nota discordante, apenas, demasiado fusão e groove para o meu gosto; e felizmente que lá estava o saxofone do Mortágua como nota discordante, ou questionante? Mas ele faz afinal parte do todo!
Composições de Cardinho, a apresentar também o mais recente disco do vibrafonista,  para a catalã Fresh Sound.

Bill Charlap Trio
O concerto de Bill Charlap levanta-me mix feelings. Por um lado ele é um virtuoso, um pianista vertiginoso, insuperável na arte dos standards. Por outro ele está completamente rendido àquela formula, não se desviando dela um centímetro. E o mesmo para os restantes membros da banda.
«Love You Madly», «Caravan», «Prelude to a Kiss», «Tea for Two», «Smoke Gets in Your Eyes», «On The Sunny Side of the Street»,  entre outros; Charlap não investiu muito na imaginação, ou na ousadia, e o público agradeceu: entre Duke Ellington, Thelonious Monk, Jerome Kern, ou Cole Porter, não havia espaço para falhar. 
Um concerto bem disposto, tranquilo, daqueles que por vezes precisamos, que nos põe a cantar.

Mano a Mano & Orquestra de Jazz do Funchal
Os Mano a Mano protagonizaram outro dos momentos altos do festival, e a audição posterior do vídeo do concerto fez-me cogitar se não estaria até a ser avaro na pontuação.
A ideia, o convite, do programador, já tinha um ano, e consistia basicamente na orquestração da música dos Manos para a Orquestra de Jazz do Funchal; mas a proposta só foi concretizada em Maio, dadas as vicissitudes que acompanharam o concurso para o festival; e tinha tudo para correr mal.
Os arranjos, com três excepções, foram encomendados à jovem Estela, um outro a Lars Arens e um último a Guillermo Klein, pertencendo os três restantes a André e Bruno Santos;  e os ensaios da orquestra começaram apenas uma semana antes. O arranjo do Guillermo Klein só foi mesmo conhecido dos músicos e da orquestra no início dos trabalhos. O director convidado foi o Pedro Moreira, músico, saxofonista, professor e maestro.
O alinhamento, sem novidades, retirado do repertório dos Mano a Mano, iniciou-se com dois clássicos, «Stardust» e «Noites da Madeira», os únicos alheios à dupla, seguindo-se os originais «Olive Oil», «Nem tudo é o que parece», «Rosa/ A flor do amor», «Uma espécie de pacto», «Canção em lá», e «A cadeira, o baloiço e a rosa».
Música muito melodiosa, que tanto vai buscar aos standards como mergulha no cancioneiro popular madeirense, como se inspira nos folclores do mundo ou no Jazz, num eclectismo sem raias. E o que se pode dizer é que a orquestra acrescentou uma dimensão insuspeitada à música dos Manos, não se limitando a oferecer-lhe volume.
Os arranjos de André e Bruno, os de Estela, e também o de Guillermo Klein,  têm sempre como referência e preocupação (de não desvirtuar) a música original ou, se preferirmos, o espírito, mas o de Lars Aren em especial é, quase se diria, uma nova composição.
O arranjo de Lars Arens é verdadeiramente brilhante (e mereceria por si só as cinco estrelas, mas eu devo conter-me), toma a composição original como argumento, e recria-a; as duas guitarras deixam de estar no centro da música, que passa a ser a orquestra: a orquestra, em toda a sua magnitude. A composição ainda é divisável, ou perscrutável, mas eu diria que ele a roubou, despudoradamente; é já outra coisa.
Arens fez daqueles breves momentos um dos pontos altos do festival, um grande momento de música, de engenharia musical, e sê-lo-ia em qualquer festival, em qualquer lado.
Que a orquestra tenha sido capaz de responder será igualmente notável, dados a sua precariedade e juventude; mérito daquelas duas dezenas de jovens e do esforçado e competente trabalho do maestro.
Uma nota para o quarteto; eu esclareço: a música dos Mano a Mano foi concebida para ser tocada a dois, entre o André e o Bruno, e das poucas vezes que lhe acrescentaram instrumentos eles foram sempre o prolongamento das guitarras, como é o caso dos cordofones madeirenses. Ora o que os arranjos permitiram divisar por diversas vezes, foi a possibilidade do quarteto, com o contrabaixo e a bateria; e os jovens Emanuel Inácio e Francisco Coelho revelaram-se sempre pertinentes: a energia e o entusiasmo da juventude!
Os Mano a Mano e a Orquestra de Jazz do Funchal fizeram o que foi, para estes ouvidos, o momento mais estimulante do festival.

