Keith Jarrett
Rio
2CD ECM 2011

Keith Jarrett (p)

Não será a primeira vez que lemos na imprensa «mais um!», a propósito do lançamento de um novo disco de Keith Jarrett. E no entanto não deixa de ser com ansiedade que o esperamos e não é sem surpresa que vemos como Jarrett persiste em adiar o fim de uma fórmula, sempre de forma brilhante, como se de uma fonte inesgotável de energia e inspiração se alimentasse.

Keith Jarrett é um fantástico improvisador, mas talvez se deva fazer notar que é preciso mais do que técnica para que a improvisação faça sentido (quero dizer, pelo menos no Jazz). Ora se Jarrett é reconhecido como um dos pianistas mais dotados tecnicamente da História do Jazz, o que faz a diferença no genial pianista é a personalidade simultaneamente frágil e esfusiante de criatividade e uma inteligência que tem tanto de perturbação e desordem, quanto de rigor matemático. Quantas vezes nos deixámos enlear numa ou noutra versão dos standards, quantas vezes nos deslumbrámos com as soluções de Jarrett na recriação das velhas canções do cancioneiro americano.

Uma das facetas mais controversas de Jarrett é o que aparenta ser uma personalidade múltipla, qual Jeckill-Hyde, que assume quando interpreta standards (com o trio, com DeJohnette e Peacock) ou quando toca a solo, e que divide não poucos apaixonados do Jazz.

Apresentei há alguns anos Testament, disco a solo gravado ao vivo entre Paris e Londres no final de 2008, como uma sinopse do passado, registo ao mesmo tempo sintético e luxuriante, assumidamente testamento de um singular percurso que começou com Facing You em 1972.

O primeiro tema de Rio marca desde logo a diferença com Testament, num registo que evoca Cecil Taylor na forma percussiva de atacar as teclas, na vertigem, nas súbitas alterações na métrica, mas também nas harmonias abstractas e na atonalidade. "Rio pt.2" (todos os temas são simplesmente numerados, de 1 a 15) traz consigo o silêncio e uma vaga melodia que nos escapa em melancolia, mas o terceiro tema é já o Jarrett que se tornou famoso em The Koln Concert, nas repetições obsessivas e no uso peculiar dos graves. Menos surpreendente, mas ainda assim digna de nota, é o classicismo de algumas peças, dir-se-iam inspirados nos nocturnos de Mozart ou Chopin nos harmónicos rendilhados, sugerindo uma outra hipótese de caminho. No resto, Rio é um Jarrett inteiro, as melodias circulares, as quase-canções, os ostinatos, um boogie-woogie!, a poesia, as ambiências hipnóticas, e enfim as vocalizações estranhas.

Menos homogéneo que Testament, Rio, que lhe sucede (como disco a solo, gravado ao vivo no Rio de Janeiro em 2011), é por um lado uma continuidade desse caminho percorrido para aí chegar (e nesse sentido, eterno e fascinante), mas ele parece colocar também algumas interrogações e apontar novas direcções que apenas o tempo poderá confirmar.