Resposta aberta, contra a ignorância e irresponsabilidade
Rodrigo Amado

Caro António,
Fiquei surprendido ao ler as suas palavras e escrevo este texto pelo respeito que tenho e sempre tive por si e pelo seu trabalho.
Penso que o seu artigo revela uma total ignorância pela actividade que desenvolvemos actualmente no Público, e alguma irresponsabilidade, pela credibilidade que alguns, como eu, atribuem à sua opinião.
Vamos por pontos:

1.
O jazz atravessa um momento difícil na comunicação social do nosso país. Lutam contra isto o Público (principalmente), o Expresso, a Time Out e a Jazz.pt, entre raríssimas outras excepções.
No Público, cuja coordenação é da minha responsabilidade, para além de critérios de qualidade e relevância artística, sempre influenciados, naturalmente, pela opinião pessoal de quem escreve os textos, é dada uma prioridade absoluta à música nacional, coberta em todas as suas vertentes estéticas. Esta foi aliás uma das razões que me levou a começar a escrever sobre música.

2.
Compadrio e promiscuidade? Não me parece.
Se analisarmos a lista de artigos referentes a projectos nacionais publicados nos últimos 3 anos, facilmente tiramos conclusões. Assim:

2009 – Discos:
Laurent Filipe “Flick Music”, Tetterapadequ “And the Missing R”, João Lencastre “B Sides”, André Fernandes “Imaginário”, Jorge Lima Barretto / Carlos Zíngaro “Kits”, João Paulo “White Works”, Mikado Lab “Coração Pneumático”, Zé Eduardo Unit “Live in Capuchos”, Júlio Resende “Assim Fala Jazzatustra”, Nelson Cascais “Guruka”, Afonso Pais “Subsequências”, André Matos “Rosa Shock”, Jacinta “Songs of Freedom”.
2009 – Concertos / artigos:
artigo João Lencastre, João Paulo na Culturgest, Laurent Filipe no CCB, artigo João Paulo, António Pinho Vargas Culturgest, artigo Nelson Cascais, Orquestra Jazz de Matosinhos no Cine Teatro Constantino Nery, Nuno Rebelo DJ Olive na Culturgest, Carlos Bica nos Jardins do Palácio Cristal, Rodrigo Gonçalves no Museu do Oriente, Orquestra Jazz de Matosinhos com Kurt Rosenwinkel no B Flat, António Pinho Vargas na Culturgest, Orquestra Jazz de Lagos no CCLagos.

2010 – Discos:
António Pinho Vargas “Solo II”, Bernardo Sassetti “Motion”, Gonçalo Prazeres “Depois de Alguma Coisa”, Carlos Barretto “Labirintos”, Sei Miguel “Esfingico”, Nuno Costa “Nuno Costa”, Septeto Hot Clube “Septeto Hot Clube”, João Lencastre “Sound it Out”, El Fad “Lunar”, Paula Sousa “Nirvanix”, Hugo Antunes “Roll Call”, Jorge Moniz “Deambulações”, Red Trio “Red Trio”, Afonso Pais “Fluxorama”, Desidério Lázaro “Rotina Impermanente”, LUME “Lisbon Underground Music Ensemble”, Miguel Amado “This is Home”, Sara Serpa / Ran Blake “Camera Obscura”, Gonçalo Marques “Da Vida e da Morte dos Animais”, Mário Laginha “Mongrel”, Orquestra Jazz de Matosinhos / Kurt Rosenwinkel “Our Secret World”.
2010 – Concertos / artigos:
Carlos Martins na Culturgest, Orquestra Jazz de Matosinhos + ONP no CCB, Red Trio no Auditório Ruy de Carvalho, Bernardo Sassetti no CCB / Casa da Música, artigo Clean Feed / Jazz ao Centro Clube, Artigo Bernardo Sassetti, Carlos Barretto Lokomotiv no Cinema São Jorge, Artigo Tone of a Pitch, Artigo Sei Miguel, Orquestra Jazz de Matosinhos / Carla Bley na Casa da Música, Artigo Carlos Barretto, Mário Laginha Trio no Teatro São Luiz, El Fad no CCB, Sara Serpa Quarteto no Onda Jazz, Septeto do Hot Clube no Centro Cultural de Lagos, Mário Santos Quarteto nos Jardins do Palácio de Cristal, Orquestra Jazz de Matosinhos nos Jardins de São Pedro de Alcântara, TGB e Nelson Cascais no Centro de Artes de Sines, Orquestra Jazz de Matosinhos / Kurt Rosenwinkel na Festa do Avante, Nelson Cascais na Culturgest, Jorge Lima Barreto / Eddie Prevost na Culturgest, Ciclo Jazz no Inverno (Lagos), Festival Ébano e Marfim (Trem Azul), Artigo Sara Serpa.