Miguel Zenón Quartet
Com uma história de mais de vinte e cinco anos, o quarteto de Miguel Zenón em palco é uma verdadeira locomotiva a grande velocidade. Não lhe encontro grande evolução ao longo deste quarto de século e, se mudança terá havido, ele estará na crescente importância da música popular de Porto Rico, a terra natal do saxofonista. Contraditoriamente, porque me recordo de sobre ele ter observado há vinte anos a proximidade ao modelo parkeriano, e hoje ele destila Puerto Rico pelos poros.
Ainda assim, fulgurante, impetuoso, luxuriante, pujante, fecundo, o saxofone de Miguel Zenón, é verdadeiramente insuperável e, como atrás disse, se tivesse oportunidade, eu iria vê-lo todas as semanas.
Se o quarteto funciona como um todo, um só, eu reconheço singularidade noutro dos seus membros, o pianista Luis Perdomo, outro ilustre, sumptuoso e fecundo, a quem Zenón oferece generosamente espaço na máquina.
Não há o mínimo atrito, a mínima desarmonia, no quarteto, uma máquina trituradora bem oleada. A uma primeira composição onde a torrente de notas curtas do saxofone de Zenón é interpelada pelo piano rude de Perdomo, sucede-se uma canção, a que apenas falta a letra, lindíssima, onde o mesmo piano rude assume um dramatismo inesperado.   
Velhos e novos temas, o repertório de Zenón e o cancioneiro popular de Porto Rico são perscrutados, revisitados e dissecados, sem concessões ou facilitismo, com uma generosidade e uma alegria que se comunicam à audiência. A nós, que nos rendemos à música de Miguel Zenón desde os primeiros acordes.

Joshua Redman Group feat. Gabrielle Cavassa
O concerto de Joshua Redman ateve-se basicamente a Where Are We, disco editado em 2023.
Sempre muito próximo do disco, a música do grupo de Redman submeteu-se à dinâmica própria da bonita voz de Gabrielle Cavassa. Voz calorosa, sensual, lenta, algo arrastada como um lamento por vezes, marca o ritmo, aqui e ali como um contraponto ao instrumental da banda.
«Chicago Blues», «Streets of Philadelphia», «Hotel California», «By the Time I get to Phoenix» ou «My Heart in San Francisco» (e mais uma bossa encontrada não sei onde), não são o meu repertório preferido, e diria que eles facilitaram (além de que ninguém deveria atrever-se a roubar «Streets of Philadelphia» ao Boss).
É um disco sobre lugares, diz Joshua Redman, a América vista pelos cantores, e também Minneapolis- «After Minneapolis», o único original do líder, escrito depois da morte de George Floyd, dramático e lento, antes da banda se precipitar num turbilhão; que acaba por ser um dos melhores momentos do concerto.
Gabriela Cavassa não é uma improvisadora e, mesmo se ela domina a «linguagem», eu diria que ela dificilmente pode ser considerada uma cantora de Jazz. Não que tenha alguma importância, mas o facto de não improvisar, e não estou a falar de scat, mas do brincar com as palavras e as melodias que Ella fazia (ensaiou-se timidamente em «Rhode Island» e no encore), e por outro lado pelo ritmo que impõe quando canta, parecendo haver duas bandas em palco, quando canta e quando não canta; quando a banda de Joshua Redman se solta. Não se leia que não gosto da voz de Gabriela Cavassa; apenas como dizia a canção («Blame It on My Youth»), ela é ainda muito nova. E ela tem tudo para se tornar uma grande cantora de Jazz; apenas precisa de se soltar.
Mas o concerto não acabou aqui e Joshua Redman reservava-nos uma surpresa, ao convidar Miguel Zenón para o encore. Eu não apontei o tema, e creio que terá sido um qualquer hit de Herbie Hancock sobre a que a banda improvisou, e não vos irei descrever, porque faz parte daqueles momentos indescritíveis, uma banda de monstros à solta e duas feras à compita. Daqueles quinze minutos que nos fazem esquecer todas as dúvidas, perdoar todos os pecados.

