10 discos de natal

1. Dave Douglas & Keystone, Moonshine. 2008. CD Greenleaf/ Universal
Segundo CD do grupo Keystone, o mais milesiano dos projectos de Dave Douglas. Moonshine é inspirado pelo filme inacabado de Buster Keaton com o mesmo nome, mas não é de todo uma banda sonora, como o pretendem ser os discos dedicados a Keaton de Bill Frisell. Talvez menos contagiado pela pop que o volume um do Keystone, ela impõe-se aqui e ali na presença ocasional das turntables de DJ Olive, no recurso aos binários ou no som rocky do baixo eléctrico de Brad Jones. Os dois últimos temas esta pop toma mais evidência, mas ainda assim a figura que paira sobre todo o disco é realmente o Miles Davis eléctrico e a substituição do wurlitzer de Jamie Saft pelo fender rhodes de Adam Benjamin apenas o faz notar. O Jazz impõe-se pela voz persuasiva do jovem Marcus Strickland e Dave Douglas é o mais importante trompetista da actualidade.

2. E.S.T., Leucocyte. 2008. CD ACT/ Dargil
Disco póstumo dos EST - Esbjorn Svensson faleceu em Junho passado num estúpido acidente de mergulho -, é o seguimento lógico da fase pop que os EST trilhavam desde há muito, e que lhes oferecia o estatuto de verdadeiras estrelas não apenas na Escandinávia, mas em todo o mundo. Mais evidente que em Dave Douglas, a contaminação pela pop e pelo rock (enfim, o que se chama de pop «alternativa») revela-se na urgência rítmica que o atravessa, na introdução de elementos parasitas-parasitários, na electrónica ou no rádio. A originalidade do EST está precisamente nesse contraponto que opõe a eloquência do piano acústico à virulência eléctrica do baixo-bateria e na intrusão obsessiva dos objectos exteriores ao Jazz. Depois da ambiguidade dos discos anteriores, Leucocyte revela a densidade do caminho descoberto. Os seguidores perfilam-se aí.

3. Miguel Zenón, awake. 2008. CD Marsalis Music/ Universal
Talvez mais que um produto evoluído do bop, o saxofone de Miguel Zenón é um produto do Jazz, todo o Jazz, que se fez nos últimos 50 anos. O concerto que realizou no Estoril Jazz, um dos melhores do ano, demonstrou a vitalidade de uma estética vezes sem conta anunciada defunta. Awake é um disco de Jazz inequívoco, saboroso e inspirador, a confirmar a maturidade do jovem músico.

4. Dave Holland Sextet, Pass it on. 2008. CD Dare2 Records
O quinteto de Dave Holland é desde há décadas um dos mais sólidos grupos de Jazz, repetidamente premiado e aplaudido. O surgimento de um novo grupo liderado pelo contrabaixista caiu como uma bomba no meio, até pela originalidade (em Dave Holland) da formação, onde substituiu o vibrafone de Steve Nelson pelo piano de Mulgrew Miller. Além disso introduziu mais um sopro, o expressivo Alex Sipiagin; mas do quinteto apenas trouxe realmente o trombone de Robin Eubanks, substituindo Chris Potter por Antonio Hart no saxofone e Nate Smith pelo «baterista de Charles Lloyd», Eric Harland.
Eu não tenho nenhum reparo a fazer ao quinteto de Holland que fez um dos grandes concertos deste ano no Seixal Jazz; mas a música deste sexteto (curiosamente o alinhamento do disco conta apenas com peças antigas, já gravadas, de Holland), revela-se realmente fresca. Em entrevista dos anos 90 (Independente), Dave Holland respondeu-me que a sua opção pelo vibrafone em detrimento do piano se devia principalmente às características próprias do piano que lhe davam a liderança natural. É óbvio que o problema foi resolvido: em parte nos novos arranjos para as velhas composições, também na construção de uma poderosa frente de três sopros, no equilíbrio introduzido por um baterista mais subtil e finalmente na sua omnipresença. Um dos grandes discos do ano.

5. Stefano Bollani, I Visionari. 2006. 2CD Label Bleu
Que o Jazz italiano é dos mais profícuos da Europa já sabemos de há muito, e bastará recordarmos que Enrico Rava fez o que foi para a crítica de Jazz nacional o melhor disco do ano passado. Apenas recentemente chegado às minhas mãos, este disco de 2006 do pianista Stefano Bollani tornou-se num disco de cabeceira. I Visionari foi construído para uma formação base de saxofone, clarinete e secção rítmica, ocasionalmente acrescida de violino, trompa ou voz, sobre belíssimos temas quase todos escritos e orquestrados pelo pianista. As composições de Bollani revelam a geografia europeia, desde logo na estrutura (nada de tema-solo-tema) ou no imaginário harmónico utilizado na construção dos temas ou mesmo simples acordes usados nos solos, onde os standards americanos estão quase sempre ausentes. Claro que isso se torna óbvio nos temas tradicionais italianos, mas muito para além disso, mesmo se estes músicos adoptaram de há muito o Jazz como linguagem, não lhes é possível esconder (nem querem) a formação clássica, a cultura e poesia ou a música popular com que cresceram.
Enfim, considerações marginais para um disco de Jazz italiano belíssimo.

