Manfred Eicher

 

Três perguntas a Manfred Eicher

Sábado passado, no X Festival de Cinema do Estoril, foi a segunda vez que tive oportunidade de interpelar Manfred Eicher, o carismático fundador da ECM. A primeira aconteceu em 1993, por ocasião do lançamento de Twelve Moons de Jan Garbarek, o disco 1500 do catálogo ECM.
Como alguns saberão, por essa altura eu trabalhava como promotor para a distribuidora da ECM em Portugal, a Dargil, e nessa qualidade fui a Zurich, ao encontro de promotores, distribuidores e jornalistas promovido pela ECM. Antes do curto concerto com Jan Garbarek, Manfred Eicher respondeu a algumas perguntas da audiência.
Esta segunda vez aconteceu pois, no sábado passado, no final da projecção de Sounds and Silence de Peter Guyer & Norbert Wiedmer, sobre a ECM. Devo confessar que as respostas de Manfred Eicher são para mim sempre frustrantes, e não falo apenas das minhas perguntas. Elas são sempre evasivas. Mas Manfred Eicher é uma velha raposa que nunca se deixa apanhar.
Um amigo observou-me que algumas das minhas perguntas não deveriam ser feitas, já que não passam de considerações pessoais e não terão nunca resposta. Talvez tenha razão. De qualquer forma elas foram feitas e aqui estão.

Em jeito de nota de rodapé, a propósito de Sounds and Silence, apesar de inequivocamente bem filmado e ter inúmeros momentos de interesse, o documemtário não possuía uma unidade que lhe permitisse viver autonomamente enquanto objecto fílmico, acabando por se revelar um (pobre) objecto publicitário. Apesar disso, para os apreciadores e conhecedores da ECM, o filme continha, como disse, muitos momentos de interesse
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Pergunta 1 (Zurich, 1993): A ECM possui hoje um catálogo extenso e diversificado. Possui também algumas características que lhe estão a si associadas, de carisma, rigor e perfeição, e que fazem da ECM uma editora muito personalizada, onde todas as decisões cabem, incluindo o que gravar ou não gravar, ao que sabemos, à pessoa do editor. O catálogo ECM possui hoje Jan Garbarek, Keith Jarrett, Egberto Gismonti ou Ralph Towner, mas também Wadada Leo Smith, Hal Russell NRG, Art Ensemble of Chicago, Terje Rypdal e ainda Steve Reich, Messiaen, Giya Kancheli, Meredith Monk e vários intérpretes a tocar Bach ou Shostakovich. Quer dizer, inclui Jazz, mainstream e fusão, mas também free-jazz, música contemporânea e clássica.
A pergunta que lhe faço é a simples: gosta de tudo o que edita e quais são os seus critérios para decidir o que gravar?

Manfred Eicher: Para mim, não se trata do que eu gosto ou não gosto. As minhas decisões baseiam-se sobretudo naquilo que considero merecer ou não merecer ser gravado. Os meus critérios não são critérios de gosto, e não importa se gosto ou não de um disco que vou editar, mas apenas avaliar se ele deve ser gravado. Mas o gosto do público não afecta a minha decisão. Apenas a música.

Pergunta 2 (Estoril 2010): No início do século XX, as gravações destinavam-se a preservar para a posteridade um momento e a divulgá-lo ao público. Elas eram registos de música tocada ao vivo e o público podia imaginá-la a ser tocada. Ao longo do século XX, a maior parte das gravações passaram a ser feitas em estúdio, provocando desse modo uma relação nova do público para com a gravação. Com a ECM, eu creio que a relação entre o músico, o acto de gravação e o disco se perdeu definitivamente, como se o objecto pudesse viver sem o momento original da gravação. Como nós vimos no filme (Sounds and Silence), você interfere na gravação, nos mínimos pormenores, e cada disco ECM parece possuir tanto de si como do músico, transformando-o num objecto capaz de viver por si mesmo. Ele transformou-se um objecto de culto, pela música, mas também pela capa e nos mínimos detalhes da produção. O público já não imagina os músicos a tocar; de certa forma é como se o momento da criação fosse o disco e a gravação nunca tivesse sequer acontecido.
A pergunta que lhe faço é: quando inicia uma gravação, a sua intenção é preservar um momento e uma música para a eternidade ou apenas criar um objecto musical novo?

Manfred Eicher: Eu não estou realmente preocupado em preservar um momento para a eternidade, mas simplesmente fazer o que eu sei melhor que é oferecer ao músico as melhores condições possíveis para que ele possa concretizar as suas ideias.
Eu procuro criar uma empatia com o músico, ouvi-lo e compreender as suas ideias. E creio que é isso que faz a diferença, porque o músico precisa ter em quem confiar. E esse é o que eu considero o meu maior contributo para a música: oferecer ao músico o melhor som possível para a sua música; saber ouvir o músico e oferecer-lhe as melhores condições para registar a sua música.
E procuro fazê-lo da melhor forma possível, com o melhor som possível, equilibrando o som, procurando entender o que o músico pretende, destacando um outro instrumento ou som, muitas vezes como o músico não sabe fazer, porque ele sabe tocar ou compor, mas gravar é aquilo que eu faço. Eu não estou a pensar no público, mas se formos bem sucedidos, então isso é bom para o músico e para a música e quer dizer que eu fui também bem sucedido.
Mas o disco não é feito com a pretensão de ser algo especial mais do que ser o reflexo de uma boa composição ou uma boa performance. E no final é sempre o público que decide.

photo_by_Marek_Vogel

Pergunta 3 (Estoril 2010): Perante a actual crise da indústria, como é que a ECM encara o seu futuro e o que é que está a fazer para a enfrentar?

Manfred Eicher: Eu penso que é preciso não nos lamentarmos demasiado e não ouvirmos os pessimistas que apenas são capazes de ver as coisas negativas em todo o lado. Eu tento não pensar nisso e concentrar-me apenas no que sei fazer. Mas acima de tudo eu realmente não me sinto a fazer parte da indústria e vou continuar a fazer o que sei fazer o melhor possível enquanto o puder fazer.

http://www.ecmrecords.com/