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A caixa de Pandora e como fabricá-la

Tenho andado zangado, tenho andado muito zangado. O motivo, adivinham, são as notícias que têm andado a correr por aí sobre o assédio, as violações, e não sei que mais no mundo do Jazz, e de como uma acusação teria aberto uma «caixa de Pandora» no Jazz.

De repente descubro que o mundo do Jazz que eu conheço há mais de 50 anos e que eu pensava que era um mundo de virtudes, é afinal um abismo de abusadores, e eu fiquei estupefacto, sem saber o que fazer. O que fazer?, sim, o que fazer?

A primeira atitude possível seria não fazer nada. Não fazer nada - o deixa correr e logo se vê - é compreensível para todos, para os abusadores e para os não abusadores, mas corre o risco de ser considerado silêncio cúmplice.

A segunda é fazer um comunicado sonso. Um comunicado sonso, do tipo há por aí uns malandros, ó lá se há, é eficaz. Tem variantes entre fazer pendant com a maioria sonante no momento e bater mais no ceguinho, o eu não tenho nada a ver com isso mas tou solidário e o eu até sou amigo duma gaja que foi perseguida e outra que viu e ainda as minha amigas são todas do metoo (o metoo tá na moda e é fixe).
É manhoso, e tem que ser bem feito para ser convincente, mas é realmente eficaz e tem a virtude de afastar logo suspeitas.

A terceira é parente da anterior: é do tipo filho-da-puta. O fdp é o oportunista que tem uma agenda, quer-se promover e aproveita a oportunidade. Cola-se ao que está na moda, cavalga a crista da onda, vai dizendo umas patacoadas grossas, desanca nos malandros e em tudo e todos de forma vaga, mas com convicção. Esta é brilhante, mas não é para todos.  

E ando nesta indecisão desde a semana passada.
As pessoas que me são queridas, e são muitas e ajuizadas, dizem-me para estar quieto, que é a primeira hipótese, de acordo com o ditado que diz que «o calado é o melhor», e que, por outro lado, o que eu disser pode ser utilizado contra mim: agarram uma frase, cortam ao meio, juntam pedaços de outra, dão um título bombástico à cacha e estás tramado. Vai dar chatices, com certeza.

E também sei que amanhã vou levar na cabeça dos meus amigos e conhecidos fora e dentro do Hot Club por ter posto mais achas na fogueira.
Eu sei, eu sei, o problema é que eu não sei estar calado mas, como diria o Francis Albert, «this is my way».

Mas antes quero dirigir-me a todos vós, os meus amigos e aos amantes do Jazz que me lêem para lhes dizer uma coisa: Tenham calma, porque vocês não são abusadores, violadores, assediadores ou pedófilos. E como eu, que ouço Jazz há mais de 50 anos e conheço muita gente, vocês não têm, nas vossas relações, abusadores.
Calma, muita calma, que o Jazz é a melhor música do mundo.

E sentem-se, que o texto é comprido.

Mas o que é que se passa afinal?


1, Os factos e os detalhes que não têm nada a ver com o assunto

Os factos
Comecemos então pelos factos.

Há ano e meio, em Maio de 2023, um tipo engatou uma mulher na internet, ou engataram-se mutuamente, ela aceitou ir para a cama com ele, ou ao contrário, eles mal se conheciam, eles combinaram um acto com preservativo, mas a meio ele terá resolvido tirar o preservativo e, ao que dizem, isso pode enquadrar-se no que se designa por acto não consentido e será considerado ao abrigo da lei portuguesa crime (mas eu não percebo nada de leis) e ela resolveu apresentar uma queixa crime na polícia e denunciá-lo nas redes sociais.

Bom, estes são os factos, tão a ver. Só isto. Foi um engate de internet que correu mal. Não há mais história para contar, nada; mas que grande chatice! 

Os detalhes que não têm nada a ver com o assunto
Mas agora vamos então aos detalhes.

  1. Não existia nenhuma relação entre eles. Nenhum ascendente, nenhuma relação de poder entre eles, profissional, pessoal, social, whatever. Ele não era professor dela, ela não era aluna, ele não lhe era nada, ela não lhe era nada.

