Dave Douglas
Spirit Moves
CD Greenleaf 2009


Dave Douglas (t)
Marcus Rojas (tu)
Luis Bonilla (trb)
Vincent Chancey (tro)
Nasheet Waits (bat)

O novo projecto de Dave Douglas já anda a rodar desde há três anos. Começando por ser uma homenagem explícita ao Jazz dos primórdios, logo logo desde a formação constituída exclusivamente por metais e percussão (aliás, bateria, pelo voz de Nasheet Waits), quando o saxofone não tinha ainda sido descoberto pelo Jazz, e estendendo a homenagem à popular Brass Fantasy de Lester Bowie – até no nome do grupo, Brass Ecstasy – e dedicando ainda um dos temas ao trompetista triestino Enrico Rava e um outro ainda ao pianista Fats Waller.
As referências não se ficam por aqui, começando pelo primeiro tema do disco – This Love Affair, canção de Rufus Wainright – que dá o mote para o disco num arranjo bastante despojado, com o trompete a tocar a melodia apenas suportado pela tarola e os baixos em fundo, a que se segue um funky – Orujo – muito no espírito do Lester Bowie mais cru; I'm So Lonesome I Could Cry de Hank Williams, uma espécie de longo lamento, quase uma marcha funerária ao jeito de New Orleans, enquanto Mister Pitiful de Otis Redding é um soul como que travestido por Bowie.
Não se trata de um disco de fácil audição e creio que os que esperam um disco do tipo Dirty Dozen Brass Band se arriscam a ficar frustrados. Mas uma audição mais atenta vai descobrir que subtis nuances nos arranjos fazem desde disco uma verdadeira pérola. Nada é simples em Dave Douglas e o que parece óbvio não o é realmente. Atravessado por múltiplas influências, Spirit Moves move-se através da história do Jazz e da música negra norte-americana resgatando para as brass bands o lugar que lhe foi usurpado. « Primeiro estranha-se, depois entranha-se»; raras vezes a frase feita me soou tão certeira.
Brass Ecstasy é um simples quinteto, mas a profundidade dos arranjos dá uma dinâmica e volume verdadeiramente orquestrais ao combo. À boa tradição de New Orleans, o baixo é feito pela voluptuosa mas diligente tuba de Vincent Chancey e os outros sopros são, além de Dave Douglas no trompete, o impetuoso Luis Bonilla no trombone e Vincent Chancey na trompa que dá um timbre por vezes algo arredondado ao tutti. Rude, mas atento e omnipresente está Nasheet Waits na bateria.
Dave Douglas ocupa desde há muito um dos lugares cimeiros do Jazz contemporâneo. Trompetista de eleição, ele é também um autor notável, ecléctico e prolífico. A Brass Ecstasy é mais um a acrescentar à mais de uma dezena de projectos que Douglas dirige e alimenta em simultâneo. Toda a espécie de combinações de instrumentos e universos, num caminho singular que concerta a vanguarda com a herança profunda do Jazz, com a lucidez, a inteligência e o arrojo de um verdadeiro génio.