Lee Konitz Brad Mehldau Charlie Haden Paul Motian
Live at Birdland
CD ECM, 2011

Lee Konitz (st)
Brad Mehldau (p)
Charlie Haden (ctb)
Paul Motian (bat)

Registado no clube Birdland de New York no final de 2009, Live At The Birdland reúne Konitz, Charlie Haden, Paul Motian e Brad Mehldau, músicos que já se tinham encontrado por diversas vezes, mas que nunca tinham tocado em quarteto. Três veteranos acima dos setenta anos e um «jovem» de quarenta, quatro monstros do Jazz com experiências e estilos muito diversos que se reúnem para tocar. De facto, formalmente o disco pertence aos quatro músicos, mas creio que ninguém renegará a direcção ao saxofonista, mesmo e apesar das prestações brilhantes de todos eles, e em especial de Brad Mehldau.
A sessão conta com três temas extraídos do cancioneiro americano e três clássicos do Jazz, e este é um dos mais belos discos de Konitz de sempre, surpreendentemente perfeito na forma. Será evidente que um velho de oitenta e dois anos não pode igualar em termos de energia um jovem de trinta, nem é isso que ele procura, mas antes a intemporalidade.
Lee Konitz é genial em todo o disco, mesmo nas rugas, desde a abertura com "Lover Man", na forma como engana os tempos ou faz escorregar as notas. Omnipresente estão o eminente walking do contrabaixo de Charlie Haden, e os pratos, que deslizam nas escovas de Motian como espuma; mas verdadeiramente genial é a prestação de Brad Mehldau, transfigurado num konitziano, ora (nunca antes tão) dissonante, ora lírico e insinuante; nunca vulgar. Mas há algo de novo, em boa verdade, nesta interpretação de "Lover man", e que se torna enfim evidente no último minuto: ele está carregado de emoção, digno da Billie Holiday que o imortalizou! A empatia entre o saxofone e o piano é absoluta em toda a sessão, com Mehldau adivinhando e prolongando as frases de Konitz em "Lullaby of Birdland" – talvez afinal o mais inspirado momento do disco - ou na nunca tão lenta balada "I Fall In Love Too Easily". De novo é a emoção que assoma no arrastar dos tempos e no som dos instrumentos que por vezes apenas se adivinham, no saxofone suplicante de Konitz respondido pelo piano ou o contrabaixo e umas escovas que se sentem mais que se ouvem. Mais soltas são as interpretações do cavalo de batalha de Miles Davis, "Solar", oportunidade para solos de Charlie Haden e Paul Motian, e "You Stepped Out of a Dream"; uma vez mais com Mehdau em destaque, aqui mais igual a si mesmo. "Oleo" enfim, o clássico de Sonny Rollins, é o momento mais empolgante do disco; uma celebração da perenidade do Jazz, mas também a manifestação da sua essência, na relação e na oposição entre o colectivo e o indivíduo ou na reescrita e na improvisação sobre as velhas composições.
Belíssimo!

Lee Konitz surgiu ainda nos anos 40 como ponta de lança do Jazz cool - ao lado de Miles Davis, Warne Marsh ou Lennie Tristano - como o saxofonista que assumidamente não tocava «à» Charlie Parker. Voz singular, assim se manteve ao longo de seis décadas. Konitz é um dos mais originais saxofonistas de Jazz de sempre; a sua estatura rivaliza com Parker, Ornette ou Coltrane, e se ele nunca logrou obter o reconhecimento público que esses outros tiveram, bastante se deverá à especificidade do seu saxofonismo – cool -, frio, cerebral, erudito, bastante menos emocionante mas definitivamente não menos genial.
Konitz foi desde sempre um dos nomes maiores do Jazz culto (quando o público exigia calor), mas muito do seu saxofonismo sofisticado seria silenciosamente integrado no mainstream, primeiro pelos próprios boppers, e depois pela vanguarda: muito provavelmente Anthony Braxton não teria existido sem Konitz e a sua modernidade é atestada ainda hoje por músicos como o extraordinário Ohad Talmor. Há meia dúzia de anos atrás, a crítica elevou à categoria de obra-prima um disco de Konitz, Motion: um trio com Sonny Dallas no baixo e Elvin Jones na bateria, gravação de 1961; e a indústria não tardou a reeditá-lo com suplementos. Creio que será a altura de reouvir também as gravações dos anos 50 e 60 espalhados pela Prestige, a Warner ou a Pacific, mas também os duos dos anos 80 ou mesmo os discos das duas últimas décadas onde Konitz revela a emoção que em si esteve contida por décadas.
Músico profícuo entre os incansáveis, Konitz permaneceu sempre na frente, tocando com tudo e todos: contei-lhe mais de cento e cinquenta discos em todas as formações possíveis, veteranos e jovens estreantes, como líder ou simples acompanhante, escrevendo e tocando. Não posso deixar de referir em Portugal a prestação que teve como solista da Orquestra Jazz de Matosinhos e que gerou um disco – Portology -, e o belíssimo concerto que realizou no Cascais Jazz 2009 «unplugged» à frente dos jovens Minsarah!

Soube-se no final da semana passada que Lee Konitz tinha sofrido um acidente, um hematoma subdural. Assim sendo, Live at Birdland será muito provavelmente o seu testamento.