L.U.M.E.
Lisbon Underground Music Ensemble
CD JACC 2010

Marco Barroso (dir, p, elec)
Manuel Luís Cochofel (f)
Paulo Gaspar (cl)
Jorge Reis (ss)
João Pedro Silva (sa)
José Menezes (st)
Elmano Coelho (sb)
Jorge Almeida (t)


João Moreira (t)
Pedro Monteiro (t)
Luís Cunha (trb)
Eduardo Lala (trb)
Pedro Canhoto (trb)
Miguel Amado (b-el, ctb)
André Sousa Machado (bat)


 

 

 

A LUME não é uma big band (ou um ensemble, dada a sua dimensão: quinze músicos) como o são, por exemplo, a Orquestra Jazz de Matosinhos ou a Orquestra de Jazz de Lagos, do ponto de vista em que ela não tem existência regular e apenas episodicamente se reúne. Em boa verdade ela é bastante mais um instrumento: o instrumento concebido por Marco Barroso, que não apenas a dirige, como fez todo o trabalho de reunião dos músicos, produção e composição, além de ser o responsável pelas teclas e electrónica. Mas digamos que isto não é propriamente novidade no Jazz: como muita gente antes notou, esta – como um instrumento - foi a forma como Duke Ellington construiu e utilizou a sua Orquestra. E este é afinal o modelo utilizado por directores tão diferentes quanto Maria Schneider ou John Hollenbeck, onde a composição se prolonga pela direcção e pela modelação da orquestra na escolha dos instrumentos e dos músicos. E deste ponto de vista ela é um acontecimento absolutamente notável no panorama nacional, mesmo tomando em conta a excelência de outras grandes formações nacionais.
Mas a LUME também não é uma big band de Jazz comum dada a sua relação com o jazz assumidamente conflituosa. Do ponto de vista da composição, a LUME é tudo menos tradicional: a escrita de Barroso é um cross over alucinante sobre formas e estilos e um sem número de referências que denotam uma vasta cultura musical, entre o Jazz , a pop primária dos Frankie Goes To Hollywod e (talvez inadvertidamente) os Pink Floyd, a erudição das Atmospheres de Ligeti e o humor mais cáustico do Frank Zappa do final dos anos 60. A referência a Frank Zappa não é despicienda: ele surge como uma espécie de matriz moral e conceptual (não na forma orquestral - ela nunca foi a forma mais bem sucedida de Zappa, mesmo se a experimentou por diversas vezes entre 200 Motels e The Yellow Shark) no humor, como disse, mas nas mudanças de ritmo e de forma súbitas, na invocação de ruídos abstrusos e nos diálogos nonsense, e obviamente na provocação e inquietude onde Marco Barroso inequivocamente se reconhece.
A música de Marco Barroso é também muito visual e cinematográfica - efeito que a referida introdução dispersa de vozes e diálogos incompreensíveis ou ruídos, mas também excertos de filmes e séries mais ou menos reconhecíveis, acentua, por sobre estruturas que a todo o momento se movimentam, constroem e desconstroem. Encontramos também aqui conceitos que são comuns na música erudita depois da segunda metade do século XX, e um pouco pela pop, alguma pop de culto, ora como humor, ora irreverência, nem sempre com consequência. Enfim, a música da LUME é uma música de alto risco e o seu maior risco futuro é o de se repetir. Este é um caminho que a ser continuado pode transformar-se num pastiche ou num amontoado de pastiches.
As composições de Marco Barroso não possuem o formato clássico em Jazz de tema-solo-tema, mesmo se os solos existem, mas sempre bem enquadrados e integrados na composição; nesse sentido mais tradicional-pop. Admirável é a forma sempre natural como surgem, como efeito-consequência do tema, e assinalável é, em todos os casos, a sua execução inspirada, a cargo da nata do Jazz nacional, de José Menezes a Jorge Reis, Eduardo Lála, João Moreira, Paulo Gaspar, Elmano Coelho e Luis Cunha.
Neste ponto já se percebeu a referida relação conflituosa da LUME – Marco Barroso com o Jazz. Mas a LUME não poderia existir sem o Jazz e afinal a verdade é que o Jazz sempre avançou mordendo os seus próprios limites, rasgando as suas margens. Creio que se referências Jazz contemporâneas possui, elas são provavelmente a música de Mathias Rüegg e Willem Breuker ou ainda John Hollenbeck, que na sua forma (nas suas formas) diferente sempre foi música das fronteiras, ou sem fronteiras, onde o Jazz está apesar de tudo sempre presente como uma espécie de deus inspirador, capaz de resolver problemas como em Ignição ou (…), ou como estrutura (swing) em Freestyle Boogie. E ademais, seis palhetas, seis metais e secção rítmica, onde já se viu mais?
A música de Marco Barroso possui muito de Jazz e dificilmente ela poderá ser qualificada noutra estante, mas isso não será provavelmente coisa que o preocupe. O há muito aguardado disco de estreia da LUME é inequivocamente um dos grandes discos de 2010 e é sem dúvida a maior surpresa do ano.