  2. O homem é um pianista conhecido, de Jazz, e ouvi dizer também que é professor num estabelecimento de ensino superior.

  3. A mulher identifica-se como sendo uma DJ e, já agora, não é estudante de música.

  4. E já agora também, como despropósito, ele NÃO é professor na escola do Hot Club.

  5. Já agora, pois também, o homem já foi professor no Hot, e já agora outro também, como mais 870 outros músicos no passado, entre Bernardo Sassetti, Mário Laginha, Maria João, Jorge Reis, Paula Oliveira, etc, etc, etc.;

  6. E enfim o Hot não tem nada a ver com isso, e porque é que o Hot haveria de querer saber o que é que uma pessoa que já não trabalha lá anda a fazer? Com que direito é que alguma instituição vai controlar o que é que um seu ex-funcionário anda a fazer na internet? 

  7. Ah!, estava a esquecer-me: o pianista em causa nem sequer é sócio do Hot!

  8. Ano e meio depois, pois, da relação em causa, a mulher em causa resolveu denunciar o homem em causa, que não é seu professor, ela nem é aluna, e também nem se sabe se ela gosta de Jazz. Recordo: não havia nenhuma relação de poder entre eles, profissional, pessoal, social, nada.

  9. Enfim, com propriedade ou não, a acusação terá sido formalizada na polícia, e nas redes sociais com o auxílio do metoo, que rapidamente espalhou a situação.

A queixa
Até aqui tudo bem, ou tudo mal. Eu não sei dizer se houve crime, mas se a mulher se sentiu violada fez bem em apresentar queixa na polícia. É claro que a queixa deveria ter sido apresentada logo no dia seguinte, mas nós sabemos como estes são processos dolorosos e muitas mulheres são perseguidas por décadas, pela violação, pela culpa até, de crimes perpetrado por outros sobre elas.

O problema de só apresentar queixa ano e meio depois é que, ao que li, que eu não percebo nada de leis, o suposto crime pode ter prescrito. Ou melhor, crime até pode ter havido, mas já não é passível de sanção. Mas eu não percebo nada disso, nem importa muito.

Importa que a raiva acumulada de um ano e meio de abuso reprimido e impotência perante a possibilidade de o violador se escapar a terá levado a, talvez de moto próprio ou auxiliada, ou incentivada, denunciar nas redes sociais o crime do tal sujeito que ela tinha conhecido na internet.

Presunção de inocência
Bom, ainda antes de continuar, eu devo dizer que não sei se o tal gajo que andava na internet a engatar gajas cometeu de facto um crime. Eu não estava lá, e ouço as duas partes, e para mim continua a funcionar o princípio da presunção de inocência, que é um adquirido civilizacional. Não gosto dos métodos taliban de suspeita e mata, e sei que neste momento o João Pedro Coelho (é o nome dele) já foi condenado, sem direito a julgamento ou defesa. E eu não sei, e ninguém sabe, para além dos dois intervenientes, o que é que aconteceu. Sei também, já tenho idade para isso, para saber que no que toca a relações sexuais não há preto e branco, e até que as percepções mudam, os sentimentos mudam, e o que é verdade hoje não o é daqui a um ano. Eu conheço o Coelho, mas a única coisa que sei dele é que é um excelente pianista. Agora o gajo até pode ser um perigoso estuprador, e eu não tenho forma de saber. Nem quero. Já me chega de lixo.

E deixem-me então tirar uma primeira conclusão: Terá talvez havido um crime, o que ainda não está estabelecido, resultante de um engate de internet QUE CORREU MAL, entre dois indivíduos que não se conheciam, E ESTA É A HISTÓRIA.

Em jeito de nota de rodapé eu gostaria de repetir que o Jazz e o Hot Club não têm nada a ver com o assunto: ela não é aluna da escola do Hot nem gosta de Jazz e ele não é professor do Hot. 



2. O metoo entra em cena

Logo após a denúncia de Liliana Cunha nas redes sociais o metoo percebeu que tinha ali um furo, mas não tinha caso e tinha que o fabricar. E, num primeiro post, ignorando o facto de JPC não ser professor no Hot, uma das leaders do metoo atira: «Por isso Hot Club de Portugal tá na altura de se pronunciarem - isto vai sair quer queiram quer não...». Poderíamos perguntar sobre que é que o HCP tinha de se pronunciar, já que o JPC não era prof do Hot (nem ela era aluna), mas o metoo não precisava da pronúncia do Hot para nada. E as sistas repetiram em coro.

