As mulheres e o Jazz
Palavras Chave
  Jazz, Mulheres, História,  Sociedade, Subalternidade, Incorporação, Inferioridade, Música, Bourdieu, Carla  Bley, Lil Hardin.
Resumo
  Este texto procura observar  como o jazz não se comporta de forma diferente da sociedade, ou de como o papel  das mulheres na sociedade é reproduzido no jazz, e muito sucintamente enumerar  algumas das mulheres que contribuíram (e quase sempre foram ignoradas ou  subalternizadas) para que o jazz fosse o que é hoje. 
  O jazz é música de homens.  As mulheres ocupam no jazz um lugar semelhante ao que ocupam na sociedade; as  mulheres no jazz são em número muito inferior aos homens; as mulheres tocam  apenas determinados instrumentos associados à «docilidade» feminina; as  mulheres no jazz são basicamente cantoras, protagonizando o ideal da beleza;  com frequência é atribuído às mulheres um papel folclórico/ decorativo no jazz;  as mulheres são consideradas incapazes da abstracção da música instrumental; as  mulheres são consideradas emocionalmente e intelectualmente primárias,  incapazes de elaborar grandes composições ou exprimi-las instrumentalmente,  como intérpretes ou improvisadoras; as mulheres são quase sempre subavaliadas;  as mulheres são consideradas incapazes de liderar; as mulheres no jazz são  esquecidas; as mulheres são basicamente consideradas inqualificadas para tocar  jazz ou sequer ouvir (entender) jazz. 
  Há um trabalho de enorme de  sociologia e de história a fazer no que respeita ao lugar das mulheres no jazz. 
Abstract
  This text seeks to observe how jazz does not behave differently from  society, or how women's role in society is reproduced in jazz, and, very  succinctly, to list some of the women who contributed (and were almost always  ignored or subalternated) to make jazz what it is today.
  
  Jazz is a men's music. Women occupy a place in jazz similar to what they  occupy in society; women in jazz are in a far less number than men; women play  only instruments associated with female "docility"; women in jazz are  basically singers, starring in the ideal of beauty; women are often given a  folk / decorative role in jazz; women are considered incapable of the  abstraction of instrumental music; women are considered emotionally and  intellectually primary, incapable of elaborating great compositions or  expressing them instrumentally, as performers or improvisers; women are almost  always underestimated; women are considered unable to lead; women in jazz are  forgotten; women are basically considered unqualified to play jazz or even  listen to (understand) jazz.
  There is a tremendous work in sociology and history to do regarding the  place of women in jazz.
A  incorporação da dominação masculina
  A história da humanidade é  uma história de vencedores e vencidos. Mas se ela é, como escreveu um  sociólogo, Karl Marx, uma história de luta de classes sociais, ela é também,  como observou um outro sociólogo, Pierre Bourdieu, uma história de dominação de  homens sobre mulheres. 
  Interessou a Pierre Bourdieu  o que ele chamou de poder simbólico, que está para além do exercício de poder  físico do homem (baseado na força) ou, por outro lado, em especificidades  femininas - como a maternidade -, que justificariam uma menor disponibilidade  ou competências sociais da mulher (actividades, profissões, funções…). 
  A dominação masculina não  poderia subsistir, erguer-se, sem a colaboração activa das mulheres (os  dominadores não poderiam dominar sem a colaboração activa dos dominados):  Bourdieu investiga a forma como os homens foram capazes de, falando de forma  leiga, convencer as mulheres da sua inferioridade; e sabemos como os textos  sagrados, entre a Bíblia e o Corão, apresentam a mulher como um apêndice do  homem. O poder simbólico exerce-se subtilmente, e de forma combinada com o  poder físico, desde os primeiros dias de criança, quando aos meninos são  oferecidos espadas e pistolas e às meninas bonecas e os meninos aprendem a  jogar futebol e andam à luta e as meninas brincam às casinhas. E depois as  meninas incorporam o lugar das mães na sociedade e os meninos o lugar dos pais.  São incontáveis as histórias das mulheres que, por se recusarem a aceitar o  papel de apêndice do homem (a sua costela), foram violentamente queimadas como  bruxas ou internadas em hospícios. O poder simbólico estende-se quando as  histórias atribuem às mulheres a beleza e o amor, mas também o capricho, a  traição e a perversidade, e aos homens a liderança e o poder, a sabedoria, a  inteligência e a confiança. O fenómeno de incorporação da subalternidade é a  forma mais subtil e pérfida da dominação simbólica. 