6. Jean-Marie Machado/ Dave Liebman, Caminando. 2008. CD PAO records
Depois de um relativo sucesso do último disco de Jean-Marie Machado em Portugal, o primeiro na já longa discografia do luso-descendente, eis que surge no mercado nacional um novo disco em que a presença da herança lusa é evidente.
Caminando é um dueto com o saxofonista Dave Liebman (que toca também flauta), e em meio a outros temas de inspiração espanhola ou francesa, ele integra «Solidao» com que começa o CD, mas também «Não Quero Amar» e mais à frente «Lisboa não sejas francesa».
Machado é um músico realmente inspirado, como escritor e como pianista, e Dave Liebman é um verdadeiro monstro do saxofone. O curioso é como se estabelece uma empatia tão grande entre os dois músicos de origens tão diferentes. Mas ambos estão habituados a «ouvir», o que é uma arte quase exclusiva do Jazz, para além de que realmente os dois têm no seu passado colaborações em formações semelhantes. Ainda assim…
Caminando é um disco profundamente melodioso, tocado por alguma melancolia, muito própria para a época invernosa.

7. The Dutch Jazz Orchestra, The Lady Who Swings The Band. 2005. CD Challenge/ Dargil
Integralmente composto por temas Mary Lou Williams, o CD percorre quarenta anos da obra da compositora e pianista, entre 1936 e 1977, entre os quais uma magnífica versão de «Scorpio», o único tema da Zodiac Suite com arranjo para orquestra e algumas outras compostas e orquestradas de propósito para Duke Ellington.
A Dutch sai-se bastante bem do intento de divulgar a música da grande compositora. Com uma secção de metais a ganhar em número às palhetas (cinco trompetes e quatro trombones para apenas seis palhetas), ela alia poder a fluidez, reagindo bastante bem aos movimentos mais rápidos ou subtis de algumas composições, capaz do mais vigoroso swing ou aos gestos de puro lirismo.

8. Chick Corea & Gary Burton, The New Cristal Silence. 2008. 2CD Concord/ Universal
Este disco comemora os trinta anos da gravação de Crystal Silence, e assinala o reencontro dos dois músicos, que tivemos oportunidade de ver em Lisboa o ano passado.
O álbum é composto de dois CDs, um primeiro gravado ao vivo com a Sydney Symphony e o segundo apenas em dueto. Corea e Burton são dois músicos superlativos, mesmo se nem tudo o que fazem seja do melhor gosto. Do meu ponto de vista o primeiro CD com orquestra era realmente desnecessário, mas o propósito dos músicos era acrescentar grandiloquência à música, ou integrar as composições na forma orquestral clássica, o que foi feito.
O segundo CD é-me bastante mais caro: que dizer da delicada interpretação de «Walz for Debby», do intrincado «Sweet and Lovely» ou do pungente «I Love You Porgy»? Todos os restantes temas são clássicos de Chick Corea, «La Fiesta», «Alegria» ou «Señor Mouse», contagiantes de melodia e alegria.
Este segundo CD de The New Crystal Silence corresponde aproximadamente ao que eles tocaram no Coliseu dos Recreios e é por demais expressivo da arte maior de Chick Corea e Gary Burton.

9. Carla Bley and her remarkable Big Band, Appearing Nightly. 2008. Watt Works/ ECM/ Dargil
O propósito deste disco é recriar o ambiente dos night clubs que Carla Bley conheceu nos anos 50 (ver entrevista a Carla Bley em Jazzologia) quando o Jazz era uma música popular e aí se podiam ouvir Count Basie, Joe Williams ou Gil Evans e onde conheceu Paul Bley, em ambientes informais onde as pessoas falavam, riam, bebiam, fumavam e ouviam música. É todo um ambiente que o Jazz perdeu que a compositora quis recuperar no New Morning em Paris com a sua magnífica Big Band, e que surge agora registado em CD.

10. Bill Frisell, All Hat. 2008. Emarcy/ Universal
All Hat é a banda sonora do filme com o mesmo nome do realizador Leonard Farlinger. São três dezenas de temas muito curtos, alguns com menos de um minuto, compostos pelo guitarrista. Ainda em Novembro passado tivemos oportunidade em Lisboa de assistir à atracção que as imagens produzem em Frisell, quando deu som aos filmes mudos de Buster Keaton. A música (sonoridade) que ele compôs para All Hat não andará muito longe do que aí ouvimos, por vezes bastante próximo do country, por vezes mais ambient, por vezes mais rocky. Não será dos melhores discos de Bill Frisell, mas tem momentos únicos e é sempre um prazer ouvi-lo. Um recomendável presente de Natal.