A partir daí as acusações alastram do JPC para o Hot e a comunidade de músicos de Jazz e mesmo aos «homens», e sucedem-se destrambelhadas, mas incisivas: acusações de stalking, assédio, e mesmo violação e pedofilia, contra um e outros: «vou-te apanhar, tu és ainda pior que o outro, meu machão de m*», «já perdi a conta dos professores de lá que se atiram a mulheres e under-aged girls», «É que a situação não é que na maioria os directores das escolas não saibam que estas coisas se passam. Sabem mas decidem ignorar, como homens e como amigos dos ofensores», «Já estava na hora do meio do jazz impludir. Destruir esta hierarquia patriarcal, machista e misógina», etc, etc..

Motivadas pelo artigo do Público, já lá vamos, os posts no instagram floresceram, desabafos, e mulheres que não tinham nada com o assunto nem conheciam a Liliana nem ninguém, pronunciavam-se solidárias, e acrescentavam o Jazz e o Hot Club, que eram os únicos expressamente nomeados, mesmo se muitos posts referiam também o «meio musical», e «não é só no jazz». Na sequência, o metoo decidiu abrir um canal de denúncias que já ia, da última vez que li, em 79 queixas «relativas a 18 pessoas sobretudo do meio musical...» e «Destas há queixas formalizadas no Ministério Público ou na Polícia Judiciária contra três nomes», diz a atenta Joana Amaral Cardoso no público de ontem. E diz mais abaixo: «a lista que o Público consultou, é dominada por queixas relativas a João Pedro Coelho (50)...».

Ou seja, das 79 denúncias 50 pertencem ao JPC (apetecia-me fazer um comentário, mas talvez fosse despropositado) e as restantes 29 pertencem a 18 pessoas «sobretudo no meio musical», não se sabendo quantas pertencem ao Jazz ou ao Hot Club, mesmo sendo o Jazz «a área de onde é oriunda a maior parte das queixas». 

(Ou seja, há 3 casos antigos já conhecidos e muita palha. Estarei enganado? Convém perceber se os casos que terão dado origem às denúncias se limitam a comportamentos machistas eventualmente censuráveis, ou mesmo até simplesmente comportamentos masculinos, e não crimes, e não se sabe se se resumem a simples vinganças. Já que estamos em maré de denúncias, creio que a hipótese de vinganças ou mesmo comportamentos anti-masculinos ser de considerar, como também já li. )

A esta hora haverá mais. Não se sabe o que são, contra o quê ou quem, isso já não importa, e o metoo já cumpriu os seus objectivos de aparecer nos jornais, não importa à custa de uma tramóia inventada e não importam os danos colaterais.

«Será este finalmente, o início do #MeToo português?»
Curiosamente, precavendo-se contra a hipótese de as acusações se resumirem afinal a duas situações numa década, ou do seu fundamento real, a líder-do-metoo-a-necessitar-reconhecimento-urgente já foi dizendo que «para protecção da vítima» (como se se tratasse da Camorra) não vai divulgar as acusações.

Giro, não é? Pois a mim me parece que estamos perante um processo da Santa Inquisição. Levanta suspeita e pendura no pelourinho e pelo caminho é toda uma comunidade inocente que paga.

E neste ponto deixem-me tirar uma segunda conclusão: A Liliana denunciou um crime que alguém perpetrou contra ela, e fez muito bem, se se sentiu violada. O resto é pura invenção do metoo que necessita de visibilidade como pão para a boca.
Estou a inventar? - A jornalista da CNN Maria João Caetano esclarece: «... em 2021 surgiram várias denúncias de mulheres o meio audiovisual (cinema e televisão) que acabaram por não dar em nada... Tem esperança que desta vez seja diferente. Será este finalmente, o início do #MeToo português?»

