«Como artistas temos que estar ligados com o mundo. Temos que estar conscientes. Temos de ser críticos do que está ao nosso redor.»
Historicity (JazzLogical ) de Vijay Iyer acaba de ser votado pelo colectivo de críticos reunidos anualmente pela Down Beat, o Disco do Ano 2009. Aqui está a (curta de 15 minutos) entrevista que realizei ao músico no final do concerto onde Vijay fala um pouco das suas ideias sobre o piano, sobre Jazz e sobre o mundo. Muitas coisas ficaram por perguntar e responder...
JazzLogical
O seu último disco, Historicity, é um trido de piano. Mas os discos anteriores incluíam também o seu amigo Rudresh Mahanthappa no saxofone. Como é tocar sem saxofone? Quais são as diferenças?
Vijay Iyer
Bem, a orquestração é diferente. Em parte porque a melodia surge não apenas de um instrumento de sopro, mas de toda a parte. E também porque estamos todos a tocar com as nossas mãos. Eu toco com as mãos e o mesmo acontece com o baterista e baixista. De certa forma, tudo é táctil. Toda a paisagem. É um universo feito pelas mãos. E podem encontrar-se diferentes ligações entre os diferentes instrumentos por causa disso. Mas também o lirismo surge ainda mais misterioso: não há nenhuma conexão directa com a voz. Um instrumento de sopro está mais próximo da voz, porque vem do pulmão e vem da boca e sente-se uma ligação directa nisso. O piano e o baixo são mais como uma analogia, é o lirismo como metáfora; a melodia funciona de forma diferente. Assim nós somos muitas vezes mais como uma espécie de secção rítmica. É um funcionamento de secção rítmica.
JazzLogical
Quando diz que o saxofone está mais próximo da voz, isso significa que é um instrumento mais humano, quer dizer, um instrumento mais emotivo?
Vijay Iyer
Não. A voz é uma parte do ser humano, mas também os braços, as mãos, os membros, andar e tocar; há todos os outros lados do ser humano. Como eu disse, é mais ou menos táctil, não emotivo. A emoção vem de lugares diferentes. Nós tendemos a privilegiar a voz, mas eu privilegio a acção sobre a fala. Acções falam mais alto que palavras.
JazzLogical
A sua música está a mudar? Nos últimos anos a sua música teve sempre saxofonistas como Rudresh ou Steve Coleman ou Leo Smith e outros músicos e instrumentos. Agora gravou um trio de piano e, como me disseram, o seu próximo disco será um piano solo...
Vijay Iyer
Não, de todo. Eu vou fazer um concerto em duo com Rudresh na próxima semana. Continuo a trabalhar com ele.
Acontece o seguinte: no formato de quarteto nós fizemos quatro álbuns com o meu quarteto com Rudresh nele, fizemos talvez quatro álbuns de seu quarteto comigo, fizemos álbuns em duo e estivemos em digressão por quinze anos. Por isso, nós pensamos que há muito mais o que fazer e eu sinto que já construímos uma quantidade muito grande de material juntos. Continuamos a criar e explorar esse material, mas vamos deixar passar algum tempo.
JazzLogical
Mudando de assunto. Quem são os seus mestres, os seus heróis no piano?
Vijay Iyer
Bem, está a ouvir um deles (estávamos a ouvir Thelonious Monk em fundo). Ele é o número um. E Duke Ellington ...
JazzLogical
Duke Ellington como pianista?
Vijay Iyer
Sim, claro. E Andrew Hill, Randy Weston, Cecil Taylor, McCoy Tyner, Bud Powell ...
JazzLogical
Isso são todos ...
