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SEIXAL JAZZ 2022

 

 

 

 

 


Duas semanas de concertos, seis na sala principal do Auditório Municipal e mais seis, de entrada livre, no Seixal Jazz Club (Sociedade Filarmónica Democrática Timbre Seixalense) confirmaram o festival como um dos mais importantes festivais nacionais, com uma programação diversificada que pretende atingir vários públicos, entre o público do Jazz mais acessível, ao melhor do Jazz contemporâneo. Apenas assisti a cinco dos seis concertos da sala principal (falhei o Mário Laginha Trio) e, devido ao horário dos segundos, que se sobrepõe aos primeiros, apenas acrescentarei algumas notas finais. 

Monty Alexander
As honras de abertura para a 23ª. edição do Festival de Jazz do Seixal couberam ao veterano Monty Alexander.
Confesso que, depois de ter ouvido, apenas alguns dias antes do festival, o novo disco de Monty Alexander, eu temi pelo pior. O pianista jamaicano que nos anos 80 se tornou popular pelo virtuosismo e swing contagiosos, é também capaz da mais xaroposa música de casino. Felizmente, não foi isso que aconteceu no Seixal Jazz e, mesmo se nunca se excedeu, ele soube oferecer-nos hora e meia de música despretensiosa e bem humorada. Ele é um excelente comunicador e, apesar dos seus 78 anos, ele não perdeu esses dotes e a música que toca é alegre e contagiante.
Blues, Sonny Rollins, Tom Jobim, o Concerto de Aranjuez, Nat King Cole, mas também Errol Garner, Ahmad Jamal, Count Basie, Oscar Peterson, boogie woogie, o pianismo de Alexander é um híbrido de formas sobre que desliza com elegância. Um verdadeiro entertainer do Jazz, Monty Alexander regressou ao palco para trazer a mulher a cantar um tema de Love Notes, e isso teria sido dispensável.      

Antonio Faraò
Diria que Antonio Faraò é um equivalente mais moderno de Monty Alexander, num híbrido a que genericamente se tem nomeado de pos-bop. Ele é da mesma forma um virtuoso, embora menos enciclopédico, mais vertiginoso e fluente e menos melódico.
Significativamente o concerto abriu com o clássico de Herbie Hancock, «Dolphin Dance», a que se seguiram outros clássicos e originais (de que não retive o nome), terminando com um blues.
Antonio Faraò nunca se afasta de um Jazz inequívoco, de que ele é um mais que competente executante, e o público não lhe regateou aplausos.

Mário Barreiros «Dois quartetos sobre o mar»
Depois de uma primeira semana morna (e não tendo eu assistido ao concerto do Mário Laginha), a segunda semana arrancou forte com o quarteto de Mário Barreiros que tocou música do último disco, «Dois quartetos sobre o mar», em versão reduzida (o disco conta com dois quartetos, e no festival apenas se apresentou o primeiro: «Pacífico»). E se Mário Barreiros – uma das referências do Jazz nacional, com um percurso que não se esgota no Jazz ou mesmo na construção musical – demonstrou plenamente as razões da sua importância, como baterista e como líder, ele teve ao seu lado três monstros. Carlos Barretto é também ele um histórico, um baixista que respira Jazz, sólido e fluente, capaz de um insuspeito lirismo; o galego Abe Rabade, músico e professor, também não deixou os créditos por mãos alheias, fazendo com arte a ponte entre a construção harmónica e a secção rítmica; mas Ricardo Toscano esteve simplesmente soberbo. Toscano é um músico portentoso mas se, como no caso, Mário Barreiros lhe oferece liberdade, com um suporte musculado, Toscano é capaz de se exceder. O desafio motiva-o, os músicos, a música, o público, e poucos o acompanham.
Quatro grandes músicos, quatro orelhudos, empatia total, coesão e alegria: a celebração do Jazz sem peias.  