Ou seja, em 2021 o metoo meteu-se com tipos com poder, com directores de televisão e de jormais, e saiu-se mal. Agora pegou num caso, distorceu-o, mentiu, inventou uns depoimentos, e envolveu o Jazz que não tem poder, juntou uns amigos na imprensa e conseguiu o protagonismo de que necessitava.
É só este o caso de que estamos a falar.

Porque tudo o que este metoo pretende é visibilidade, e obteve-a. Contribuir para a resolução dos problemas da sociedade, das mulheres, das mulheres no Jazz, contribuir para o que quer que seja, nunca esteve nos seus objectivos. Elas não passam mesmo é sem os holofotes. Como os vampiros vivem do sangue alheio, elas alimentam-se da denúncia. 


3. O Público ou a arte de manipular informação e continuar a parecer que é uma gaja porreira

A partir do momento em que o Público dá capa e duas páginas à história todos os jornais pensaram que valia a pena explorar o filão e atacaram. E o facto de haver acusações graves de violação ou pedofilia não sustentados, ou outros delitos como ocultação de crimes, por exemplo, não os demoveu. 

A jornalista da CNN vai longe e cita fontes desconhecidas: «A maior parte das mulheres que passou pelo meio do jazz sofreu algum tipo de assédio, em alguns casos essas mulheres eram menores» e «E é triste que seja preciso acontecer algo grave a tanta gente para isto ser notado... Não é que os directores das escolas de jazz não saibam que estas coisas se passam. Sabem, mas decidem ignorar, como homens e como amigos dos ofensores».
E este é apenas um exemplo, porque a desinformação se generalizou, personagens, datas e locais trocados, suspeitas tornadas factos, gente cruxificada sem julgamento, é a instituição da baderna.

As acusações estendem-se a todo o Jazz, de todas as perspectivas, mas a escola do Hot Clube, como a primeira escola de jazz em Portugal, e quiçá a mais prestigiada, é a principal visada. A acusação estendeu-se com naturalidade às direcções de Inês Cunha e Pedro Moreira. 

Quem achar que esta história não tem importânca desengane-se.  Temo que os danos que a tramóia que o metoo e a Joana Amaral Cardoso engendraram sejam defininitivos. Porque o Jazz, mesmo que seja a melhor música do mundo, não está perto do poder, não tem dinheiro, é frágil.  

O favor manhoso do Público
O texto do dia 9 é claramente um favor da Joana Amaral Cardoso à amiga do metoo. A JAC percebeu desde o primeiro momento que não tinha notícia a não ser que a fabricasse, e fá-lo capciosamente, pegando em depoimentos soltos, de pessoas que passaram ou não pelo Hot, com acusações vagas e genéricas, mas incisivas, dando a voz ao metoo, manipulando a informação, sugerindo conclusões. O JPC é um criminoso, está julgado e condenado, o Hot Club é culpado - se ele não é professor, já foi («se não foste tu foi o teu pai», lembram-se da fábula?). Brilhante exercício de manipulação: melhor que as tardes de denúncia da TVI.

Porque o Hot Club nunca é propriamente denunciado; a perfídia da notícia está na subtileza. O artigo fala do JPC como «o antigo professor do Hot Club» (lá vem o Hot: alguém sabe que ele deu aulas noutros locais?), «Desde que tornou pública a sua história ... Liliana Cunha, música e DJ que que não foi aluna do Hot Club e conheceu Coelho através do Instagram» (acho que a Liliana também não foi aluna da Escola de Cozinha e Pastelaria de Portugal, e também não é referido); o Hot Club é sistematicamente referido. Porquê - a JAC lá sabe, e nós também: a amiga do metoo tinha pedido e era preciso inventar um suspeito, e o Hot estava a jeito.

Ninguém precisa ler as duas páginas do artigo, basta a capa: meia página com «Assédio Sexual - Como uma acusação de violação abriu a caixa de Pandora no jazz português». Já matou. Parabéns à JAC pelo prémio esterco de luxo do ano 2024 e ao editor do Público pelo prémio lixo Murdoch.

Em dado momento desta minha reflexão eu indaguei-me se não estava a exagerar, e perguntei a alguns amigos, nomeadamente alguns que não tinham nada a ver com o Jazz, se eles tinham lido a história no Público, e a resposta foi unânime: era a história de uma violação no Hot Club!

