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Guimarães Jazz 2018

 

Inaugurando um novo figurino, o Guimarães Jazz decorreu ininterruptamente durante dez dias, de 8 a 17 de Novembro, num total de treze concertos, mais as jam sessions que se realizaram quase todos os dias (noites) do festival.

Com uma programação diversificada, entre concertos dirigidos para um público mais alargado e alguns outros mais modernos e restritivos, o Guimarães Jazz ofereceu-nos um panorama relativamente interessante do Jazz que se produz nos dias de hoje. O mais importante festival de Jazz nacional já vai na vigésima sétima edição e não dá sinais de arrefecer…

Pelas duas semanas do festival passaram Aziza (Dave Holand, Chris Potter. Kevin Eubanks e Eric Harland); o jazz-pop de Marquis Hill; o trio alemão de Pablo Held; a irreverente Millennial Territory Orchestra de Steven Bernstein com Catherine Russell; a Big Band e Ensemble de Cordas ESMAE dirigida por Matt Ulery, produto das workshops organizadas pelo festival; o Projecto Guimarães Jazz/ Porta Jazz, atribuído este ano a João Grilo, na primeira semana; e o Random/Control do austríaco David Helbock; a apresentação do novo projecto de João Barradas com Greg Osby, «Own Thoughts From Abroad»; a flautista brasileira Lea Freire que apresenta «Cartas Brasileiras» à frente do seu quarteto e da Orquestra de Guimarães; a modernidade irredutível de Dave Douglas à frente de um sexteto de peso: Jon Irabagon, Rafiq Bhatia, Mary Halvorson, Bill Laswell e Ches Smith, o novo CD com «Uplift» gravado para a sua prolífica editora Greenleaf Music; o trio intimista de Avishai Cohen; o «Delicate Charms» de Matt Ullery, o músico que animou as jam sessions e dirigiu as workshops; e a poderosa The Mingus Big Band.

Os concertos decorreram nos dois auditórios do Centro Cultural Vila Flor e a Black Box do CIAJG (Centro Internacional das Artes José de Guimarães) e as jam sessions na Assocoação Convívio e no Café Concerto do Vila Flor. A programação é de Ivo Martins e a organização e produção estiveram a cargo da Oficina, o Convívio e a Câmara de Guimarães.
Apenas assisti aos últimos seis concertos do festival.

João Barradas
João Barradas tem merecido justo aplauso genericamente pela crítica e pelo público, e ele conseguiu introduzir no Jazz um instrumento que não é muito comum, o acordeão, revelando-se um excelente improvisador.
Sem que tenha introduzido alguma novidade, creio que «Own Thoughts From Abroad» necessita alguma rodagem, e eu creio que Barradas ainda não acertou os saxofonistas, Mark Turner ou, aqui, Greg Osby, que nunca ultrapassam a competência. Também Luca Alemanno e Naíma Acuña não revelaram a força e empatia que o jovem acordeonista revela com Rosinha e Pedroso, por exemplo.
Mas a sua música é sempre muito fresca, conseguindo superar o excesso melodioso do instrumento, e introduzindo também o acordeão-midi ou acordeão sintetizado, com uma sonoridade próxima do órgão, muito interessante.
Um bom concerto.

Orquestra de Guimarães com Léa Freire Quarteto «Cartas Portuguesas»
Não é fácil, ou é impossível, pôr uma orquestra clássica a tocar Jazz, basicamente porque as suas naturezas são distintas. Pode-se pôr a orquestra a tocar temas familiares ao Jazz ou encontrar solistas capazes de improvisar, mas será basicamente tudo. A Orquestra de Guimarães em particular, é uma orquestra onde as cordas têm peso, e as orquestrações para a orquestra estão bastante condicionadas. Por outro lado Léa Freire não é uma compositora de Jazz típica e as suas composições contêm muito da música popular brasileira. Não será por esse facto que não há grandes músicos de Jazz no Brasil (e bastaria citar o nome de Hermeto Pascoal que Freire, aliás, tocou), mas a música de Léa Freire não tem essa preocupação e, diríamos, ainda bem. Mas ela não consegue escapar à necessidade de invocar muitos artefactos excessivamente melódicos, diria eu, que são mais facilmente captados pela natureza da orquestra e, se ela se afasta do Jazz, também não consegue sair do emaranhado excessivamente melódico que ela própria cria.
«Cartas Brasileiras» mergulha no património musical popular brasileiro e oferece-lhe uma roupagem Jazz agradável, mesmo se não ambiciosa, mas interessante. O concerto proporcionou-lhe algumas possibilidades que ficaram por realizar, embora, como disse, não fosse fácil. Alguns apontamentos de mau gosto não ajudaram (tipo «Lisboa é uma canção»).
Originais da flautista e compositora mais um tema do génio de Hermeto, ora tocados pela orquestra ou de apenas alguns dos naipes ou do quarteto, ofereceram alguns dos momentos mais interessantes do concerto.