  Mas, enfim, não pretendo  resolver em meia dúzia de linhas o que a sociologia e os estudos de género ou  da subalternidade debatem há décadas.
  A luta das feministas e  sufragistas ao longo dos séculos XIX e XX (o direito de voto foi concedido às  mulheres em 1918 na Grã Bretanha, dois anos depois nos EUA, e em Portugal em  1926 [apenas Juntas de Freguesia] e 1931, com restrições; apesar de Carolina  Beatriz Ângelo ter votado em 1911 utilizando uma brecha na lei, prontamente  corrigida – negativamente - pelos republicanos) e, fundamental, a emancipação  económica que a entrada massiva das mulheres no mercado de trabalho no período  da 2ª guerra mundial permitiu (nos Estados Unidos e um pouco por todo o mundo),  abriu caminho para a sociedade equalitária que se deseja; sem que ela esteja  prevista para os próximos tempos… 
  E se nas sociedades  islâmicas as mulheres sofrem uma opressão que não tem precedentes nos períodos  mais negros da história da humanidade, a verdade é que no «ocidente “civilizado”  cristão», por detrás do “menino veste azul e a menina veste rosa” está  disfarçada uma lógica de desigualdade e de menorização da mulher. 
  Ao contrário do que muitos  paladinos da superioridade da «civilização ocidental» afirmam, a libertação da  mulher (no nosso ocidente) efectuou-se e efectua-se sempre apesar e  contra a religião e os cânones civilizacionais.
  Nas ciências, nas artes ou  nas letras contam-se pelos dedos os nomes das mulheres reconhecidos, eu diria  até quase metade do século XX. O próprio acesso das mulheres ao ensino estava  vedado, e apenas as teses socialistas e republicanas deram credibilidade às  reivindicações feministas, e mesmo assim de forma titubeante e nem sempre clara  (e foram os republicanos que «corrigiram» a lei portuguesa depois da votação de  Carolina Ângelo, «esclarecendo» qua apenas os homens podiam votar).
  As sociedades contemporâneas  procuram romper com as desigualdades do passado, mas as mulheres continuam a  ser preteridas em muitos trabalhos e funções sociais e políticas, e auferem  salários inferiores aos homens, mesmo em idênticas funções. No espaço mais  privado da família também às mulheres e aos homens estão atribuídas diferentes  funções (a «dona de casa» é a mulher que toma conta da casa e nela trabalha  para que o marido possa ler o jornal descansado e jantar a comida de que ele  gosta) e a sociedade não resolveu de forma eficaz o problema da maternidade ou  sequer os simples problemas de creches e infantários que autorizem a mulher a  libertar-se dos mais comezinhos problemas quotidianos. 
  Diz Peter Materna, director do Jazzfest Bonn: «That's why there are so  few women in jazz. Women have children and they often feel more responsible for  their families than men do … They simply can't spend their nights playing in  clubs». Trivialidades. Mas  quantas mulheres renunciaram a potencialmente brilhantes carreiras profissionais,  científicas, políticas ou artísticas, devido à maternidade ou … porque têm de  limpar a casa ou tratar dos miúdos … ou simplesmente condicionadas pelas  eventualmente brilhantes carreiras profissionais, científicas, políticas ou  artísticas dos maridos.        