O metoo tratou casos isolados como normal, ignorando a atitude exemplar da direcção de Inês Cunha, denegrindo, insultando. Percebe-se que tenha motivos para mentir, porque só isso lhe dá visibilidade, mas que a Joana Amaral Cardoso e o Público se tenham prestado a colaborar é lamentável e vergonhoso. Mas enfim, nós sabemos que o sangue vende jornais. Que interessa a deontologia e a ética e essas coisas se é preciso vender jornais. Se tiver de inventar notícias, que seja.

Enfim, o caso ficará para a História como um case study de manipulação de informação, quando se perceber que três meninas e uma jornalista fabricaram uma notícia e criaram um bola de neve. Quando parar, a destruição terá sido enorme para a música e para o Jazz, mas para as tais meninas não importa muito porque elas não têm nada a ver com o Jazz. Mas também não têm nada a ver com as mulheres ou o interesse das mulheres, e elas só se preocupam mesmo com os seus interesses pessoais e a sua vaidade. Que a JAC tem o futuro assegurado não tenho dúvidas; para o metoo português talvez que seja a hora.

E no final continuará a haver machismo e violadores e abusadores e assediadores, porque elas também nunca se preocuparam muito com as mulheres nem com os verdadeiros abusadores.  Mal vai a defesa das mulheres em Portugal quando estão entregue a esta imitação de feministas!

Terceira conclusão: o metoo não lograria por si só abrir a «caixa de pandora», e para isso recorreu aos favores da Joana Amaral Cardoso, a quem convinha também. Pode não ser um favor, mas lá que parece, parece.
Foi uma inventona bem sucedida!


4. O Jazz não é diferente do resto da sociedade

Deixem-me voltar atrás e pensar um pouco.

«O Jazz não é diferente do resto da sociedade», escrevi há uns anos num trabalho sobre as mulheres no Jazz. O Jazz reproduz em si, nas suas relações, as mesmas relações patriarcais da sociedade, as mesmas relações de dominação, que se perpetuam no mundo do trabalho, na família, na cultura, na música, na educação, em tudo. E que assume nas relações sexuais, amiúde, relações de abuso, que são generalizadas nas culturas islâmicas, algumas mais que outras, é verdade, mas também nos sectores religiosos mais ortodoxos e fanáticos, judeus e cristãos, evangélicos ou católicos ou outros, e fora das religiões, também, enfim, na sociedade, claro, não vou estender-me.

Essas relações de poder no sexo apresentam por vezes contornos abusivos que as tornam eventualmente criminalizáveis nas «sociedades ocidentais». (Esses “contornos” diferem de acordo com o tempo ou as culturas. Por exemplo as esplêndidas fotos de adolescentes de David Hamilton hoje levá-lo-iam à prisão)

Enfim, o Jazz não é diferente do resto da sociedade, e a prova está no enorme desequilíbrio entre o número de músicos de Jazz homens e mulheres, ou no papel clássico reservado às mulheres no Jazz; já falei disso. Mas não é no Jazz que está o problema, é na sociedade, e isto é uma chatice para os metoos, e não só portugueses, que gostam de encontrar culpados. E praticar o tiro ao alvo ao Jazz é mais fácil.

E é muito mais fácil encontrar relações de abuso no Jazz do que na pop, apenas porque ninguém na pop quer saber, ou no fado. Mas circulam histórias feias do mundo da dança, do mundo das artes plásticas, queixas de assédio nas universidades  são às pazadas, e merecem notas de rodapé, dizem que mulher só entra nalgumas televisões na horizontal, aqui há não muito tempo uma jornalista queixava-se de assédio, até que a história desapareceu debaixo do tapete e até ouvi dizer que estavam envolvidos jornalistas do Público, mas eu não acredito, é claro: é fácil denunciar, estão a ver, acabo de o fazer impunemente, à maneira da Joana Amaral Cardoso, porque não preciso de comprovar nada: basta dizer que se diz por aí à boca pequena.

Eu não vou perder muito tempo a falar sobre o tema mulheres, e sugiro aos interessados que leiam o texto O Jazz e as Mulheres que está publicado aqui mesmo em JazzLogical, e também porque o problema tem afinal pouco a ver com o Jazz ou as mulheres, mas com umas meninas e uma jornalista com imensa necessidade de protagonismo e de vender jornais.

