Jazz em Agosto
2018
O JAZZ EM AGOSTO E A CENSURA
Tem um nome: censura.
Uma vez mais o Jazz em Agosto decidiu não me atribuir a acreditação para a cobertura crítica do Jazz em Agosto. Sem mais argumentos que o «o número de acreditações disponíveis para o Jazz em Agosto é reduzido», o festival de Jazz da Fundação Gulbenkian recusou-me, em Maio, a atribuição da acreditação.
Contactada a presidência da Fundação Gulbenkian, a resposta veio em idêntica forma: «o número de acreditações privilegia os principais órgãos de comunicação nacionais e internacionais» e «em regra não ultrapassam a dezena e meia por evento». Ora dado que os órgãos de comunicação nacionais que dedicam algum espaço regular ao Jazz são inferiores aos dedos de uma das minhas mãos (e o interesse da cobertura internacional é irrelevante para o público do festival), a escolha cirúrgica dos jornalistas e críticos acreditados corresponde a um acto deliberado de manipulação da informação. Eu escrevo sobre Jazz, e sobre o Jazz em Agosto, desde há décadas, e em JazzLogical, regularmente desde 2007, e não solicitei propriamente uma borla para assistir aos concertos. Ou seja: a direcção do Jazz em Agosto censura e a Fundação Gulbenkian subscreve.
Sobre a atitude discriminatória da direcção do Jazz em Agosto eu já escrevi no ano passado (O Jazz em Agosto e as dissonâncias), e tudo o que na altura escrevi (sobre o direito e a necessidade da crítica) se mantém pertinente. Considerei este ano que o Jazz não precisa de ruído (mais do que alguns actores já produzem) e que os músicos e o público do Jazz em Agosto me merecem respeito, pelo que adiei este texto para depois do festival. Mas não poderia deixar de o escrever. Porque o devo aos meus leitores, aos músicos e ao Jazz. Aborreceu-me ter de escrevê-lo, mas tinha de o fazer: não sou eu que estou em causa, não é JazzLogical; é o direito à informação e à crítica.
Compreende-se que o Jazz em Agosto não goste de muito do que escrevo. Compreende-se que o Jazz em Agosto não goste de crítica: o Jazz em Agosto prefere a graxa. Eu não escrevo sobre o meu gosto pessoal a propósito do Jazz em Agosto; eu procuro fundamentar as minhas opiniões. Criticar: é isso que os críticos fazem (ou deveriam fazer). Não sou o dono da razão e o que escrevo é tão passível de crítica como os objectos sobre que escrevo. Mas não se trata de o Jazz em Agosto gostar ou concordar; a crítica e o direito à crítica é um adquirido civilizacional. Ou deveria ser, porque a avaliar pela atitude do presidente da mais poderosa nação do planeta, que escolhe os jornalistas que assistem às suas conferências de imprensa, a civilização já era.
Este seria o momento talvez de passar aos insultos, mas não vale a pena: quem exerce a censura insulta-se a si mesmo; um director de um festival que não aceita a crítica menoriza-se ele próprio. Trata-se de uma mistura de arrogância e receio talvez de que alguém revele as «inconsistências» da sua programação.
Porque a minha crítica tem que ver com isso: a inconsistência. Uma análise da programação do Jazz em Agosto revela uma modernidade questionável (modernidade sobre a qual, supostamente, assenta a programação), uma música que se pretende inovadora, mas com frequência, de facto, uma vanguarda com mais de 70 anos (como se fosse possível), uma irreverência muito muito jovem, muito espectacular, onde amiúde o espectáculo substitui … a música. E sobretudo uma boa manipulação dos média. Ora é realmente uma chatice que haja uma crítica isenta, que não se submeta a interesses particulares, que veja para além da cortina de fumo do espectáculo, que questione, que critique. É uma chatice, realmente. Sejamos correctos: muito do que passou pelo Jazz em Agosto é grande música, música séria, e moderna também. Alguns dos melhores concertos da minha vida passaram pelo Jazz em Agosto. Mas alguns dos piores também, as mais absurdas vanidades postas em palco sob a equívoca capa do radicalismo e modernidade: eu tenho escrito sobre isso.
A relação do Jazz em Agosto com o Jazz nacional é paradigmática. Vivemos um momento em que o Jazz nacional revela uma pujança notável, com músicos sérios, que trabalham, que escrevem, que tocam com um nível fantástico, sendo que se de entre eles alguns preferem uma linguagem mais clássica (e saborosa, diria eu, que gosto de Jazz), outros de entre eles fazem um Jazz realmente moderno, e apenas não obtiveram o reconhecimento internacional devido ao mercado diminutamente ridículo que é o nosso, ou porque não têm os padrinhos certos. Que oportunidade fantástica não seria de levar aos palcos do Jazz em Agosto esses jovens músicos, esses projectos realmente modernos. Mas da mesma forma como alguns dos mais arrojados músicos internacionais passam ao lado do Jazz em Agosto (enquanto outros tiraram o passe para a Gulbenkian) o festival ignora olimpicamente o moderno Jazz nacional. Ao invés do Jazz sério, rigoroso, contemporâneo, o Jazz em Agosto prefere por norma a música do tipo «bora todos lá prá frente e logo se vê», bué da radical, mas musicalmente aborrecido, velho, incipiente. Sendo verdade que, enfim, de vez em quando, o Jazz em Agosto oferece ao público bom e estimulante Jazz português.