«O  Jazz é música de homens»
  
  O jazz é música de homens. As  mulheres ocupam no jazz um lugar semelhante ao que ocupam na sociedade; as  especificidades não são relevantes, e de certa forma até o confirmam. As  mulheres músicas no jazz são em número muito inferior aos homens, a sua  participação no jazz poderá ser considerada residual; as mulheres tocam apenas  determinados instrumentos associados à «docilidade» feminina (maioritariamente  piano); as mulheres no jazz são basicamente cantoras, protagonizando o papel da  diva, o ideal da beleza; com frequência é atribuído às mulheres um papel  folclórico/ decorativo no jazz; as mulheres são consideradas incapazes da  abstracção da música instrumental (sem palavras, e daí também o seu lugar como  cantoras); as mulheres são consideradas emocionalmente e intelectualmente  primárias, incapazes de elaborar grandes composições ou exprimi-las  instrumentalmente, como intérpretes ou improvisadoras; as mulheres são quase  sempre subavaliadas; as mulheres são consideradas incapazes de liderar; as  mulheres no jazz são esquecidas; as mulheres são basicamente consideradas  inqualificadas para tocar jazz ou sequer ouvir (entender) jazz. Acresce que, ao  contrário dos homens, a vida pessoal das mulheres é escrutinada e não poucas  vezes ridicularizada.
  O jazz não se comporta de  forma diferente da sociedade (ou se quisermos, o jazz é uma música de «macho», são  raras as mulheres que tocam jazz, o papel das mulheres é diferenciado e  subalternizado, o papel das mulheres na sociedade é reproduzido no jazz). 
  Olhando a História do jazz  facilmente concluímos que são poucas as mulheres no jazz: na sua grande maioria  os grandes nomes femininos cingem-se à voz e, logo de seguida, mas em muito menor  número, ao piano. E não será difícil também encontrar, entre os ensaístas e  historiadores, os que afirmaram que «o jazz é música de homens», suportados na  suposta incapacidade das mulheres em termos de vigor ou criatividade. Em 1938,  num editorial da Down Beat: Why Women Musicians Are Inferior, escrevia-se: «The  woman musician never was born capable of sending anyone further than the  nearest exit», mas quem pensa que se trata de algo do passado, numa recente  entrevista realizada por Ethan Iverson, o pianista Robert Glasper questionava  as capacidades das mulheres para ouvir jazz. 
  E nisso o jazz não se  comporta de forma diferente da sociedade, onde os meninos andam à luta e as  meninas brincam às casinhas. Na música as mulheres têm instrumentos «próprios»,  melódicos, e os homens, pelo contrário, os instrumentos onde se exige força,  mais ruidosos. Na música clássica e na música popular, no jazz e nas músicas  étnicas, o lugar tradicional das mulheres é a voz, ou, quando tocam  instrumentos, o piano, as cordas, entre a harpa e o violino, e nos sopros quase  apenas a flauta. E há mesmo culturas onde os instrumentos musicais estão  vedados às mulheres. Mesmo quando abordam os mesmos instrumentos, o piano, por  exemplo, as mulheres abordam-no de forma mais «sensível», enquanto os homens  são mais agressivos: não há mulheres no piano stride, mais percussivo…
  (Note-se que não pretendo  desvalorizar a voz no jazz: a voz é o primeiro dos instrumentos e  verdadeiramente complexo, para além de acrescentar uma outra dimensão  disciplinar à música ao combinar-lhe a poesia; mas acrescenta-lhe também emoção  - escrever a História do Jazz sem referir a Billie Holiday ou a Ella Fitzgerald  é escrever meia História. 
  Mas, ao arredar algum do  abstracto da música – do ponto de vista em que a esclarece – o jazz vocal  alcança um público mais alargado, muito para além do jazz, e tocando amiúde a  pop music; e neste sentido poderíamos facilmente tomar o jazz vocal como um  género específico. 
  Contraditoriamente, o  público exige que as cantoras se apresentem belas [a beleza, o objecto do desejo,  em papel pouco mais que decorativo, quantas vezes ocupando o lugar da música],  mas desvaloriza-as enquanto músicas, compositoras ou instrumentistas. Mas ora a  opinião do público é determinada por homens, mas o belo é exigido também pelas  mulheres que se identificam ou têm como ideal aquele belo, e enfim por um  público maioritariamente ignorante em termos musicais.)