Dave Douglas Uplift
Um concerto de Dave Douglas é sempre um acontecimento. Douglas é uma das figuras de proa do Jazz contemporâneo, desdobrando-se em projectos – na concepção ou na participação - que tanto se aproximam da vanguarda como mergulham na tradição, cruzando géneros e formas, numa hiperactividade invulgar, que se prolonga também na gestão de uma profícua editora.
Uplift, um dos mais recentes projectos de Douglas, editado em disco pela Greenleaf em 2018, e que ele veio tocar a Guimarães, possui também uma mensagem política que se intrinca na música e que Douglas fez questão de esclarecer, e bem. A música não necessita de ser política e um músico não tem de assumir posições políticas, penso eu mas, se tiver, ainda bem. A atitude de Douglas como editor é também política, na defesa dos músicos contra os tubarões da indústria, promovendo os músicos e a música. Assumir a oposição a Trump é necessário e muita da inconformidade das pessoas boas (que nem todos os americanos são estúpidos e burros) aos pulhas da nossa sociedade assume diferentes formas. A de Dave Douglas está presente em Uplift, e ele esclareceu-nos. Parabéns, Dave Douglas.   
Uplift reúne um grupo de músicos improváveis (a reunião), entre a guitarra caótica de Mary Halvorson e essoutra mais clássica de Rafiq Bhatia, o saxofone impetuoso de Jon Irabagon, a secção rítmica extravagante de Bill Laswell e Ches Smith e ele próprio no trompete. A pecha do concerto foi Bill Laswell, que não foi capaz de oferecer o que (digo eu) se lhe exigia – a energia do rock. (Eu diria também que Laswell foi sempre mais interessante como produtor do que como músico, mas isso é um apontamento, mas de qualquer forma ele não esteve à altura da energia e da complexidade da música de Dave Douglas, ficando-se sem perceber o porquê da sua convocação.)
Música exigente e complexa, impetuosa, angulosa, suportada por uma formação atípica, com as duas guitarras em permanente disputa (que começa na personalidade díspar dos dois), raramente funcionando como suporte harmónico, com dois sopros «soltos», ora construindo a melodia ora a rasgando, sem quaisquer preocupações consonantes, a trocar-lhes as voltas.
A incomodidade da música sem concessões de Douglas foi um dos grandes momentos do Guimarães Jazz 2018. 

Avishai Cohen
Avishai Conhen (trompetista, não confundir com o Avishai Cohen baixista) foi outro dos grandes músicos da actual cena novaiorquina que esteve presente no festival. Depois de um início na Fresh Sound, e depois na Anzic Records, ele foi capturado pela ECM para onde gravou dois discos, em 2016 e 2017, sendo Cross My Palm With Silver o que tinha a formação mais próxima da que trouxe a Guimarães.
Quarteto clássico, a música de Avishai Cohen foge ao estigma do Jazz mainstream (que ele é capaz de tocar), fundindo o folclore (construído, adoptado por Israel como o seu folclore contemporâneo) klezmer com inúmeras referências, entre clássicas, folclóricas e Jazz, que lhe dão uma personalidade multicultural muito interessante.
Bastante mais melódico do que seria de esperar (eu esperava, atendendo ao disco que referi), Avishai Cohen fez um concerto muito bonito, para o que contou com a personalidade dessa outra estrela em ascensão que dá pelo nome de Yonathan Avishai.