Não venho aqui questionar o facto de o Jazz em Agosto programar muitos projectos que pouco ou nada têm de Jazz, mesmo se o nome do festival indicaria outra coisa. Aceito perfeitamente que faz parte da natureza mais intestina do Jazz o quebrar de fronteiras, e essas fronteiras foram sendo deslocadas, ao longo de mais de cem anos, mais para a frente. Mesmo sendo verdade que muitos projectos nem sequer se propõem a si mesmos como Jazz, eles podem ser pertinentes pela sua relação – e mesmo se não clara - com o Jazz. A minha objecção é a de que muitos projectos não são Jazz, não são modernos, nem sequer são interessantes. Quanto Jazz contemporâneo, quanta boa música passou ao lado do Jazz em Agosto, substituída por projectos e músicos medianos, mas que fazem o pino no palco, muito muito buéda radicais. E enfim, rematando, os melhores projectos que passaram pelo Jazz em Agosto foram sempre protagonizados por músicos de Jazz. E alguns foram mesmo muito bons.
É a minha crítica. É a minha visão que aborrece a direcção do Jazz em Agosto, acostumado a manipular a imprensa, e que ela procura calar.
Que o Jazz em Agosto procure calar a crítica é revelador. Tem um nome: censura. Que uma instituição respeitada como é a Fundação Gulbenkian, por desconhecimento ou inércia, sancione estas trumpices de trazer por casa, é lamentável.
Sobre o Jazz em Agosto em JazzLogical: AQUI
Sex 27 Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian (AAL) 21.30 Zorn – Moore John Zorn (sa), Thurston Moore (g-el)
Sáb 28 Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian (AAL) 21.30 Mary Halvorson Quartet + Masada Mary Halvorson Quartet:
Mary Halvorson (g-el), Miles Okazaki (g-el), Drew Gress (b-el), Tomas Fujiwara (bat)
Masada:
John Zorn (sa), Dave Douglas (t), Greg Cohen (ctb), Joey Baron (bat)Dom 29 Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian (GA) 19.30 Jumalatteret Barbara Hannigan (voz), Stephen Gosling (p) Fundação Calouste Gulbenkian (AAL) 21.30 The Hermetic Organ John Zorn (orgão de tubos), Ikue Mori (lap) Seg 30 Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian (A2) 18.30 The Rite of Trio André Bastos Silva (g-el), Filipe Louro (ctb), Pedro Melo Alves (bat) Fundação Calouste Gulbenkian (AAL) 21.30 Nova Quartet + Asmodeus Nova Quartet:
John Medeski (p), Kenny Wollesen (vib), Trevor Dunn (ctb, b-el), Joey Baron (bat)
Asmodeus:
Marc Ribot (g-el), Trevor Dunn (ctb), Kenny Grohowski (bat)Ter 31 Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian (A2) 18.30 Pomegranate Seeds
(filme-concerto por Ikue Mori)Ikue Mori (lap) Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian (AAL) 21.30 Simulacrum John Medeski (hamm), Matt Hollenberg (g-el), Kenny Grohowski (bat) Qua 1 Ago Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian (A2) 18.30 Robert Dick Robert Dick (f-ctb) Fundação Calouste Gulbenkian (AAL) 21.30 Kris Davis Quartet
+ John Medeski Trio Bagatelles 2Kris Davis Quartet:
Kris Davis (p), Mary Halvorson (g-el), Drew Gress (ctb), Kenny Wollesen (bat)
John Medeski Trio:
John Medeski (hamm), Dave Fiuczynski (g-el), Calvin Weston (bat)Qui 2 Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian (A2) 18.30 Slow is possible João Clemente (g-el), Ricardo Sousa (ctb), Bruno Figueira (sa), André Pontífice (celo), Duarte Fonseca (bat), Nuno Santos Dias (p) Fundação Calouste Gulbenkian (AAL) 21.30 Highsmith Trio Ikue Mori (lap), Craig Taborn (p), Jim Black (bat) Sex 3 Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian (A2) 18.30 Dither
plays Zorn Game PiecesJames Moore (g-el), Taylor Levine (g-el), Josh Lopes (g-el), Gyan Riley (g-el) Fundação Calouste Gulbenkian (AAL) 21.30 Insurrection Matt Hollenberg (g-el), Julian Lage (g-el), Trevor Dunn (b-el), Kenny Grohowski (bat) Sáb 4 Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian (A2) 18.30 Trigger
plays John Zorn Bagatelles and ApparitionsWill Greene (g-el), Simon Hanes (b-el), Aaron Edgcomb (bat) Fundação Calouste Gulbenkian (AAL) 21.30 Craig Taborn + Brian Marsella Trio Bagatelles 3 Craig Taborn (p)
Brian Marsella Trio:
Brian Marsella (p), Trevor Dunn (ctb), Kenny Wollesen (bat)Dom 5 Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian (A2) 18.30 Julian Lage & Gyan Riley
play John ZornJulian Lage (g-ac), Gyan Riley (g-ac) Fundação Calouste Gulbenkian (AAL) 21.30 Secret Chiefs 3
plays MasadaTrey Spruance (g-el), Matt Lebofsky (tec), Jason Schimmel (g-el), Eyvind Kang (v), Shanir Blumenkranz (ctb, b-el), Kenny Grohowski (bat), Ches Smith (per)