  O paradigma reproduz-se,  sim: a sociedade contemporânea, se procura romper com os paradigmas do passado,  continua a reproduzir o conceito de que a beleza é um atributo feminino e a  força é própria dos homens, e este será o principal motivo para a escolha dos  instrumentos; para a reprodução dos cânones. Na cena internacional ou nacional  (e no jazz, na música clássica ou na pop), passa-se basicamente o mesmo: os  homens ganham claramente em número e as mulheres são verdadeiramente excepção,  e quase sempre as vocalistas.
  A verdade é que as mulheres  existem no jazz desde sempre (mesmo esquecendo as vocalistas), na sua grande  maioria pianistas (as meninas de bem falam francês e tocam piano, mas nenhuma  menina respeitável entra no mundo do espectáculo), embora com reconhecimento  público diminuto. Como as feministas dizem: as mulheres precisam esforçar-se ao  dobro para obter metade do reconhecimento dos homens.  
As  mulheres na história do jazz - primórdios
  (Esquecendo a partir de  agora as vocalistas) Estando as mulheres em clara inferioridade numérica no jazz,  elas existiram, em todas as correntes do Jazz, desde os primórdios, sendo que  algumas atravessaram décadas, épocas e géneros, embora tenham sido muito poucas  as que lograram obter algum reconhecimento. A primeira das músicas referida em  todos os textos terá sido Lil Hardin - «Hot Miss Lil» - depois Lil Armstrong, a  pianista da Creole Jass Band de King Oliver nos anos 20 do século XX (“She  played like a man, but dressed like a Sunday school teacher”, escreveu James L.  Dickerson). Lil foi também compositora e a leader da Lil Armstrong All-girl  Band nos anos 30.
  Outras mulheres se  evidenciaram na primeira metade do século, muito em especial a grande Mary Lou  Williams (1910 - 1981), pianista, compositora e arranjadora, autora de inúmeras  de composições e arranjos utilizados por Duke Ellington ou Benny Goodman; 
  Melba Liston (1926 - 1999),  trombonista, arranjadora e compositora, também activista dos direitos cívicos, 
  
ou Marian McPartland(1918 -  2013) pianista, compositora e educadora.
  Ao longo desses primeiros 50  anos do jazz, poucas foram as mulheres que obtiveram algum reconhecimento, e  muitas das atrás referidas só ganharam visibilidade após a revolução cultural  dos anos 60 – 70, mercê do trabalho de investigação de historiadores. 
  Reconhecem-se hoje os nomes  das pioneiras Sweet Emma Barrett (1987 – 1983), pianista; 
  Billie Pierce (1907 – 1974), pianista; 
  Jeanette Kimball (1906 – 2001), pianista; 
  Lovie Austin (1887 – 1972), pianista, bandleader; 
  Nellie Lutcher (1912 – 2007), pianista, compositora e cantora; 
  Dorothy Fields (1905-1974), songwriter; 
  Ann Ronell (1905-1993), songwriter; 
  Irene Higginbotham  (1918-1988) songwriter; 
  Billie Holiday, cantora, mas  também compositora de alguns dos mais importantes standards do jazz; 
  para além da já referida  Mary Lou Williams – todas pianistas da primeira metade do século. 
  No período swing surgiram também algumas primeiras female jazz bands, de interesse  desigual, contendo um factor espectáculo acentuado, suportado na característica  «exótica» feminina (já que o jazz é música de homens…) do grupo. 
  De entre estes grupos e  orquestras, alguns de características familiares, são de referir, pela  importância musical, as Bobbie Howell’s American Syncopators, 
  as Bobbie Grice’s Fourteen Bricktops 
  e as International Sweethearts of Rhythm, a primeira all girls band integrada. 
