Jazz em Agosto

 

 

Jazz em Agosto 2022

Jazz em Agosto 2019

Jazz em Agosto 2018 - O Jazz em Agosto e a Censura

Jazz em Agosto 2018 - John Zorn

Jazz em Agosto 2017

Jazz em Agosto 2016

Jazz em Agosto 2015

Jazz em Agosto 2014

Jazz em Agosto 2013

Jazz em Agosto 2012

Jazz em Agosto 2011

Jazz em Agosto 2010

Jazz em Agosto 2009

Jazz em Agosto 2008

Jazz em Agosto 2007


JAZZ EM AGOSTO - REFLEXÕES

Polémico desde a primeira hora, o Jazz em Agosto soube trazer no passado, apesar de alguns faux pas ocasionais, alguns dos nomes mais interessantes e inovadores do Jazz que se fazia na Europa e nos EUA.

Iniciado em 1984 - vivia-se um período pós free-jazz -, nos anos seguintes passaram pelo Jazz em Agosto a fabulosa Sun Ra Orchestra, os representantes da linha africanista Art Ensemble Of Chicago, também o Dave Holland Quintet de Raizor's Edge, o Paul Motian Trio com Bill Frisell e Joe Lovano, o Jan Garbarek Quartet, a Vienna Art Orchestra, Jimmy Giuffre, Tim Berne, Willem Breuker Kollektief, Steve Coleman, e inúmeros outros em concertos memoráveis. O free estava presente, mas também o questionável Jazz da editora de Munique ECM ou a irreverência da downtown nova-iorquina, entre algumas coisas mais questionáveis. Ainda assim, com alguns desses momentos talvez mais pretensiosos, estes primeiros anos sob a direcção de Rui Neves - e o suporte de Madalena Perdigão, directora do ACARTE/ Gulbenkian - fizeram do Jazz em Agosto um festival incontornável no panorama nacional e mesmo muito para além.

Findo o primeiro comissariado de Rui Neves, o Jazz em Agosto encetou outros formatos com outras direcções, com resultados variáveis, sendo de relevar a inesquecível homenagem a Max Roach do período Hot Club – Luís Hilário em1995.

Em 2000 Rui Neves regressa. Alguma coisa se passou entretanto e o Jazz em Agosto não voltaria a ser o mesmo. Os tempos tinham mudado, a sociedade tinha mudado e o panorama do Jazz tinha mudado também: muitos dos produtos que o festival trouxera em primeira-mão a Portugal nos anos 80 tinham entrado no mainstream e percorriam já as salas de concertos de norte a sul.

O festival procurava reencontrar a personalidade que o distinguira, mas onde estava a vanguarda do Jazz? O colectivo de ilustres que a edição do ano 2000 do Jazz em Agosto reuniu, concluiu que a fragmentação estética era a dominante do Jazz do virar do século, mas a verdade é que a resposta não foi a melhor. Na busca do futuro, o Jazz em Agosto reencontrou com frequência o passado e muitos equívocos.
Enfim, se alguns objectos se dirigiam desde a primeira edição a passos largos para fora do Jazz, ocasionando com frequência excessivas polémicas (a eterna polémica) sobre os limites do Jazz e a sua definição, a verdade é que não é possível observar o Jazz em Agosto do ponto de vista crítico, sem introduzir nessa crítica valores que a crítica de Jazz tradicional não contempla como a modernidade – a utopia da eterna juventude! -, mas também alguns outros que dizem respeito a outras formas de arte, inclusive artes plásticas, e sem os quais não é possível entender algumas das experiências que por lá passaram. Com frequência ele parece afirmar-se não tanto pelas propostas, mas contra o Jazz mainstream. Música de alto risco, não escapa com frequência ao pretensiosismo dos movimentos experimentalistas, esvaindo o mérito que inequivocamente possui na antecipação do futuro.

O Jazz em Agosto não facilita a vida à crítica, e não é fácil ser objectivo. O problema que se colocou desde sempre (na crítica ao festival) é em primeiro lugar que, se por um lado ele se denomina festival de Jazz, ele coloca o Jazz apenas como ponto de partida. De forma altaneira permite-se introduzir todo o tipo de objectos estranhos, reivindicando-se da vanguarda do Jazz ou num eufemismo mais recente «das novas tendências do Jazz». Esta nuance curiosa advém de um pensamento que considera que a vanguarda do Jazz desapareceu (e o Jazz está em vias de desaparecimento) com o esvaecer do free, sendo substituído pelo «Jazz Livre» ou a «música improvisada», «música improvisada estruturada», etc.… A confusão vanguardista que se estabeleceu vai muito para além do Jazz em Agosto e, conforme as conveniências, ora apresenta como novidades sobrevivências da vanguarda do free-jazz dos anos 70, ora descobre experiências que normalmente têm mais de espectáculo e provocação que música.