Ambrose Akinmusire
Com uma formação diferente da inicialmente anunciada, com Justin Brown na bateria, Joe Sanders no contrabaixo e o fiel companheiro de aventuras Sam Harris no piano, o Jazz contemporâneo regressou ao palco do Seixal pela mão de Ambrose Akinmusire (na primeira vez em 2014).
Não me vou alongar na minha apresentação de Akinmusire: eu já escrevi sobre ele na antecipação do festival, e a minha admiração pelo músico pode levar-me a alguma parcialidade. Mas ele não é apenas um trompetista fabuloso, como é também um compositor de qualidades únicas. Ele ocupa um lugar à parte entre os compositores contemporâneos: ele motiva-se pela vida e pelo momento (e também as influências musicais vão desde o Jazz à pop e à música de câmara), o que faz de cada concerto único. O alinhamento percorreu alguns dos temas do disco de 2020 «On the Tender Spot of Every Calloused Moment» e outros mais antigos, mas os discos de Akinmusire reflectem sempre também um momento particular e são irrepetíveis em palco, nem ele o desejaria: como disse, cada concerto é único. A vida, o quotidiano, a política, o racismo, as amizades e as relações das pessoas percorreram o concerto, desvendando o mais abstracto de uma música difícil e, enfim, dois dos temas nomeados foram também duas homenagens presentes no disco:  «Mr. Roscoe (Consider the Simultaneous)», dedicado ao mestre Roscoe Mitchell, um dos líderes da vanguarda do Jazz dos anos 60 – 70 (que também esteve no Seixal em 1998 integrando o lendário Art Ensemble of Chicago); e «Roy», dedicado ao trompetista Roy Hargrove, desaparecido em 2018; duas influência maiores em Akinmusire, como instrumentistas ou compositores.   
Um dos grandes concerto do ano!

Samara Joy
Assisti a dois concertos de Samara Joy num curto espaço de tempo e pude confirmar como as qualidades vocais e de intérprete são inatas. Ela é uma cantora genuína, um verdadeiro animal de palco, apesar dos seus apenas 22 anos de idade. Samara Joy agarra facilmente a plateia e envolve-a num maravilhoso que, se radica na experimentada forma das interpretações dos clássicos, ela é capaz de lhes acrescentar algo que é muito pessoal, somando a uma amplitude vocal e dicção extraordinárias, uma alegria  que é por vezes desconcertante no absurdo da interpretação de composições amargas, como o são o «Guess Who I Saw Today» de Nancy Wilson. E, não se afastando muito do alinhamento do concerto do Angra Jazz (creio que ela introduziu alguns temas novos) e um dos momento altos foi o vocalese sobre o solo de Fats Navarro em «Nostalgia». Conquistado o público, Samara Joy regressou ao palco para o encore que não regateou.

Seixal Jazz Club
Os concertos do Seixal Jazz Club começam às 23.00, e por norma os do Auditório Municipal ainda não terminaram. Limitar-me-ei, pelo facto, a algumas notas sobre o pouco que ouvi. Como atrás escrevi, o Seixal Jazz Club funciona no espaço da Sociedade Filarmónica Democrática Timbre Seixalense e os concertos são de entrada livre. As pessoas circulam livremente, entram e saem do espaço para ir comprar bebidas ou fumar um cigarro lá fora, nem sempre prestando a devida atenção à música. Não tenho nada contra este formato mais ligeiro, mas diria que nem todos os concertos se lhe adequam. 
Demian Cabaud «Otro Cielo»
Música elaborada e dura, eu diria que deslocada para aquele espaço. O pouco público foi saindo ao longo do concerto. E é pena.  
Gileno Santana Trio
Se eu não conhecesse o Gileno Santanade outras paragens, eu diria que estávamos perante um músico de bar, aborrecido por estar a tocar àquela hora. Os temas sucediam-se rotineiramente sem que o trompetista movesse um músculo da facies, sem um sobressalto. Até que Ricardo Toscano chegou, já depois da meia noite, saltou para o palco, e o concerto começou. Estimulado pelo saxofonista, Gileno empolgou-se e foi capaz de se revelar e empolgar o público. Só durou meia hora, mas valeu!
Luís Vicente Trio
«Improvisador livre», como se auto-intitula, Luís Vicente prolongou um concerto sem chama. Curiosamente o trompetista explora agora uma sonoridade que é claramente derivada de Lester Bowie, o que é bom, embora ele tenda sempre a explorar as irregularidades (de Bowie). Pode ser um caminho; o tempo o dirá.