  É provável que, entre os  grupos e orquestras femininos (brancos, negros ou crioulos) que surgiram nos  anos 30-40, aproveitando a popularidade das orquestras swing nos salões de baile, e que acompanhavam os soldados  americanos na II Guerra Mundial, houvesse algumas instrumentistas de gabarito,  e apenas é possível adivinhá-lo (e quase sempre apenas adivinhar porque, devido  aos constrangimentos técnicos das gravações da altura, as improvisações, por  exemplo, era reduzidas ao mínimo ou simplesmente eliminadas) por algumas  gravações ou vídeos porque, devido ao estigma de que as mulheres não sabem  tocar, ou de qualquer forma não possuem aptidões para o jazz, poucas ganharam  notoriedade.
  Em clara minoria, mas capazes  de tocar jazz foi ainda assim assinalada a orquestra de Woody Herman, onde  tocavam a trompetista Billie Rogers (1917 – 2014) 
  e a vibrafonista Marjorie  Hyams (1912 – 2012); 
  Melba Liston, trombonista,  contratada por Gerald Wilson depois de se fazer notada na Sweethearts of  Rhythm; 
  Elsie Smith, saxofonista da  orquestra de Lionel Hampton; 
  Jean Starr, trompetista da  banda de Benny Carter; 
  Mary Osborne (1921-1992),  uma admiradora de Charles Christian que tocaria com Joe Venuty, Stuff Smith,  Dizzy Gilespie, Coleman Hawkins ou Thelonious Monk; 
ou ainda a trompetista da  girls band Bobbie Howell's American Syncopators, Dolly Jones.
As  mulheres na história do jazz – modernidade, vanguarda
  Os anos 60/70 foi um período  especialmente interessante do ponto de vista político, social, cultural e mesmo  artístico. O mundo estava em turbulência, as últimas colónias (a última das  quais as portuguesas) caíam, os movimentos contra a guerra (do Vietname ou das  colónias portuguesas) ou pacifistas atravessavam a sociedade, tocando em  especial os jovens, e as reivindicações igualitárias e dos direitos cívicos,  abanavam o status quo da sociedade  americana, e nisto, as reivindicações feministas, também, ganharam importância  (para o que contribuíram, como atrás referi, a luta das sufragistas e  feministas e a crescente independência económica feminina).
  Algo começou a mudar quando  as mulheres começaram a reivindicar lugares na música, já não como  extravagância ou curiosidade etnográfica, mas como instrumentistas, directoras,  compositoras ou intérpretes de pleno direito, ombreando com os homens. 
  A conturbação social e  cultural (e artística) no mundo ocidental teve reflexos no jazz também (e foi  neste período também que o jazz dirimiu também, definitivamente, as suas  fronteiras regionais, ou étnicas-culturais). Após o primeiro período clássico,  transitando entre o bebop e os anos  60-70 e a explosão do free jazz,  algumas figuras femininas ganharam proeminência; e cada uma destas mulheres  mereceria por si só uma mais extensa atenção: 
  Vi Redd (1928), saxofonista  (alto) (que é referida como possuidora de um groove rival de John Coltrane); 
  Toshiko Akiyoshi (1929),  pianista, compositora e directora de orquestra; 
  Nina Simone (1933 –2003),  pianista, cantora, compositora, ativista dos direitos civis dos negros  norte-americanos, que espalhou a sua obra pelo jazz, mas também pela pop, o blues, a folk e o gospel; 
  Alice Coltrane (1937 –  2007), harpista, compositora, directora; 
  Shirley Horn (1934 – 2005),  cantora e pianista); 
  Marjorie “Marjie” Hyams  (1912 – 2012), elegante vibrafonista que tocou com Woody Herman e George  Shearing, também pianista e compositora; 
  
e de novo citando Melba Liston, «who shared the stage with jazz greats  John Coltrane and Duke Ellington» (Max Hunger).
  O jazz que acompanhou e  contribuiu para a revolução estética, artística, política e social dos anos 60  e 70, gerou também alguns movimentos feministas radicais que se expressaram de  forma diferente na organização de festivais de jazz exclusivamente femininos (o  primeiro Women’s Jazz Festival teve lugar em Kansas City em 1978), assim como  grupos de mulheres (note-se que as all  girls bands da swing era não eram propriamente grupos  feministas), 
  como o Feminist Improvising  Group (FIG) que compareceram no Festival de Jazz de Setúbal em 1981. Estas  manifestações radicais prosseguem.