Matt Ulery’s Delicate Charms
O concerto de Matt Ulery era à partida uma incógnita para mim, muito pela dissemelhança entre os discos que lhe conhecia e as suas participações noutros grupos. Do que lhe tinha ouvido eu tinha apenas uma ideia construída de que ele era um músico muito melódico, perigosamente melódico.
Ulery foi o músico escolhido (e a sua banda) para animar as jam sessions e as workshops do festival, e ele dirigiu a Big Band e Ensemble de Cordas da ESMAE resultante das workshops e que se terá apresentado ao público no domingo 11.
Eu torço sempre o nariz (as minhas desculpas pelo parti pris) às grandes secções de cordas quando se põem a tocar Jazz, e a história vem confirmando o meu preconceito. É verdade que o Jazz é uma música porosa e (felizmente) que muitos músicos não têm a preocupação de se colocar num ou noutro universo, mas apenas de fazer música; e se eu penso que o Jazz é a melhor música do mundo, eu vejo-me com frequência na necessidade de abordar a música por perspectivas mais «eclécticas». Mas eu não assisti ao concerto do dia 11 e não sei o que aconteceu.
A música de Delicate Charms, que deverá resultar num disco a gravar, nasceu de uma workshop em Chicago, já este ano, reunindo os músicos que tocaram em Guimarães, e que para ela contribuíram colectivamente, mesmo se debaixo das concepções harmónicas/ melódicas de Ulery.
O resultado esteve patente na afinidade molecular que o grupo (quinteto com violino e sax alto) patenteou, e que resultou numa música profundamente melódica, mas bastante atípica, diria, inconvencional, ou aconvencional, visual e envolvente.
Talvez que por essa densidade melódica (que Ulery - o grupo - consegue fazer sem a transformar numa sopa xaroposa) os meus ouvidos não tenham conseguido aderir em definitivo, mas não tenho dúvidas que ele foi capaz de superar a prova (que o meu preconceito anti-melodia tinha antecipado). Aguardarei pelo disco com expectativa, mas Ulery realizou um concerto muito bonito.

The Mingus Big Band
O Guimarães Jazz 2018 encerrou com a The Mingus Big Band (MBB), uma das orquestras que vêm tocando a música do eterno Charles Mingus, e que integrava na sua composição meia dúzia de ilustres e entre os quais o (creio que) único ex-membro da banda de Mingus, que com ele tocou nos anos 70, o trompetista Jack Walrath. Esta e outras formações têm nos últimos trinta  anos passado por Portugal, em formações diferentes. (Curiosamente esta formação não contava com Frank Lacy que se tornou um membro proeminente das orquestras de Mingus, mas que nelas vinha assumindo uma postura algo egocêntrica.)
O propósito da MBB é tão-somente tocar a música do contrabaixista, as suas composições, mas também a sua atitude musical irreverente. E devo dizer que este foi um dos melhores concertos que lhe vi de há muito tempo. Música poderosa, ossuda e áspera, ela possui muita da incomodidade harmónica de Thelonious Monk (e que em Monk nos surpreende ainda, nota a nota) e uma irreverência e humor (que é também político e social) e criatividade que justifica a sua perenidade. «So Long Eric», «Invisible Lady», «The Shoes of the Fisherman's Wife Are Some Jive Ass Slippers», «OP», «Goodbye Pork Pie Hat»: o espólio de Charles Mingus é avassalador. 
Wayne Escoffery, Alex Terrier, Conrad Herwig, Alex Sipiagin, Boris Kozlov e mais uma dezena de grandes músicos trouxeram a Guimarães uma atitude que mais que irreverente foi inspirada e inspiradora, demolidora e convincente.
Um grande concerto de encerramento para o Guimarães Jazz 2018.

Programação:
Ivo Martins

Produção/ Organização:
Município de Guimarães, Oficina, Convívio

 

Leonel Santos

(Leonel Santos esteve no Guimarães Jazz a convite do festival)

 

 

