Publicado em Jazz.pt n.º 4 |
Entrevista com Dave Liebman:
«Não se pode esperar que a música hoje possa ser bebop ou free jazz, porque são correntes do passado. Elas deram muito ao Jazz e abriram os horizontes do Jazz e o Jazz de hoje contém elementos desse Jazz antigo, mas o Jazz que eu faço é o resultado disso»
Leonel Santos: Tocou em Cascais em 1972, com Elvin Jones. O que é que
mudou na sua música desde então?
Dave Liebman: Eu lembro-me desse concerto. Nessa altura eu era um sideman praticando
com um mestre. Depois disso toquei com Miles Davis, alguns tempo depois, em
1973/74. E esse foi o tempo do meu treino, da minha aprendizagem. E claro que
como qualquer jovem músico que está a aprender, eu tentava tocar
o seu repertório e aprender a sua forma de tocar e cumprir com aquilo
que se espera do saxofonista do grupo de Elvin Jones ou do Miles Davis. Desde
esse tempo, desde há 30 anos, eu tenho a minha própria banda,
sou o meu próprio leader, tenho os meus próprios discos e os
meus próprios projectos e claro que depois de algum tempo, supostamente
terei desenvolvido o meu próprio estilo e minha própria forma
como vejo e conceptualizo a música.
LS: E o que considera a conceptualização da sua música?
DL: Eu vejo a música como uma arena muito larga, diria ecléctica à falta
de melhor palavra; mas eu gosto de tocar estilos muito diferentes e integrá-los
na minha música. Esta noite esta banda tocou o que se pode chamar fusão,
mais alguma música étnica ou world music, free jazz, standard
jazz, ballad jazz; para mim é tudo o mesmo. O que importa é a
forma como decides fazer e como se espera que o teu estilo prevaleça
sobre todos estes diferentes idiomas. Não se pode esperar que a música
hoje possa ser bebop ou free jazz, porque são correntes do passado.
Elas deram muito ao Jazz e abriram os horizontes do Jazz e o Jazz de hoje contém
elementos desse Jazz antigo, mas o Jazz que eu faço é o resultado
disso, desse Jazz que eu conheci e pratiquei, mais toda a música de
todo o mundo que eu conheci e da experiência que troquei com todos os
músicos com quem toquei.
LS: Qual é a importância
da escrita na sua música?
DL: Há imensa escrita nesta banda. A escrita está na estrutura
e na apresentação e em tudo.
LS: Refere-se à composição
ou aos arranjos?
DL: Ambos. São coisas diferentes. Composição é uma
coisa, orquestração é outra. Eu faço arranjos para
standards como "My Favorite Things", eu faço arranjos para
composições de outros como as que Vic Juris escreveu para a banda.
Eu faço delas o que quero para a banda. E claro que nas minhas coisas
eu componho e orquestro. De certa forma para mim compor significa desenvolver
desafios para a banda. Orquestrar é pôr as coisas da forma ideal
para serem tocadas pelos teus músicos. Dito de outra forma, é preciso "julgar" as "forças" das
pessoas com quem tocas. E usá-las em teu benefício e da música
que queres tocar. Isto eu aprendi com Miles Davis.
LS: Se eu compreendi, faz os arranjos
para esta banda em particular, para estes músicos?
DL: Sim. Se eu tivesse outros músicos esta noite, as orquestrações,
os meus arranjos seriam com certeza diferentes. E talvez mesmo as composições.
Se tivesse tempo com eles, o produto final seria com certeza diferente na maior
parte das vezes. Porque o importante quando se é o leader de uma banda é obter
o máximo potencial dos acompanhantes, da banda. O que eles fazem melhor, é o
que deves ser capaz de trazer para cima. Deves trazer à tona o que eles
sabem fazer melhor e não as suas fraquezas.
LS: Recordo-me que quando tocou em Cascais
em 1972, me pareceu verdadeiro Coltrane.
DL: Ele era, e ainda é, a minha maior influência; ainda hoje. Ele é a
minha principal razão para tocar música. Espiritualmente, nas tácticas
e na postura, musicalmente, na forma como é construída e como se
apresenta. Claro que ao longo dos anos eu absorvi um certo número "das
linguagens" de Coltrane e eu tenho tentado adaptá-las ao meu próprio
estilo e às minhas necessidades, mas claro que nunca podemos ser tão
bons como o mestre....
Entrevista com Dave Liebman
em
18 Nov. 2005