2011 – Discos:
Luis Figueiredo “Manhã”, Afterfall “Afterfall”, Júlio Resende “You Taste Like a Song”, Rafael Toral “Space Elements Vol.III”, Diogo Vida “Alegria”, Nuno Campos Trio “My Debut For The Ones Close to Me”, César Cardoso “Half Step”, Sei Miguel e Pedro Gomes “Turbina Anthem”, Sérgio Carolino Tubab “Live at Paredes de Coura”, Postcard Brass Band “Pop & Roll”, Susana Santos Silva “Devil’s Dress”, Red Trio / John Butcher “Empire”, João Firmino “A Bolha”, Hugo Carvalhais “Nebulosa”, Zé Eduardo “Flajazzados”, Joana Sá “Through This Looking Glass”, Sara Serpa “Mobile”, Carlos Bica “Things About”,
2011 – Concertos / artigos:
Afonso Pais na Casa da Música, Orquestra Jazz de Matosinhos / João Paulo na Casa da Música, Ernesto Rodrigues Octeto na ZDB, Júlio Resende Trio na Culturgest, Sei Miguel no Music Box, Susana Santos Silva Quinteto em Valado dos Frades, Red Trio no Museu do Chiado, Carlos Barretto Lokomotiv na Culturgest, Sara Serpa Quinteto no Teatro São Luiz / Casa da Música, Luis Lopes / Jean Luc Guionet na Culturgest, Susana Santos Silva em Dublin / 12 Points, Orquestra Jazz de Matosinhos / Maria Schneider no Cool Jazz Fest, artigo Rafael Toral, artigo Arte da Big Band (OJM, LUME, Reunion BB, BB da Nazaré, BB do Hot Clube), André Fernandes Box nos Jardins do Palácio de Cristal, Filipe Melo Trio na Tapada das Necessidades, Joana Sá no Maria Matos, Orquestra Jazz de Matosinhos / Lee Konitz na Casa da Música, Hugo Carvalhais no Seixal Jazz, Clean Feed Fest no Teatro do Bairro / Casa da Música, artigo Reabertura do Hot Clube, Big Band Junior no CCB.

Para além disso foram publicadas antevisões de todas as edições do Guimarães Jazz, Jazz em Agosto, Estoril Jazz, Seixal Jazz, Jazz no Parque (Serralves), Festa do Jazz, AngraJazz, Jazzores, Jazz ao Centro, Portalegre JazzFest, Festival Jazz.pt, Braga Jazz, e Som da Surpresa (Oeiras).
Penso que a melhor expressão para o trabalho que temos vindo a desenvolver não é “escrever para a nossa roda de amigos ou para alimentar os nossos próprios egos”, e não me parece representar “uma agenda de cobertura de concertos e festivais entrincheirada num despudorado sectarismo estético-ideológico”.

3.
Referindo-me concretamente à insinuação (grave) “numa terra onde já vale tudo, incluindo o saneamento por delito de opinião!”, frase relativa à decisão de deixarmos de contar com o Paulo Barbosa na nossa equipa, devo dizer o seguinte:
A razão pela qual convidei o Paulo Barbosa para escrever sobre jazz no jornal foi precisamente por saber que ele tinha opiniões e gostos totalmente diferentes dos meus e do Nuno Catarino. Dessa forma, pensei garantir uma maior diversidade na cobertura do jazz no Público. Uma colaboração que funcionou da melhor forma durante mais de 3 anos, tendo sida posteriormente posta em causa por afirmações de Barbosa em que dizia que “este ou aquele músico não sabiam tocar e que não compreendia como é que alguém podia editar a sua música”. Facto mais grave tendo em conta que se referia, entre um grupo grande de músicos, ao Red Trio, projecto que tem alcançado enorme projecção internacional, tendo sido o primeiro grupo português a conquistar um lugar nos melhores do ano da All About Jazz. Claro que cada um tem direito à sua opinião, mas eu tenho também o direito de ter na minha equipa pessoas informadas, cultas, que saibam respeitar os músicos, independentemente do seu nível ou filiação estética. É preciso ter a noção de que a nossa liberdade de opinião não deve magoar ou denegrir os outros de forma leviana, ainda mais estando numa posição de evidente responsabilidade.

4.
Finalmente, referindo-me especificamento ao Festival Porta Jazz, aos músicos do Porto e ao trabalho de Carlos Azevedo, devo dizer o seguinte:
Para a edição de 2 de Dezembro, a edição anterior ao Festival Porta Jazz, a decorrer a 7 e 8 de Dezembro, o suplemento Ípsilon do Público optou por publicar uma antevisão do Festival Jazz.pt, evento associado à única revista de jazz nacional e no qual participaram inúmeros músicos do norte do país (Susana Santos Silva, Óscar Marcelino da Graça, Marcos Cavaleiro ou José Pedro Coelho).
Por compreensíveis limitações orçamentais, o jazz no Ípsilon tem estado limitado a um destaque semanal. Tratou-se assim de uma opção editorial que em nada retira mérito ou valor ao Festival Porta Jazz ou aos músicos que nele participaram.

Curiosamente, a formação sobre a qual mais se escreveu nos últimos 3 anos foi precisamente a Orquestra Jazz de Matosinhos, com 11 (?) artigos publicados.
Sendo um projecto do qual sou um incondicional apoiante e admirador, sobre ela escrevi:
“ A orquestra tem vindo a afirmar-se como o pólo mais visível da hiperactiva cena jazz nortenha, desdobrando-se em inúmeros projectos que estimulam a criatividade e o empenho dos músicos que nela participam.”
E ainda: “Oportunidade valiosa para testemunhar o impacto da mais extraordinária big band de jazz do nosso país e atestar a evolução dos muitos talentosos “jazzmen” que integram o projecto, nomeadamente os saxofonistas Mário Santos, José Luis Rego, José Pedro Coelho, o baterista Marcos Cavaleiro ou o contrabaixista Demian Cabaud, entre outros.”
Ou: “Da Orquestra mais celebrada do país será justo dizer que está cada vez mais “expressiva” graças ao trabalho notável de direcção e orquestração de Carlos Azevedo e Pedro Guedes.”
Basta de insinuações maldosas, ignorância e irresponsabilidade!

Cumprimentos,

Rodrigo Amado

(Nota: Este texto responde ao texto de António Curvelo publicado aqui. LS)