Workshops e jam sessions
O festival contou ainda com três workshops no Conservatório de Música na Madeira, oportunidade única para os jovens estudantes aprenderem com os mestres Vijay Iyer, Bill Charlap e Miguel Zenón; e ainda as obrigatórias jam sessions no Qasbah, que este ano tiveram a direcção de mestre Nuno Ferreira, acolitado por Bernardo Tinoco, Emanuel Inácio e Francisco Gomes, e onde estiveram também, ao que me contaram, músicos das bandas de Zenón, Iyer, Redman e Charlap, para além dos nacionais, a que, por razões de saúde, acabei por não assistir.

O Funchal Jazz 2024 terminou. Com uma história de quase um quarto de século, dez com a actual direcção, ele parece ter consolidado um modelo de um verdadeiro festival de Jazz, que não se limita a fornecer ao público um rol de concertos - e eles foram treze, dos quais quatro internacionais e seis de entrada livre -, mas estabeleceu uma ligação efectiva à comunidade, através do Conservatório, com as PAPs e as workshops, terminando com as concorridas jam sessions no final dos concertos.

Leonel Santos

(Todas as fotos por Carolina Santiago)

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Leonel Santos viajou com o apoio da Associação de Promoção da Madeira


 


Antecipação (12 de Junho de 2024)

Funchal Jazz, de 1 a 8 de Julho.

Há muitos anos o jazz em Portugal tinha duas épocas: quando os músicos que vinham à Europa iam ou regressavam aos Estados Unidos, e nesse vaivém passavam por cá. Assim se fizeram os primeiros Cascais Jazz, no Outono, ou os Estoril Jazz, no Verão.
Muito mudou desde então, o jazz descentralizou-se e universalizou-se, as viagens são mais baratas, e em Portugal há músicos também. Agora há festivais todo o ano, mas o verão é, ainda assim a época privilegiada, mesmo se alguns deles, históricos, continuem a privilegiar o Outono ou a Primavera, como são os casos do AngraJazz, do Guimarães Jazz e do Seixal Jazz, do Valado dos Frades, Amadora ou o Campus Jazz de Aveiro.
Se bem que os festivais de jazz não possuam as mesmas características que os festivais pop, os festivais de jazz de verão procuram, como esses outros, aproveitar a maior disponibilidade do público no período das férias, garantidas as graças do estio. Há festivais de norte a sul e ilhas, há festivais para vários gostos, dirigidos para o grande público ou os mais jovens, mais jazz ou menos jazz, na grande amálgama da fusão e do mais comercial, e ignorarei os mais descaracterizados.   

...

O Funchal Jazz é o único festival de jazz nacional capaz de reunir mais de 2000 pessoas num único recinto, mas ele faz quase isso três noites seguidas todos os anos. Ou quatro, como deverá acontecer este ano, de 4 a 7 de Julho. Uma verdadeira produção pop para uma programação de luxo, a começar na representação internacional: os trios de Vijay Iyer e Bill Charlap, o quarteto do fulguroso Miguel Zénon e o grupo de Joshua Redman com a cantora Gabrielle Cavassa. Mas as noites do Parque de Sta Catarina têm mais, a começar com o desafio dirigido aos manos Santos, Bruno e André, para tocar a sua música à frente da Orquestra de Jazz da Madeira; ao Madeira Jazz Collective, e ao Sexteto de Eduardo Cardinho.
Mas, antecipando a programação nobre do festival, pelo auditório do Jardim Municipal do Funchal desfilarão nos dias anteriores, em concertos de entrada livre, os grupos da jovem contrabaixista Juliana Mendonça, de Francisco Andrade, de Emanuel Inácio ou de João Paulo Rosado, muita animação, workshops, e as inevitáveis jam sessions, como não poderiam faltar num festival a sério. 