O problema das mulheres na sociedade tem a dimensão global, e infelizmente com os talibans e os trumps no poder a civilização parece ter entrado em retrocesso. Os problemas das mulheres nas relações de trabalho dos escritórios, das fábricas, do mundo do trabalho, na família, na escola, são bem mais difíceis, até de denunciar, e as mulheres estão completamente desprotegidas. Nós vivemos numa sociedade machista, embora as mulheres tenham ganho o direito ao voto e uma igualdade na lei (em Portugal) que não se concretiza na realidade. Um recente relatório dava conta de que as mulheres continuam a ganhar menos que os homens para trabalhos equivalentes; a igualdade está a tardar...

E isto não é um problema das mulheres; é um problema da humanidade, dos homens e das mulheres. Enfim, denunciar as situações de desigualdade salarial ou social, ou, por outro lado, das situações de violência, ou abuso de qualquer tipo, em todos os estratos sociais, ou indivíduos, é necessário. Mas dá muito mais trabalho e é mais fácil andar à cata dos maus no Frágil. (Pode ser que por lá apareça o tal pianista de Jazz.)

O que temos visto tem pouco a ver com as mulheres ou os direitos das mulheres e parece-me bem mais um ataque concertado ao Jazz, sabe-se lá porquê: «Já estava na hora do meio do jazz português impludir. Destruir esta hierarquia patriarcal, machista e misógina», «o meio musical jazz/ clássico português está podre e fede»..., quem começar a ler os posts vai ver como muitas vezes se confunde a piadola machista e o piropo com a violação, quem confunda comportamentos sociais eventualmente censuráveis com crimes. 

Mas sim, voltando atrás, apesar do disparate e inutilidade das atitudes destrambelhadas de muitas mulheres, elas são, quantas vezes, apenas o resultado do abuso de homens. E sim, da cultura de tolerância ao abuso. E sim, é necessário que as instituições encontrem os mecanismos para prevenir as situações de abuso.

Mas é muito mais giro dar entrevistas a dizer que o Jazz é culpado da desigualdade entre mulheres e homens. É parvo, ignorante e leviano, mas é giro. 

Mas contribuir para a sociedade dá trabalho, lutar pelos direitos das mulheres dá trabalho, denunciar a desigualdade das mulheres dá imenso trabalho, e tem muito mais graça e está na moda andar à pesca de malandros na noite lisboeta, e nem que seja preciso inventá-los.

Mas isso, a contribuir para a igualdade entre géneros, é também, já agora, sistas, o que Hot Club anda a fazer. Mas já lá vamos.


5. É fácil bater no Jazz

Mas antes disso, porque é que é fácil bater no Jazz, e porque é que volta e meia surgem acusações no Jazz, quando no Jazz as situações são residuais? - Ora, por duas razões: porque o Jazz não tem poder e não move o dinheiro, e porque o Jazz é música de pessoas (tem essa fama, sabe-se lá porquê!) que se preocupam com o mundo, com a sociedade, com a liberdade e a democracia, de pessoas civilizadas, com as relações homem-mulher também, e que ficam escandalizadas com os abusadores. E ingénuas.

O que eu sei e o que eu tenho ouvido nos últimos dias são pessoas, músicos, público, amantes da grande música que é o Jazz, escandalizados: - mas então há violadores no Jazz, como é que é possível, perguntava alguém!

Não, não há, tenho eu a dizer. Ou melhor, haverá, mas são excepções! Apenas e intoleráveis. E se alguém conhecer alguém dentro do Jazz, nalguma escola, nalgum clube, nas relações pessoais, com comportamentos indevidos, TEM O DEVER DE O DENUNCIAR. 

Mas e então, perguntam os cépticos com razão, o Jazz é só boas pessoas e não há grunhos no Jazz? Claro que há, o Jazz reproduz as relações da sociedade. Claro que há! Apesar de eu estar convicto de que se há meio saudável é mesmo o meio do Jazz em Portugal, tenho a consciência de que o Jazz reproduz as relações de dominação masculina no Jazz também. E claro que há muito machismo, muito marialvismo, muito casca grossa, muito bullying, e no final haveremos de descobrir  também casos de abusadores de todo o tipo. Mas serão sempre a excepção, até porque o Jazz em Portugal se tem dotado de instrumentos para prevenir esses comportamentos.