Qui 8
Guimarães
Centro Cultural Vila Flor - GA
21.30
Dave Holland
Aziza
Dave Holland (ctb), Chris Potter (s), Kevin Eubanks (g), Eric Harland (bat)
Guimarães
Convívio
24.00
jam session
Matt Ulery (ctb), Zach Brock (v), Greg Ward (sa), Quin Kirchner (bat), Rob Clearfield (p)
Sex 9
Guimarães
Centro Cultural Vila Flor - GA
21.30
Marquis Hill Blacktet
Marquis Hill (t), Logan Richardson (sa), Joel Ross (vib), Jeremiah Hunt (ctb), Jonathan Pinson (bat)
Guimarães
Convívio
24.00
jam session
Matt Ulery (ctb), Zach Brock (v), Greg Ward (sa), Quin Kirchner (bat), Rob Clearfield (p)
Sáb 10
Guimarães
Centro Cultural Vila Flor - PA
18.30
Pablo Held Trio
Pablo Held (p), Robert Landfermann (ctb), Jonas Burgwinkel (bat)
Guimarães
Centro Cultural Vila Flor - GA
21.30
Steven Bernstein’s Millennial Territory Orchestra
with Catherine Russell
Steven Bernstein (t, dir), Catherine Russell (voz), Curtis Fowlkes (trb), Charlie Burnham (v), Doug Wieselman (g, clb), Michael Blake (s), Erik Lawrence (ss, sb), Matt Munisteri (g, voz), Ben Allison (ctb), Ben Perowsky (bat)
Guimarães
Convívio
24.00
jam session
Matt Ulery (ctb), Zach Brock (v), Greg Ward (sa), Quin Kirchner (bat), Rob Clearfield (p)
Dom 11
Guimarães
Centro Cultural Vila Flor - GA
17.00
Big Band e Ensemble de Cordas ESMAE dirigida por Matt Ulery
Matt Ulery (dir), Big Band e Ensemble de Cordas ESMAE
Guimarães
CIAJG / Black Box
21.30
Projeto Guimarães Jazz / Porta-Jazz
João Grilo (p), Simon Olderskog Albertsen (bat), Christian Meaas Svendsen (ctb), José Soares (s), Miguel C. Tavares (vídeo)
Seg 12
Guimarães
Centro Cultural Vila Flor - PA
21.30
David Helbock´s Random/Control
David Helbock (p, elec, per), Johannes Bär (t, pic-t, tub, beatbox, did, elec, per), Andreas Broger (ss, st, cl, clb, f, per)
Ter 13
Guimarães
Centro Cultural Vila Flor - PA
21.30
João Barradas
“Own Thoughts From Abroad”
com Greg Osby
João Barradas (aco, aco synth), Greg Osby (sa), Luca Alemanno (ctb), Naíma Acuña (bat)
Qua 14
Guimarães
Centro Cultural Vila Flor - GA
21.30
Orquestra de Guimarães com Léa Freire Quarteto “Cartas Brasileiras”
Felipe Senna (dir), Léa Freire (f), Lucas Casacio (bat, per), Tiago Costa (p), Marcos Paiva (ctb), Orquestra de Guimarães
Qui 15
Guimarães
Centro Cultural Vila Flor - GA
21.30
Dave Douglas
UPLIFT
Dave Douglas (t), Jon Irabagon (st, ss), Rafiq Bhatia (g), Mary Halvorson (g), Bill Laswell (ctb), Ches Smith (bat)
Guimarães
CCVF Café Concerto
24.00
jam session
Matt Ulery (ctb), Zach Brock (v), Greg Ward (sa), Quin Kirchner (bat), Rob Clearfield (p)
Sex 16
Guimarães
Centro Cultural Vila Flor - GA
21.30
Avishai Cohen Quartet
Avishai Cohen (t), Yonathan Avishai (p), Barak Mori (ctb), Ziv Ravitz (bat)
Guimarães
CCVF Café Concerto
24.00
jam session
Matt Ulery (ctb), Zach Brock (v), Greg Ward (sa), Quin Kirchner (bat), Rob Clearfield (p)
Sáb 17
Guimarães
Centro Cultural Vila Flor - PA
18.30
Matt Ulery's Delicate Charms
Matt Ulery (ctb), Zach Brock (v), Greg Ward (sa), Quin Kirchner (bat), Rob Clearfield (p)
Guimarães
Centro Cultural Vila Flor - GA
21.30
The Mingus Big Band
Wayne Escoffery (st), Abraham Burton (st), David Lee Jones (sa, ss, f), Alex Terrier (sa), Jason Marshall (sb), Conrad Herwig (trbt), Robin Eubanks (trbt), Dave Taylor (trbb, tu), Jack Walrath (t), Alex Sipiagin (t), Alex Norris (t), Theo Hill (p), Boris Kozlov (ctb), Donald Edwards (bat)
Guimarães
CCVF Café Concerto
24.00
jam session
Matt Ulery (ctb), Zach Brock (v), Greg Ward (sa), Quin Kirchner (bat), Rob Clearfield (p)