  Mas entre os anos 70 até aos  dias de hoje, ao mesmo tempo que o jazz explodia em todos os sentidos, com  vanguardistas contemporizando com a pop ou o bebop, as mulheres vêm entrando  paulatinamente no jazz, disputando os lugares tradicionalmente masculinos em  todos os instrumentos, e questionando até os ideais da doçura feminina. 
  A mais notável das  instrumentistas, compositora, bandleader,  organista e pianista surgidas no período do free será porventura Carla Bley,  erudita, verdadeiramente inclassificável, transversal entre o free jazz radical, o mais clássico do jazz e outros géneros musicais; mas outras, dos  últimos quarenta anos interessa referir, com a certeza de que me esquecerei de  muitas. Uma vez mais, cada um destes nomes mereceria uma extensa referência: 
  (sem qualquer critério de  ordenação)
  Emily Remler, guitarrista, desaparecida com apenas 32 anos de idade em  1990; 
  Mary Halvorson, original guitarrista,  em actividade; 
  Geri Allen, notável pianista,  falecida em 2017; 
  Marilyn Crispell, pianista; 
  Irene Schweizer (a pianista  que esteve em Setúbal em 1981 com o FIG); 
  Aki Takase, pianista; 
  Joanne Brackeen, pianista; 
  Sylvie Courvoisier, pianista; 
  Myra Melford, pianista; 
  Patricia Barber, pianista e  cantora; 
  Diana Krall, pianista e  cantora; 
  Maria Schneider,  compositora, arranjadora, bandleader; 
  Terri Lyne Carrington, bateria; 
  Cindy Blackman, baterista; 
  Allison Miller, baterista e  compositora que tocou em 2017 em Guimarães (à frente de um grupo que tinha Myra  Melford no piano); 
  Tomeka Reid, celista; 
  Joelle Leandre,  violoncelista; 
  Esperanza Spalding, baixista,  vocalista e compositora; 
  Regina Carter violinista; 
  Ingrid Jensen, trompetista; 
  Ingrid Laubrock,  saxofonista; 
  Jane Ira Bloom, saxofonista; 
  Matana Roberts, saxofonista; 
  Anat Cohen, clarinetista e  saxofonista; 
  Tia Fuller, saxofonista; 
  Jamie Branch, trompetista; 
  e Anna Weber, saxofonista. 
  Estas duas últimas ganharam  o prémio Músico Revelação Internacional na votação da crítica de jazz nacional,  respectivamente em 2017 e 2016.
  Curiosamente no (nalgum) jazz  moderno algumas cantoras esquivam-se à utilização das palavras e da poesia, ora  imitando instrumentos - como o faz o scat – ora oferecendo novas subtis  dimensões instrumentais à voz; ou combinando formas poéticas e mais ou menos  abstractas. 
  Entre Gretchen Parlato 
e a portuguesa Sara Serpa, o  jazz vocal está também a mudar.
O  jazz não é diferente da sociedade
  O jazz não é diferente da  sociedade, e a necessidade de nomear as mulheres que se evidenciaram no jazz  revela em si mesma a sua escassez. Admito que muitas mulheres que passaram pelo  jazz ao longo do século XX e até hoje, terão ficado esquecidas, relegadas para  um injusto anonimato, mas a verdade é que elas sempre foram em número reduzido  no jazz, numa proporção que se situará algures entre uma mulher para cem ou uma  mulher para mil homens. É também verdade que o jazz continua a ser entendido  como música de homens; mas não é o jazz: é a música e é a sociedade. Os homens  dirigem, os homens decidem, os homens avaliam, os homens dominam. A frase «por  detrás de um grande homem está sempre uma grande mulher», que parece elogiar as  mulheres, é apenas significativa do lugar das mulheres na sociedade: atrás. A  frase bem intencionada de Peter Materna «Women musicians are just as good as  men - in certain areas, they are even more interesting» é também ela  traiçoeira: o jazz é um produto da criação humana, da inteligência, da  criatividade e da emoção. Da «criação humana»; não dos homens. O que conta não  é a maior força física ou quaisquer características particulares de género. Há  homens mais criativos que outros, mas muita das suas capacidades podem ser e  são estimuladas. A habilidade instrumental não é o único critério: o (para mim)  maior pianista da História do Jazz, Thelonious Monk, não era um virtuoso, era  um singular. 