Mas é a humanidade, se não houvesse problemas é porque o Jazz estaria entregue a ETs.


6. O Hot Club e a tolerância zero

Para se perceber a dimensão da fraude montada pelo metoo, com a colaboração da jornalista Joana Amaral Cardoso e do editor do Público (que passa anos sem oferecer duas linhas ao Jazz e que lhe tem oferecido generosamente páginas e páginas e capas!!! para falar da bronca, coisa absolutamente inédita. E continua….), convém saber como é que, por exemplo, o Hot Club trata o problema do assédio.

(E mesmo se eu creio que os casos serão raros no Jazz, se o assédio existe «no meio audiovisual», no mundo do espectáculo, na sociedade, em todo o lado, porque é que não haveria no Hot Club?)

A verdade é que, ao contrário do que o metoo diz, existe no Hot Club uma política de tolerância zero perante o assédio ou qualquer forma de abuso.

Os únicos casos de que ouvi falar no passado recente pertencem ainda à direcção da Inês Cunha, em 2021, e tinha como director pedagógico da escola o Bruno Santos, e foram exemplar e liminarmente resolvidos.

Não é um problema de abuso sistémico no Hot Club como foi dito nas peças. É exactamete o contrário: é a intolerânca absoluta ao abuso

No Código de Conduta aprovado em 2022 é claro que «não será tolerado assédio moral ou sexual de qualquer ordem» e «comportamentos deste tipo serão alvo de medidas disciplinares na escola, e constituem crime, podendo ser alvo de acções legais». Para além disso foi criado um Gabinete de Apoio ao Aluno com um endereço de email exclusivo e anónimo, para acolher eventuais sugestões ou queixas, devendo toda a comunidade escolar «contribuir para que este código seja cumprido». Este código de conduta e mecanismos foram amplamente divulgados mas, ainda assim, desde então, não foi recebida nenhuma queixa.

A direcção mudou entretanto e o actual director é o Pedro Centeno Moreira e o actual director pedagógico da escola é o Gonçalo Marques e a única coisa que se me sugere dizer é que questionar a integridade, ou a tolerância para com o assédio, da Inês Cunha, do Bruno Santos, do Pedro Moreira ou do Gonçalo Marques, é verdadeiramente um insulto.

Nenhum mecanismo é perfeito, e nenhuma instituição está salvaguardada, e é até possível que os mecanismos de prevenção tenham falhado, e será sempre possível e desejável melhorá-los, mas, se a Liliana não sabe porque nunca foi aluna do Hot Club, as girls do metoo sabem, a JAC sabe, a Sara Serpa e a Beatriz Nunes sabem que o Hot tem para com o abuso tolerância zero. E NÃO, não existe no Hot nem no Jazz, pelo menos no reduzido meio jazzístico nacional, um problema de assédio sexual sistémico. É giro dizer-se e dá direito a primeira página do Público e no Expresso, mas não é verdade. E é lamentável.

Da mesma forma que toda a comunidade no Hot Club tem a noção do esforço que a escola do Hot tem feito para promover a igualdade entre géneros. Algumas das políticas, que vêm já da anterior direcção da Inês Cunha, e que foram continuadas pela actual direcção, têm como objectivo promover as mulheres no Jazz e no Hot Club. Uma das medidas foi a redução das propinas para as estudantes do sexo feminino em instrumentos. O resultado tem sido o crescimento da população estudantil feminina de 22% para 37% em dez anos e o número de mulheres em instrumentos não-voz é hoje de metade do total!

É possível hoje, o que não era imaginável há poucos anos, encontrar mulheres, com um nível invejável, em todos os instrumentos, e é possível até formar grupos exclusivamente constituídos por mulheres: elas aí estão a dar cartas! A política inclusiva da escola do Hot Club de Portugal tem dado resultados!