Antecipação
(17 out 22)

Seixal Jazz
Seixal Jazz, que começa na próxima quinta feira 13, leva esta primeira semana ao palco do Auditório Municipal três trios clássicos de piano, baixo e bateria:
o jamaicano Monty Alexander que lançou este ano «Love Notes». Jazz popular, perigosamente melífluo, swing com um toque latino acentuado, e um repertório de standards que gosta de cantar, farão uma primeira noite em que não se espera nada mais que boa disposição.
Sexta feira 14 o palco está por conta do trio de Mário Laginha. Com mais de um quarto de século de história, este trio - Laginha, Bernardo Moreira e Alexandre Frazão – é um êxito assegurado, também pelo Jazz inequívoco que pratica com gosto e sapiência.
Sábado 15 toca Antonio Faraò, um pianista italiano que é um dos nomes mais reputados do Jazz europeu, mesmo se cultiva uma fórmula que é tipicamente americana, na linha de um neo-bop moderno. Virtuoso, muito rápido, despretensioso: apenas Jazz.  
Em paralelo, com início às 23.00, tocam na Sociedade Filarmónica Democrática Timbre Seixalense – Seixal Jazz Club (concertos gratuitos),
Demian Cabaud, contrabaixista, compositor, professor, líder, um dos mais sólidos músicos da nossa praça, que se estará à frente de um quarteto de irredutíveis músicos (do norte), para apresentar «Outro Cielo», gravado em 2021 (qui 13);
Mazam é um quarteto que evoluiu do grupo de João Mortágua para se tornar um verdadeiro colectivo, onde todos compõe e se pronunciam. Música exigente e estimulante (sex 14);
o quinteto de Filipe Duarte completa a semana. Guitarrista, até há pouco a viver em Berlim, depois de quatro nos Estados Unidos, vem ao Seixal apresentar o CD «Vendaval».
Na próxima semana tocam Mário Barreiros, Ambrose Akinmusire e Samara Joy na sala principal e Gileno Santana , Eurico Costa e Luís Vicente no Seixal Jazz Clube.

11 out 22


Ambrose Akinmusire,
é um trompetista e compositor, um dos mais extraordinários músicos de Jazz da actualidade. Tendo-se muito jovem feito notar como trompetista virtuoso e um improvisador notável, ele revelou-se um compositor de uma modernidade e erudição irredutíveis, e um espírito aberto a todas as formas musicais onde vai buscar inspiração, das músicas populares, ao rap, à pop ou ao blues, à música erudita contemporânea ou as músicas folclóricas do mundo, ao mesmo tempo que atento à sociedade e às causas sociais, à poesia ou às artes plásticas.
Akinmusire não é um músico de standards, mesmo se ele transporta consigo toda a História do Jazz, e ocasionalmente os toca; mas ele prefere a aventura e o risco na exigência das suas composições: ora rudes, talhadas na rua, ora doces e poéticas: o Jazz contemporâneo no seu mais intranquilo e rigoroso.
A acompanhá-lo estarão, no Seixal, os fabulosos Sam Harris e Harish Raghavan, que o assistem há mais de dez anos e um baterista que com ele toca desde a Primavera deste ano, Timothy Angulo, substituindo Justin Brown (mas que, atendendo aos seus pergaminhos: Rudresh Mahanthappa, Imanuel Wilkins, Jonathan Finlayson, Oscar Noriega…, por certo estará à altura do seu antecessor).
Em Coimbra, talvez por impossibilidade de calendário, Sam Harris será substituído por outro excelente pianista, Fabian Almazan.
Ambrose Akinmusire tocou pela primeira vez em Portugal no Estoril Jazz de 2012 e depois disso veio por diversas vezes, ao Funchal em 2014, a Guimarães em 2016, e à Gulbenkian em 2019. Em 2011 e 2014 foi eleito o músico do ano pela crítica nacional e foi também premiado pelo disco do ano, e nos anos seguintes todos os seus discos estiveram na lista dos melhores.
Toca no Seixal na sexta 21 e em Coimbra no sábado 22.