  
Há muito de adquirido na inabilidade  das mulheres para o jazz: as mulheres são treinadas para estar por detrás dos  homens, a tratar das crianças e da família; para não ser criativas. As mulheres  reproduzem o que as mães foram, que por sua vez reproduzem o que as suas avós  foram. Sem se aperceberem, elas contribuem para a dominação masculina  (Bourdieu). Umas mulheres serão mais criativas e outras menos criativas. Da  mesma forma como os homens. Não mais interessantes como género, mas com certeza  muitas terão, como os parcos exemplos femininos da História do Jazz demonstram,  muito para oferecer ao jazz.
  (A minha própria necessidade  de afirmar as capacidades das mulheres para o jazz pode surgir como sexista na benevolência. Paternalista e patética,  que decorre apenas da necessidade de contrariar afirmações patéticas.) 
  A sociedade está a mudar e é  impossível antecipar para onde ela se dirige, dado que os movimentos são  contraditórios. Um presidente sexista (e racista e ultraliberal e…) na mais  poderosa nação do planeta é um retrocesso (também) nos direitos humanos, mas o  movimento Me Too é um sinal interessante por parte das mulheres que não aceitam  mais a discriminação (que recusam a colaboração activa na discriminação, o  assédio, o abuso; mesmo se o movimento é elitista e contraditório, com algumas  posições abusivas, persecutórias e por vezes oportunistas - que apenas podemos justificar  devido ao abuso que as mulheres sofreram e algumas directamente na pele, de  forma traumática).
  No ocidente (o ocidente é  uma definição vaga que inclui democracias e outras pouco democracias, e onde  alguns cidadãos são mais cidadãos que outros) as mulheres vêm reivindicando  mais lugares na política, na economia, no trabalho, na cultura e na música, mas  o caminho para a igualdade é longo (igualdade, bem entendido, fim da  discriminação, reconhecimento da diferença, igualdade de direitos e de  tratamento, no acesso à política, à economia, à cultura, igualdade na sociedade  e na família…).
  A forma como as mulheres  exprimem a sua revolta é também ela contraditória, com manifestações radicais  nem sempre producentes. Diria que os festivais de jazz exclusivamente femininos  ou os grupos feministas são erróneos, a começar porque não têm como objectivo o  jazz, mas o próprio feminismo. É necessário compreendê-los, dada a opressão e o  drama que as mulheres viveram ao longo dos séculos (no jazz também), e como  manifestações naturais da revolta, mas elas pecam pelo primarismo e até por  injustiça. Tão erróneos como culpar o vulgar cidadão do passado colonialista do  seu país. Errados e contraproducentes.
  As mulheres foram e são injustiçadas  e discriminadas e o jazz não é diferente da sociedade. Mas se a sociedade está  a mudar e cada vez há mais mulheres a tocar jazz, elas continuam a ser muito  poucas. Como são raras as mulheres na crítica e na história, no ensaio e no  pensamento sobre o jazz. 
  O mundo do jazz é um mundo  de homens como a crítica de jazz é um clube de homens, e é-o porque vivemos  numa sociedade de homens (onde os homens dominam). Mas se isto é verdade, dizer  que as mulheres são discriminadas nas votações do jazz pode surgir tão bizarro  como dizer que os chineses são discriminados nas votações do jazz: metade da  população do planeta é discriminada? – a verdade é que são raros os músicos de  jazz na China…
  O que eu estou a dizer é uma  provocação, é claro. Porque as mulheres não tocam jazz porque o jazz é um mundo  de homens, mas os homens não proporcionam às mulheres a possibilidade de tocar  jazz: a discriminação só poderá terminar quando houver mulheres a criticar  jazz, a votar jazz e… a tocar jazz. (Melhor dizendo, não são apenas os homens  que não proporcionam às mulheres a oportunidade de tocar jazz ou outra coisa  qualquer, é a sociedade no seu todo, e as mulheres também, que incorporaram que  o seu lugar é em casa.) 