7. J’accuse.

É óbvia a monstruosidade da inventona do metoo com a colaboração da Joana Amaral Cardoso. E isto, sê-lo-ia, ainda mesmo que no final de tudo alguma vez se viesse a descobrir mais algum perigoso abusador de mulheres. A acusação ao Jazz e ao Hot Club é ela sim, abusiva. 

Sim, eu acuso, tudo isto não passou de uma história malevolamente construída pelo metoo/ JAC a partir de uma historieta de engate de internet de contornos difusos, onde está longe de se saber, até, se há culpados.

Sim, eu acuso: o metoo e a JAC sabem desde o primeiro momento que não há nenhum motivo para acusar o Jazz e o Hot Club, mas fizeram-no com perfídia e premeditação.

A forma de actuar do metoo foi muito semelhante à das Basij, as brigadas de costumes iranianas, e ela merece ser objecto de estudo: como é que um grupo corta-cabeças moralista politicamente-correcto tem cabimento numa sociedade moderna.

Da mesma forma, já o referi acima, como é que uma jornalista consegue construir uma trama a partir do nada, capaz de abalar as mais importantes instituições de Jazz português. Um verdadeiro case study de manipulação jornalística.

Este foi o maior ataque jamais desferido contra o Jazz e o Hot Club em 80 anos da vida do Jazz em Portugal, e não é certo como tudo acabará, e os danos que provocará em todas as instituições ligadas ao Jazz.

Exige reflexão por parte das instituições do Jazz, porque o Jazz é forte, mas as suas instituições são frágeis. Exige que as instituições tomem medidas, que reavaliem os mecanismos internos de vigilância e prevenção do abuso sexual e moral, sendo certo que nenhuma instituição está a salvo, dos casos de abuso possíveis.

Mas por muito que façam é bom que tenham a noção que nunca terão protecção contra a difamação.

O momento é também de reflexão e vigia: exige também que as instituições vigiem e se vigiem, porque os inimigos, os sicários e os sonsos estão dentro das suas muralhas; estamos a aprender isso hoje.

E exige que as instituições do Jazz continuem a trabalhar na promoção do Jazz dentro de uma sociedade inclusiva que se quer igualitária. E se nenhuma instituição (privada) pode resolver por si (nem lhe compete) os problemas da sociedade, ela pode contribuir para essa igualdade, uma sociedade que é de tolerância e liberdade.

Enfim, perdoem-me a verborreia, mas eu estou muito zangado. Temo que os danos causados pela Polícia da Moralidade se estendam por anos, e que o Jazz e a música venham a pagar, juntamente com muitos e bons músicos, e garanto-vos que seria um retrocesso para a música em Portugal. Alguém tem a noção do salto que a música deu em Portugal nas duas últimas décadas - eu vi! -, devido ao aparecimento das escolas de Jazz em Portugal? Quantos músicos andam aí pela pop e por todos os géneros, que passaram pelo Jazz? Sim. O desaparecimento das escolas de Jazz em Portugal seria verdadeiramente dramático. 

Se já chegaram até aqui, perdoem-me o excesso, mas eu não vou cortar. Estou zangado e estou farto de escrever, escrevi ao correr da pena, ou quase, mas não me apetece reler o que escrevi. Não me apetece ir confirmar se insultei todos os que devia, ou os que não devia, amigos como dantes, desculpem lá qualquer coisinha, ou se os insultos me vão valer algum processo no tribunal, ou o ódio e os instas das nossas Basij, mas não quero saber. Já disse, para já para já, tudo o que me veio à cabeça e agora vou dormir que já é tarde.

Enfim, durman sossegados também, meus amigos: vocês não são abusadores por mais que vos digam que são, vocês são pessoas saudáveis, não andam a assediar ninguém, não abusam, não violam, têm relações normais. E como eu, que ouço Jazz há muitos anos, e conheço muita gente, vocês não têm, nas vossas relações, abusadores.
E não esqueçam: O Jazz é a melhor música do mundo.


Sobre o mesmo tema ainda, dois textos muito lúcidos, corajosos e elucidativos da Cristina Martins, no facebook, um segundo do Ricardo Fortunato, publicado na Revista Minerva Universitária, e um terceiro de Raquel Varela, publicado no facebook (ou em texto aqui).
Porque não somos todos parvos.