Chick
Corea/ Stefano Bollani
Orvieto
CD
ECM 2011
Chick Corea (p)
Stefano Bollani (p)
Creio que poderíamos definir este disco
como um encontro de dois extrovertidos.
Chick Corea é um verdadeiro camaleão, um virtuoso insuperável
com uma necessidade de comunicar compulsiva. Quem alguma vez assistiu a algum
dos seus concertos, sabe do que falo; da recorrente rábula de pôr
o público a cantar, de agradar. Chick Corea tem um passado que fez dele
um dos grandes pianistas da segunda metade do século XX, com alguns
discos incontornáveis; e recordo como exemplo ao acaso alguns deles, «Now
He Sings Now He Sobs», os discos do trio/ quarteto Circle, «Crystal
Silence» com Gary Burton e o paradigmático da fusão «Return
To Forever». O público passou a fazer parte da música de
Corea a partir dos anos 80, depois da sua fase mais vanguardista, num caminho
que não poucas vezes resvalou perigosamente, quando o comercial e o
espectáculo passaram a ter tanto valor quanto a música. O meu
coração treme a cada novo disco de Corea, mesmo se é preciso
reconhecer-lhe genialidade neste percurso no fio da navalha.
Com menos 30 anos de idade, o pianista italiano Stefano Bollani possui curiosamente
algumas das características apontadas a Corea, e a extroversão é uma
delas.
Stefano Bollani tocou em Portugal por diversas vezes nos últimos
tempos, e quem tiver por hábito ler o que escrevo talvez se recorde
da minha recorrente observação ao seu humor excessivo em palco,
por vezes no limite do aceitável.
Como Corea, Bollani é um virtuoso e como Corea possui um passado de
erudição não menosprezável, em discos (uma discografia
já razoável de uma vintena de títulos) no seu nome ou
acompanhando Enrico Rava, com quem se tornou notado. Nos últimos trabalhos,
no entanto, eu creio que é possível divisar uma evolução
que, sem questionar um elevado nível musical, pode ser considerado mais
acessível ao grande público.
O encontro dos dois pianistas surge pois como natural, e nenhum deles é virgem
nos duos de piano: Bollani possui um encontro assinalável com Franco
d’Andrea e uma outro com Martial Solal (de que não conheço
gravação), enquanto que as primeiras incursões de Chick
Corea na fórmula datam de 1978 - Corea/ Herbie Hancock - e já este
século com a pianista japonesa Hiromi Uehara, Marcus Roberts ou Gonzalo
Rubalcaba. Notável é também o encontro de Corea com Friedrich
Gulda de 1982.
O que ressalta de imediato neste disco é a quase impossibilidade de
identificar qualquer dos dois pianistas, de tal forma os seus estilos se fundem.
A própria gravação acentua a mesclagem ao não separar
os pianistas nos canais. Ao estilo rendilhado de Corea acrescenta Bollani uma
profusão de síncopes, ao esplendor harmónico de Bollani
contrapõe Corea um vigor que não admite insinuações.
Orvieto é sempre claro, sempre alegre, mesmo nos tempos mais lentos,
dir-se-ia, prosaico, mas nunca vulgar, nas propostas; surpreendemente contido
até, conhecida a referida tendência de ambos para o excesso, apesar
de exuberante. É realmente curioso observar como os dois pianistas se
complementam, como almas gémeas. Enfim, não menos importante
será o conceito de duo de piano que (quase sempre) contorna (procura
contornar) a típica fórmula de alternância entre solos
e acompanhamento: ao invés de se revezarem na exposição
ou desenvolvimento enquanto o outro piano assegura a marcação
do ritmo nos graves, eles complementam-se de facto interferindo no discurso
do parceiro, no que poderia ser natural se na presença de pautas, mas
que em Orvieto sugere verdadeira empatia.
Repertório variado, entre os standards “If I Should Lose You” e
(uma singular interpretação de) “Jitterbug Walz”,
uma expressiva representação de Tom Jobim, com “Retrato
a Preto e Branco” (que Bollani tem explorado) e “Este Seu Olhar”,
o clássico de Miles, “Nardis”, originais dos dois, “Armando’s
Rhumba” (Corea) ou “A Valsa da Paula” (Bollani) e ainda improvisações «livres», “Orvieto
Improvisation” I e II.
Jazz feliz, sem lugar para a melancolia, generoso.