  Na crítica de jazz  contemporânea as mulheres têm vindo a ser reconhecidas, mesmo se permanecendo  em minoria. Carla Bley, Maria Schneider, Geri Allen, Terri Lyne Carrington,  Ingrid Jensen, Aki Takase, Esperanza Spalding, Diana Krall, Regina Carter, Jane  Ira Bloom, são nomes referidos desde há muitos anos na crítica internacional, e  na votação da crítica nacional algumas mulheres foram mencionadas também: em  2015 duas mulheres obtiveram reconhecimento: Maria Schneider (melhor CD: The  Thomson Fields, e 2.º lugar Músico do Ano Internacional), e Susana Santos Silva  (2.º lugar Músico do Ano Nacional); em 2016 a saxofonista Anna Webber foi  reconhecida como o Músico Internacional Revelação, e em 2017 o mesmo prémio foi  atribuído à trompetista Jaimie Branch.
O  Jazz e as mulheres em Portugal
  A situação em Portugal não é  muito diferente da situação internacional, mas o salazarismo provocou em  Portugal um atraso de décadas, de que só agora começamos a recuperar. A  pequenez da política cultural Salazar – António Ferro reduziu a nossa cultura  musical ao folclore nacional, e o jazz nunca deixou de ser um nicho de uma  elite. E o salazarismo era particularmente opressor quanto às mulheres. 
  O jazz em Portugal padece  ainda do seu aparecimento tardio, do facto também da primeira escola de jazz  ter surgido apenas nos anos oitenta e apenas institucionalizada já nos anos  noventa; mas também do próprio ensino da música nas escolas que é ridiculamente  incipiente. As mulheres no jazz contam-se pelos dedos de uma mão: a Susana  Santos Silva no trompete, a Paula Sousa no piano, Andreia Santos no trombone,  Isabel Rato, pianista, Antonella Barletta, pianista, e mais algumas que me  perdoarão o esquecimento. Mas eu tenho visto aparecerem nas escolas de jazz  muitas jovens a tocar, e assim elas prossigam nos estudos e no ofício. E afinal  o Hot Clube de Portugal tem na direcção Inês Cunha.
  O jazz não se comporta de  forma diferente da sociedade, mas algo está a mudar nele, com a sociedade. E o  que está a mudar começa na própria consciência da incorporação que durante  séculos foi promovida, da inferioridade feminina, da subalternidade, da sua incapacidade  de tocar jazz. O que está a quebrar é o círculo vicioso. 
  Mas este é um processo muito  lento, contraditório, frágil e de futuro incerto. Veja-se o Brasil, onde a  sociedade que se supunha moderna parece ter recuado séculos ao eleger um  presidente sexista (e mentiroso e fascista, e… enfim…) que pensa que o lugar  das mulheres é em casa.      
  Enfim, fazer apelos para que  as mulheres venham tocar jazz é ridículo se não existirem na sociedade  condições para que as mulheres tenham disponibilidade para aprender a tocar,  que tenham acesso à música, à formação, aos instrumentos até. E para que as mulheres  sejam profissionais da música, com tudo o que desse facto acarreta de condições  sociais. E isso é política e é sociedade, não particularmente jazz.
É possível e necessário  promover políticas de promoção das mulheres na música, mas fundamentalmente é  necessário promover políticas de igualdade e de participação social, que rompam  com a subalternidade e com o poder simbólico do homem, na sociedade como na  música. E esse é um trabalho das mulheres, mas também da academia, da política  e da sociedade. 
2019, Leonel Santos