Samara Joy 
que cantará no Seixal Jazz no encerramento do festival, situa-se nos antípodas da música de Akinmusire. Ela prefere os standards, mesmo se o seu repertório é algo invulgar. Mas ela reivindica-se da tradição das cantoras de Jazz, entre Sarah Vaugham e Abbey Lincoln, Carmen McRae e Betty Carter, e a sua música invoca Thelonious Monk, Fats Navarro e os blues.
Jazz clássico, orgulhoso, Samara Joy irradia alegria e juventude e, depois de há duas semanas ter conquistado o público do AngraJazz, ela merecerá, por certo os aplausos do público do Seixal Jazz.  
Samara Joy canta no sábado 22.

Para além do já referido Ambrose Akinmusire (sexta 21), o outro músico a tocar no palco principal do Seixal Jazz será o veterano Mário Barreiros, que vai apresentar «Dois quartetos sobre o mar», disco editado já este ano, e que contará no palco com Ricardo Toscano, Abe Rábade e Carlos Barretto. Quinta 20.  

Em paralelo, todos os dias a começar pelas 23.00, tocam no Seixal Jazz Club (a escassos 300 metros do Auditório Municipal), o enérgico trio de Gileno Santana (20), o Eurico Costa Trio, proficiente guitarrista do norte que estará acompanhado do dinamic duo de Demian Cabaud e Marcos Cavaleiro (21), e o Luis Vicente Trio no sábado 22.

 

Qui 13 Seixal Auditório Municipal 22.00 Seixal Jazz Monty Alexander Trio Monty Alexander (p), Paul Berner (ctb), Jason Brown (bat)
Sociedade Filarmónica Democrática Timbre Seixalense 23.00 e 24.00 Seixal Jazz/ Seixal Jazz Club Demian Cabaud
«Otro Cielo»
Demian Cabaud (ctb), João Pedro Brandão (sa, f), José Pedro Coelho (st, clb), João Grilo (p), Marcos Cavaleiro (bat)
Sex 14 Seixal Auditório Municipal 22.00 Seixal Jazz Mário Laginha Trio Mário Laginha (p), Bernardo Moreira (ctb), Alexandre Frazão (bat)
Sociedade Filarmónica Democrática Timbre Seixalense 23.00 e 24.00 Seixal Jazz/ Seixal Jazz Club Mazam João Mortágua (s), Carlos Azevedo (p), Miguel Ângelo (ctb), Mário Costa (bat)
Sáb 15 Seixal Auditório Municipal 22.00 Seixal Jazz Antonio Faraò Trio Antonio Faraò (p), Yuri Goloubev (ctb), Maxx Furian (bat)
Sociedade Filarmónica Democrática Timbre Seixalense 23.00 e 24.00 Seixal Jazz/ Seixal Jazz Club Filipe Duarte Quinteto
«Vendaval»
Filipe Duarte (g, c), Francesco Geminiani (s), Gregor Ftičar (p), Zé Almeida (ctb), Diogo Alexandre (bat)
             
Qui 20 Seixal Auditório Municipal 22.00 Seixal Jazz Mário Barreiros
«Dois quartetos sobre o mar)
Mário Barreiros (bat), Ricardo Toscano (s), Abe Rábade (p), Carlos Barretto (ctb)
Sociedade Filarmónica Democrática Timbre Seixalense 23.00 e 24.00 Seixal Jazz/ Seixal Jazz Club Gileno Santana Trio Gileno Santana (t), Rodrigo Correia (ctb), Nemanja Delic (bat)
Sex 21 Seixal Auditório Municipal 22.00 Seixal Jazz Ambrose Akinmusire Quarteto Ambrose Akinmusire (t), Sam Harris (p), Harish Raghavan (ctb), Timothy Angulo (bat)
Sociedade Filarmónica Democrática Timbre Seixalense 23.00 e 24.00 Seixal Jazz/ Seixal Jazz Club Eurico Costa Trio Eurico Costa (g), Demian Cabaud (ctb), Marcos Cavaleiro (bat)
Sáb 22 Seixal Auditório Municipal 22.00 Seixal Jazz Samara Joy Samara Joy (voz), Ben Paterson (p), Mathias Allamane (ctb), Malte Arndal (bat)
Sociedade Filarmónica Democrática Timbre Seixalense 23.00 e 24.00 Seixal Jazz/ Seixal Jazz Club Luís Vicente Trio Luís Vicente (t), Gonçalo Almeida (cvtb), Pedro Melo Alves (bat)