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Outono Jazz 2024 (2) (*)

 

 
 
 
 
 
 
 

Guimarães Jazz 2024

O terceiro dos festivais de jazz de Outono é o decano Guimarães Jazz, que terá em 2024 a sua ininterrupta 33.ª edição.
Duas semanas e doze concertos, dos quais seis mais um no auditório principal, jam sessions e workshops, fazem do Guimarães Jazz o mais importante dos festivais de jazz nacionais.

A primeira semana começa com o regresso, oito anos após a primeira apresentação no Vila Flor, de um dos grandes trompetistas da actualidade, Ambrose Akinmusire; e heterodoxia será eufemismo para falar do arrojado projecto que levará a Guimarães. E este será a meu ver o momento alto do festival, como o foi no glorioso ano de 2006. Música «conceptual», piano, teclado, voz, bateria e um quarteto de cordas, «Honey from a Winter’s Stone» foi estreado em Agosto em Los Angeles e abre agora o Guimarães Jazz.

Durante anos advoguei que já existiam em Portugal projectos e músicos nacionais de valor que justificavam o grande auditório do Vila Flor, e Sara Serpa e André Matos estarão por decerto entre eles. Verdade que Sara Serpa e André Matos ganharam a notoriedade em Nova Iorque e metade da banda são americanos, mas, hum, enfim, bem, o jazz não tem pátria. (Incoerências, minha também.) Enfim, à cantora e ao guitarrista juntar-se-ão pois dois outros grandes músicos que Guimarães bem conhece, Craig Taborn e Jeff Ballard. Actuarão na sexta 8.

Maria Schneider dispensa apresentações e este é um regresso muito aguardado. A sua apresentação em Guimarães, no entanto, não virá acompanhada de material novo e a orquestra andaluza que a acompanha não tem existência física regular, o que pode suscitar dúvidas. Esta não é, no entanto, uma opção inédita, e algumas formações fluidas ou casuais obtiveram resultados de sucesso (de forma diferente os Snarky Puppy, a orquestra siciliana de Carla Bley ou a ONJ francesa, por exemplo), e todas as expectativas são legítimas no encerramento da primeira semana.

A segunda semana do Guimarães Jazz abre com Wadada Leo Smith, o último moicano do free-jazz norte-americano, deão da AACM (Association for the Advancement of Creative Musicians), a histórica associação de Chicago dos anos 60/ 70 do século passado. Com 82 anos de idade, uma história de vida impressionante e mais de sessenta discos editados, entre os quais homenagens recentes a Rosa Parks e Billie Holiday, Smith mantém-se em profícua actividade. À frente do seu quinteto, Wadada Leo Smith irá tocar Fire-Love Expanse, um apelo à democracia e aos direitos humanos.

O grupo que se segue merece-me as maiores expectativas. O pianista John Escreet regressa também ele a Guimarães (depois da estreia em 2010 à frente do ignoto The Story e mais recentemente na banda de Antonio Sánchez), mas desta vez à frente de um trio que se pretende equilátero, com o contrabaixista Eric Revis o baterista Damion Reid. Pianista acutilante, alia o engenho como compositor ao conhecimento da história e uma criatividade que, diria, mereceriam por si só a deslocação a Guimarães.

O concerto de encerramento do festival é (para mim) uma incógnita; o macedónio Dzijan Emin escolhido para dirigir a Orquestra de Guimarães é um desconhecido, ilustre porventura, e tudo o que lhe conheço foi aprendido da internet, para estas linhas.
As notas de imprensa relevam-lhe a diversidade do trabalho, como compositor, intérprete, multiinstrumentista e colaborador em áreas tão diversas como a música clássica, folclore, a pop ou o jazz; mas a internet permitiu-me descobrir-lhe alguns concertos de jazz bastante auspiciosos, à frente de alguns promissores e competentes improvisadores, que espero sejam capazes de suprir essa ausência (de improvisadores) da Orquestra de Guimarães.
Uma incógnita que pode vir a revelar-se uma boa surpresa! 

O concerto da Escola de Jazz da ESMAE será dirigido pelo quinteto de Tommaso Perazzo (um músico que tocou no ano passado com  Buster Williams), e ocorrerá na tarde de domingo 10, completando assim os concertos do Grande Auditório do Centro Cultural Vila Flor. O grupo de Perazzo será também, como sempre, o grupo que alimentará as jam sessions do Convívio e Café Concerto do Vila Flor.

Outro dos concertos interessantes do festival será porventura o concerto de Daniel Bernardes e Drumming na homenagem a György Ligeti; mesmo se dificilmente se tratará de um concerto de Jazz.

Para além das parcerias com a ESMAE e a Orquestra de Guimarães, o Guimarães Jazz conta ainda com três outras colaborações: a Universidade de Aveiro que patrocina a banda do jovem João Rocha; o projecto multidisciplinar do saxofonista e pintor Hery Paz, escolhido pela Porta-Jazz, e o projecto Sonoscopia Luís Vicente com Camila Nebbia.

A programação de 2024 tem fartos motivos de interesse, embora algumas apostas do programador pequem pelo que eu diria de um, no mínimo, excesso de heterodoxia, com algumas opções classissistas ou experimentalistas, ou outras, menos compreensíveis. Parcerias e a demanda do santo graal da modernidade justificá-las-á, mas algum público pode sentir-se defraudado com a programação deste ano. Pelo meu lado, a expectativa vai para o irreverente trio de John Escreet, Maria Schneider (com as reticências assinaladas), e o inqualificável Ambrose Akinmusire, que acredito fará o concerto do ano (e não conheço Tommaso Perazzo nem Dzijan Emin.)

Leonel Santos

* Este texto foi publicado no Jornal de Letras