Vijay Iyer
Não, é uma linha muito específica: Herbie Nichols, Elmo Hope, Sun Ra ... Sabe, há músicos que todas as pessoas preferem; se perguntar, eles responderão Bill Evans, Keith Jarrett, Brad Mehldau ... Eu direi que os admiro e acho que eles são músicos incríveis, mas as minhas orientações são diferentes. E parte disso é que os que eu nomeei, Thelonious, Ellington, Sun Ra, são compositores-pianistas. Não apenas pianistas, eles são construtores de música num sentido muito profundo. Eles fazem escolhas do topo ao fundo na forma como a música soa. Não apenas sobre o exibicionismo, o show off, a velocidade ou a limpeza; é mais sobre o mistério, é sobre a criação.
JazzLogical
Nas liner notes do seu último disco, Historicity, citou Antonio Gramsci. Como é que ele veio até si? Penso que ele seja mais conhecido na Europa do que os E.U: afinal ele era marxista!
Vijay Iyer
Ele era um filósofo marxista, duas palavras proibidas na América. Mas há pessoas que o conhecem e aos seus escritos. Sou um bom amigo de Robin Kelley, autor de um livro sobre Thelonious Monk, a biografia de Monk. Ele passou quarenta anos a trabalhar nela! Enfim, ele é um historiador e um estudioso do marxismo. Ele é muito importante para o meu pensamento. Também trabalhei com Amiri Baraka por muitos anos e outros. A maioria das pessoas com que lido são radicais, politicamente falando. E eu aprendi muito por passar muito tempo com eles. E isso estimulou-me.
Mesmo olhando para trás, quando comecei a liderar grupos, eu trabalhava com asiático-americanos na Califórnia que faziam parte dessas organizações activistas. O activismo e as artes estiveram sempre presentes na minha mente.
JazzLogical
Quando eu li as liner notes de Historicity eu fiz uma ligação, porque Gramsci inspirou os Estudos da Subalternidade. Existe essa ligação na sua mente?
Vijay Iyer
Absolutamente. A linha por onde ele veio até mim é essa. Eu estudei teoria da filosofia na minha graduação, e sempre foi importante para mim em termos de pensamento crítico e análise o que acontece no mundo. Porque, como artistas temos que estar ligados com o mundo. Temos que estar conscientes. Temos de ser críticos do que está ao nosso redor.
JazzLogical
De volta à música. Que tipo de coisas o inspira? Refiro-me a criação, para a sua música?
Vijay Iyer
Bem, a minha inspiração vem da experiência da vida, da minha família, de todos os tipos de disciplinas, o estudo - eu tenho uma formação científica em física e matemática. E as pessoas também me inspiram. Quero dizer os criadores radicais. No sentido em que eles criam algo que não era possível antes. Eles não trabalham apenas, mas criam um espaço no universo que não existia antes. Estou a falar de Duke Ellington, eu estou a falar de Thelonious Monk, eu estou a falar de Cecil Taylor e outros como eles. Eles não fizeram coisas que soam bem, eles fizeram um trabalho sem precedentes. E isso é radical.
JazzLogical
Considera-se um músico de jazz? Ou apenas um músico?
Vijay Iyer
Não sou eu que o devo dizer, mas eu toco em festivais de Jazz, em clubes de Jazz, as pessoas escrevem sobre mim nas revistas de Jazz, os meus discos estão em etiquetas de Jazz, eu ganho prémios de Jazz ...
Bem, a palavra tem sido boa para mim; acho que o posso dizer.
JazzLogical
Sobre a cena do Jazz de hoje: quem é que está a fazer coisas que acha que são importantes?
Vijay Iyer
Eu não penso apenas no Jazz. Eu penso em música, nas pessoas que são criativas. Nem sequer apenas em música. Mas bem, entre os meus pares, eu diria que Craig Taborn, um músico fantástico, Steve Lehman, músico incrível, Rudresh, músico incrível, Matana Roberts, Tyshawn Sorey, Okkyung Lee..; todos eles são músicos incríveis.
JazzLogical
Há futuro para o Jazz?
Vijay Iyer
Bem, há tantos músicos a tocar Jazz...
(Ver também crítica a Historicity em Discos)