...

Texto publicado no Jornal de Letras de 12 de Junho de 2024

Leonel Santos

Sáb 29 Junho Funchal Jardim Municipal 19.00 Catarina Miranda Catarina Miranda (voz), Rafael Andrade (t, flis), Décio Abreu (g), Filipe Gouveia (ctb), Caio Oliveira (bat)
Dom 30 Funchal Jardim Municipal 19.00 Maria José Leal Maria José Leal (voz), Francisco Aguilar (st, ss), Vitor Anjo (g), Bjorn Vandenneucker (ctb), Francisco Coelho (bat)
           
Seg 1 Julho Funchal Jardim Municipal 19.00 Beatriz França
(PAPs CEPAM)
Francisco Andrade (st), Beatriz França (g), Beatriz Dória (p), Laura Dilara (ctb), Afonso Teles (bat)

Eduard Cojocaru
(PAPs CEPAM)

Francisco Andrade (st), Eduard Cojocaru (g), Ricardo Dias (b-el), Salvador França (bat)
Ter 2 Funchal Jardim Municipal 19.00 Juliana Mendonça Sexteto Maria Fonseca (t), Ricardo Sousa (trb), Álvaro Pinto (s), Luan Maziero (p), Juliana Mendonça (b-el, ctb), Maria Carvalho (bat)
Francisco Andrade Trio c/Javier Galiana e João Lencastre Francisco Andrade (st, ss), Javier Galiana (p, fr), João Lencastre (bat) + Alexandre Andrade (t), Ricardo Dias (ctb)
Qua 3 Funchal Jardim Municipal 19.00 Emanuel Inácio Quarteto Hugo Lobo (p), Mateus Saldanha (g), Emanuel Inácio (ctb), João Ribeiro (bat, voz)

João Paulo Rosado Quarteto

Xose Miguélez | sax tenor Pedro Neves | piano João Paulo Rosado | contrabaixo Miguel Sampaio | bateria
Qui 4 Funchal Parque St. Catarina 21.30 Madeira Jazz Collective Alexandre Andrade (t), Ricardo Sousa (trb), Francisco Andrade (st), Décio Abreu (g), Ricardo Dias (ctb), Paulo Gouveia (bat)
Vijay Iyer Trio Vijay Iyer (p), Harish Raghavan (ctb), Jeremy Dutton (bat)
Sex 5 Funchal Parque St. Catarina 21.30 Eduardo Cardinho Sexteto
«Not Far From Paradise»
João Mortágua (sa), Eduardo Cardinho (vib, sint), José Diogo Martins (f-r, sint), Frederico Heliodoro (b-el, g), Diogo Alexandre (bat), Iúri Oliveira (per)
Bill Charlap Trio Bill Charlap (p), Noriko Ueda (ctb), Carl Allen (bat)
Sáb 6 Funchal Parque St. Catarina 21.30 Mano a Mano & Orquestra de Jazz do Funchal Pedro Moreira (dir), Bruno Santos (g), André Santos (g), Alexandre Andrade (t), Pedro Ferreira (t), Sérgio Couto (t), Inês Gouveia (t), Francisco Pestana (trb), Ricardo Sousa (trb), Maikol Rodrigues (trb), Pedro Pinto (trb), Francisco Andrade (s), Tomás Noronha (s), Vitor Fernandes (s), Francisco Aguilar (s), Miguel Dantas (s), Emanuel Inácio (ctb), Francisco Coelho (bat)
  Miguel Zenón Quartet Miguel Zenón (sa), Luis Perdomo (p), Hans Glawishnig (ctb), Henry Cole (bat)
Dom 7 Funchal Parque St. Catarina 21.30 Joshua Redman Group Feat. Gabrielle Cavassa Gabrielle Cavassa (voz), Joshua Redman (st), Paul Cornish (p), Philip Norris (ctb), Nazir Ebo (bat)

 

 

 

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Programador/ Director Artístico PAULO BARBOSA
Iniciativa CÂMARA MUNICIPAL DO FUNCHAL