Curiosamente esta confusão parece ter ganho adeptos entre a crítica, como lamentavelmente entre alguns músicos. Tenho lido críticas que aplaudem músicos que tocam deitados, provavelmente porque é diferente e radical. Como parece ser moderno levar laptops para o palco, porque os computadores são uma coisa moderna, talvez. Ou atiradores de objectos. Ou manipuladores de gira-discos. Ou multimédia. Se é dissonante é bom. Se é noise é fixe (e note-se que nada me ofende a introdução do noise, dos gira-discos ou dos laptops. Construir música e não espectáculo para pacóvio encher o olho é coisa diferente...). Por outro lado parece haver um entendimento da História que a assemelha a uma linha recta: se a vanguarda do Jazz tinha como valor nos anos 70 o ruído, o Jazz do século XXI deve ter ainda mais ruído. Por isso é que a luxuriante Globe Unity dos anos 70, por exemplo, foi transformada numa parede de ruído sem qualquer subtileza, com o aplauso bacoco da crítica vanguardista-evolucionista. E este afinal será um bom exemplo do desnorte dessa vanguarda delida do Jazz dos anos 70 que não soube transformar-se, que não souberam encontrar o caminho da modernidade, preferindo prolongar um ou outro elemento do que eventualmente terá feito a sua originalidade nesse tempo.

O Jazz do futuro que o Jazz em Agosto tem privilegiado é com frequência este ou os seus sucedâneos. Ou pelo contrário tem encontrado na «música improvisada» dos atiradores de objectos e nos manipuladores de giradiscos e laptops a vanguarda, não apenas do Jazz, mas da Música! Mas a vanguarda de um tempo não pode ser a vanguarda de outro tempo. Se há lugar a vanguardas na era da Internet, é outra questão sobre a qual observar e meditar.

A modernidade é um critério traiçoeiro. Os jovens gostam de o apresentar como valor positivo universal, mas um pouco de maturidade não faria mal à crítica que lhe permitisse observar que nem tudo o que é moderno é bom (como há muito Vinho do Porto estragado). Dito isto não significa que o modernidade seja um valor a ignorar, bem pelo contrário. Se existe algo a lamentar no Jazz português é precisamente o excesso de Jazz mainstream que tende a valorizar a repetição ao invés da criação, em nome muitas vezes da suposta Verdade do Jazz. Ora se existe uma característica definidora na História do Jazz é precisamente a sua capacidade de se reinventar. Do meu ponto de vista, eu creio que o Jazz em Agosto podia, mas não cumpre, esse papel de trazer ao público nacional o Jazz moderno. E podia até, se quisesse, contribuir para incentivar os músicos nacionais em busca de uma identidade moderna.

Enfim, onde está a modernidade, se ele ainda se coloca dentro do que pode definir-se como Jazz, mais importante qual o grau de elaboração e qual o valor real das propostas (expurgadas dos acessórios espectaculares), são algumas das tarefas que a crítica enfrenta na observação do Jazz em Agosto.

Festival personalizado entre os personalizados, o Jazz em Agosto afirma-se o detentor do futuro e de forma crítica contra o Jazz mainstream (como outros se apresentam de forma arrogante como os senhores do verdadeiro Jazz). Assim foi desde o seu início, mas na programação pós 2000, eu creio que o Jazz em Agosto teve alguns momentos felizes e muitos equívocos. Para a primeira categoria entram o Julius Hemphill Sextet de Marty Ehrlich em 2003, Joe Morris em 2000, The Claudia Quintet de John Hollenbeck em 2006 e Dave Douglas & Brass Ecstasy em 2009. Para a segunda entram Graham Haynes em 2000, Jean Luc Cappozzo / Axel Dörner / Herb Robertson em 2005, Larry Ochs / Fred Frith / Lê Quan Ninh, em 2006, os Hubbub em 2007, a Globe Unity Orchestra em 2005, John Zorn / Fred Frith e o Peter Brötzmann Chicago Tentet em 2008, ou o George Lewis Sequel em 2009.

Este texto está longe de esgotar os temas – o Jazz em Agosto, a definição do Jazz, a modernidade ou o papel da crítica – e a eles voltarei se necessário.

Agosto de 2009


Jazz em Agosto na internet:

http://www.musica.gulbenkian.pt/jazz/index.html.pt